Teologia da Evangelização (52)

2.4.3.2.2.7.3. Evidências da nossa filiação

1) Guiados pelo Espírito

Os filhos de Deus são aqueles que procuram sempre a orientação de Deus para a sua vida, seus planos e decisões. Em nossa submissão a Deus, pelo Espírito, revelamos a nossa filiação divina.

Paulo retrata: “Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8.14).

E é este mesmo Espírito quem nos conduz à conformidade da imagem de Cristo, que é o nosso modelo por excelência, a meta definitiva de todo povo de Deus. Pela direção do Espírito somos educados a viver como filhos [1]

          Na descrição sumária que Paulo faz da salvação de eternidade a eternidade, escreve: “Aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm8.29).

Este é o sentido da santidade! Explica Lloyd-Jones: “A santificação significa sermos feitos semelhantes ao Senhor Jesus Cristo, e, portanto, todos os que estão sendo santificados devem ter uma similaridade fundamental, pois todos estão se tornando cada vez mais semelhantes a Ele”.[2]

Cristo nos libertou da condenação eterna, do pecado e do domínio de Satanás para si mesmo. Ele nos libertou daquilo que nos era acidental para que sejamos aquilo que de fato somos, a imagem de Deus. Em Cristo temos o verdadeiro sentido da nossa existência; vivemos agora pela vida de Cristo, sob a direção do Espírito Santo (Jo 3.3; 10.10; At 10.18,19; 20.22-24; 2Co 5.15-17; Fp 3.7-8; Cl 3.1-3).

2) O testemunho interno do Espírito

Deus não simplesmente nos torna seus filhos, Ele quer que saibamos disto. E mais: Ele deseja que sintamos a alegria e a responsabilidade de sê-lo. Para este propósito o Espírito também foi-nos concedido.

O Espírito Santo que habita em nós e nos guia, dá testemunho em nossos corações, por meio da Palavra de Deus, que somos filhos de Deus. Este testemunho se constitui num grande conforto para cada um de nós. Deus mesmo em Pessoa nos garante a nossa filiação, nos concedendo esta certeza de que pertencemos a Ele. Isto Ele o faz de modo contínuo: “O próprio Espírito testifica (summarture/w) com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16).

É pelo testemunho do Espírito que a graça de Deus é-nos conscientizada. “Nossa mente, por iniciativa própria, jamais nos comunicaria tal segurança se o testemunho do Espírito não a precedesse”, comenta Calvino. [3]  O filho de Deus tem, pelo Espírito, esta convicção e consolo: sou filho de Deus!

          Calvino exulta:  “Deus guarda para si o conhecimento de nossa eleição, como um príncipe faria o registro principal e original. No entanto, ele nos dá cópias suficientemente autênticas ou comprovantes dela, imprimindo em nossos corações, por seu Espírito Santo, que somos filhos dele”.[4] 

3) Fruto do Espírito

Se o Espírito do Pai e do Filho (Mt 10.20; Gl 4.6) habita em nós, os frutos de sua presença e direção devem se evidenciar em nossa vida. O fruto do Espírito é o grande atestado de nossa filiação divina e de nossa progressiva santificação [5] Paulo assim descreve este fruto:  “…. amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl 5.22,23/Mt5.9; 1Jo3.10). 

          Essa é a conclusão lógica de Calvino: “Visto, então que ele nos elegeu para sermos santos e andarmos em pureza de vida, nossa eleição deve ser como uma raiz que produz frutos bons”.[6]

          Jesus Cristo diz: “Bem-aventurados os pacificadores (ei)rhnopoio/j),porque serão chamados filhos (ui(oi\) de Deus” (Mt 5.9). Aqui temos uma declaração do mais alto privilégio que poderemos ter: sermos chamados filhos de Deus. Aqueles que promovem a paz se parecem com o seu Filho, Jesus Cristo, o Deus da paz (Jo 14.27; Cl 3.15). Pela graça nos parecemos com Jesus Cristo, o Filho de Deus.

          Esta semelhança não é meramente incidental ou física, antes, faz parte de nossa constituição genética: nascemos de novo por obra do Espírito do Pai e do Filho (Jo 3.3,5; Tt 3.5);[7] temos o Espírito de Deus em nós (Rm 8.9) que nos guia e dá testemunho de nossa filiação (Rm 8.14,16).[8]

          Portanto, é natural que nos pareçamos com Jesus Cristo, o nosso irmão mais velho, o primogênito que possibilitou e efetivou a nossa adoção e se constitui no modelo para o qual devemos caminhar conforme o propósito de Deus (Rm 8.29).[9]

          Jesus Cristo é o modelo de pacificador, sendo Ele mesmo aquele que nos pacificou com Deus, nos conduziu ao Pai (2Co 5.18-19).

          Os filhos de Deus por já usufruírem da paz, podem, de fato, promover a paz. A pregação do Evangelho é o primeiro e mais eficaz meio para fazê-lo. A paz genuína deverá sempre começar pela reconciliação com Deus. Esta mensagem reivindicatória de Deus é confiada exclusivamente aos filhos de Deus.   

Os evangelistas, portanto, são os grandes pacificadores porque levam a mensagem, o evangelho da paz, promovem a reconciliação dos filhos rebeldes com o seu Pai Celestial.

Devemos nos esforçar por viver em paz com o nosso próximo. No entanto, o desejo pela paz nunca deve justificar atos de injustiça ou conivência com o mal. A paz verdadeira só ocorre dentro dos padrões justos, verdadeiros e santos de Deus. “Os únicos verdadeiros pacificadores no mundo são aqueles que levam as pessoas à justiça, aos padrões de Deus”, conclui MacArthur Jr.[10]

Lutero, portanto, estava certo: era impossível conscientemente negar os ensinos das Escrituras: o justo viverá pela fé!

          Paulo escreve aos coríntios:

18 Ora, tudo provém de Deus que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, 19 a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. 20 De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus. (2Co 5.18-20).

          João escreve com ternura: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”(1Jo 3.2).

          Bonhoeffer, comenta com sensibilidade: “Os pacificadores hão de carregar a cruz com seu Senhor, pois foi na cruz que se fez a paz. Estando assim envolvidos na obra pacificadora de Cristo, chamados para a obra do Filho de Deus, por isso serão chamados também eles filhos de Deus”.[11]

4) Obediência

Jesus Cristo diz que aqueles, e somente aqueles, que obedecem ao Pai são seus irmãos, portanto, somente eles são filhos de Deus: “Qualquer que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe” (Mt 12.50).

5) Comunhão integral

A adoção envolve uma mudança relacional com Deus e com o nosso próximo: Somos filhos de Deus e irmãos em Cristo (Hb 2.17).[12] Essa irmandade espiritual traz consigo implicações de amor e serviço.

O conceito de Igreja como família de Deus é muito forte. Paulo se refere à igreja desta forma (Ef 2.19). O tratamento comum entre os crentes envolvia o reconhecimento de sua irmandade. [13] 

    É reveladora a forma como Paulo instrui a Timóteo a respeito do tratamento que deveria conceder à igreja: “Não repreendas ao homem idoso; antes, exorta-o como a pai; aos moços, como a irmãos2 às mulheres idosas, como a mães; às moças, como a irmãs, com toda a pureza” (1Tm5.1-2).[14]

Os filhos de Deus têm obviamente a Deus como Pai, a Jesus Cristo como seu irmão primogênito (Rm 8.29) e, também, a todos aqueles que creem em Cristo, como irmãos na fé.

Os filhos, portanto, na consciência da sua irmandade, procuram sempre a comunhão fraterna na verdade de Cristo, considerando que todos os que creem têm somente um pai: “O que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós igualmente mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo” (1Jo 1.3).

Daí todo o esforço da Igreja em preservar esta unidade fraterna, que é produzida pelo Espírito, mas, que, concomitantemente, é exercitada e desenvolvida por todos nós (Ef 4.3,5,6,11-16).

Maringá, 25 de agosto de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1] Veja-se: A.A. Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 37.

[2] David M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 59-60.

[3] João Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 8.16), p. 279.

[4]João Calvino, Sermões em Efésios, p. 81.  

[5] Veja-se: R.C. Sproul, O Ministério do Espírito Santo, p. 163ss.

[6] João Calvino, Sermões em Efésios, p. 65.

[7] “Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5).

[8] 14 Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. (…) 16 O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.14,16).

[9]“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29).

[10]John MacArthur Jr., O Caminho da Felicidade, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 154.

[11] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 62.

[12] Veja-se: John Frame, Teologia Sistemática,  São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 2, p. 330.

[13] Vejam-se: Mt 12.50. Rm 1.13; 8.12; Rm 16.1; 1Co 1.11; 6.8; 7.15; Fm 1.2; Tg 1.2; 2.15.

[14] Quem me chamou a atenção para este texto foi Grudem. (Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, p. 620).

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