Teologia da Evangelização (10)

2.2. Jesus Cristo por Ele mesmo

        Considerando o que temos visto, nos deparamos agora com algumas questões fundamentais:

O que significa evangelizar?

Quais os pressupostos que a evangelização tem?

Qual o conteúdo da evangelização?

Alguém talvez pudesse responder, usando as palavras empregadas acima, que: “Evangelizar é pregar a Cristo”.

Creio que nenhum autêntico cristão discordaria desta proposição. A questão, que nos parece relevante no caso, é saber, de que Cristo estamos falando: do Cristo revelado nas Escrituras, Divino, Eterno, Senhor, Soberano, igual em poder, honra e glória, ao Pai e ao Espírito Santo?, ou um Cristo, criado pela “fantasia” dos cristãos primitivos, destituído de sua glória, sendo o “produto da fé” dos discípulos?

Em suma: Se queremos pregar a Cristo, devemos “definir” quem é o Cristo que anunciamos ou, em nossa perspectiva, aceitar a definição bíblica do Cristo. A questão de quem é o Cristo que cremos e pregamos permanece. Esta tem sido ao longo da história uma das indagações mais relevantes para a nossa fé.

            A Cristologia se constitui no cerne de toda Teologia Cristã. Sem a centralidade de Cristo não há Evangelho, não há Boa Nova. O Evangelho é precisa e especificamente a apresentação da Pessoa de Cristo, da sua obra e ensinamentos. Por isso é que a Cristologia é o eixo da Teologia Bíblica: uma visão defeituosa da Pessoa e Obra de Cristo, determina a existência de uma eclesiologia distante das Escrituras, adequável a manipulações e interesses estranhos às Escrituras.

            Bavinck acentua com precisão:

A doutrina de Cristo não é o ponto de partida, mas certamente é o ponto central de todo o sistema dogmático. Todos os outros dogmas ou preparam para ela ou são inferidos dela. Nela, que é o coração da dogmática, pulsa toda a vida eticorreligiosa do Cristianismo.[1]

            A consciência deste fato deve nortear o nosso labor Cristológico e, também, servir como referência e ponto de partida teológico. A Pessoa de Cristo, biblicamente compreendida, situa e norteia corretamente todo o nosso labor missionário, litúrgico e existencial, como também restaura a nossa vitalidade evangelística.

            A concepção Reformada não consiste num esforço para atribuir a Cristo valores que julgamos serem próprios dele; antes se ampara no reconhecimento e na aceitação incondicional de suas reivindicações. Assim, aquilo que dizemos de Cristo, permanecerá ou não, conforme seja fiel à proclamação do Verbo de Deus.

            Por isso, a vivacidade da Cristologia Reformada e, por que não, da sua proclamação, estará sempre em sua fidelidade à Cristologia do Cristo. Cristo por Ele mesmo; este é o anelo de toda Cristologia Reformada, e, portanto, o fundamento de toda a nossa proclamação. Deste modo, devemos indagar sempre a respeito de nossas convicções e testemunho, avaliando-os por meio daquele que verdadeira e compreensivelmente diz quem é.

            Neste afã, devemos estar atentos ao fato de que Cristo por Ele mesmo, envolve o limite do que foi revelado e o desafio do que nos foi concedido. Não podemos ultrapassar o revelado, contudo, não podemos nos contentar com menos do que nos foi dado.[2]

            Procurar a Cristologia do Cristo equivale a buscar compreender em submissão ao Espírito tudo o que foi revelado para nós (Dt 29.29b/Rm 15.4). Por certo, este conhecimento não estará restrito ao Cristo Salvador, mas, além disto, nos fala do Cristo Deus-Homem; do Cristo Eterno e Glorioso.

            Aliás, só podemos falar do Cristo Salvador, se Ele de fato for – como é – o Deus encarnado, visto que a nossa redenção não foi levada a efeito pelo Logos divino, nem pelo “Jesus humano”, mas por Jesus Cristo: Deus-Homem.[3]

            Não somos o senhor do Cristo, antes, seus servos. Não pretendamos apresentá-lo com cores da moda, com “tons pastéis”, tão saborosos em determinadas épocas.[4]

A teologia é serva da Escritura. Somente assim ela poderá ser relevante à Igreja e a toda a humanidade na apresentação do Cristo conforme é-nos dado conhecer nas Escrituras. O nosso testemunho, ainda que relevante, é submisso; está subordinado ao testemunho dos profetas e apóstolos.[5] Não há relevância na especulação ou na criação do Cristo à imagem da cultura que nos circunda.

            Parece-nos oportuno, lembrar a advertência de Calvino (1509-1564):

Devemos precaver-nos para que, cedendo ao desejo de adequar Cristo às nossas próprias invenções, não o mudemos tanto (como fazem os papistas), que ele se torne dessemelhante de si próprio. Não nos é permitido inventar tudo ao sabor de nossos gostos pessoais, senão que pertence exclusivamente a Deus instruir-nos segundo o modelo que te foi mostrado [Ex 25.40].[6]

            No decorrer de nosso estudo, pretendemos responder às questões levantadas acima, bem como a outras que nos pareçam pertinentes.

Maringá, 16 de julho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: O pecado e a salvação em Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 279. Veja-se: Wolfhart Pannenberg, Fundamentos de Cristologia, Barcelona: Ediciones Sígueme, 1973, p. 27-28. Após redigir primariamente estas linhas, li o conhecido teólogo luterano Braaten, que diz: “Cristologia é a doutrina da Igreja acerca da pessoa de Jesus como o Cristo. Ela sempre ocupa lugar central num sistema dogmático que reivindica ser cristão. Toda tentativa de remover a cristologia de seu lugar central ameaça o cerne da fé cristã. O princípio cristocêntrico da teologia não rivaliza com um ponto de vista teocêntrico. Quem quer que olhe para Jesus, o Cristo, a partir da perspectiva do Novo Testamento, estará inevitavelmente situado dentro de um quadro de referência teocêntrico. Quanto mais profundamente a teologia sonda o significado de Jesus como o Cristo de Deus, tanto mais diretamente é levada ao próprio Deus de Cristo (…).

            “A dogmática cristã é cristocêntrica na medida em que nenhuma doutrina pode ser chamada de cristã se não contém uma conexão significativa com a revelação definitiva de Deus na pessoa de Jesus, o Cristo”(Carl E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten; Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1990, v. 1, p. 459). Do mesmo modo, Erickson: “Quando passamos a estudar a pessoa e a obra de Cristo, estamos bem no centro da teologia cristã” (Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 275).

[2]Vejam-se: João Calvino, As Institutas, I.13.21; III.21.4; João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.8.1), p. 38; João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Edições Paracletos, 1995 (2Co 12.4), p. 242-243; João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 330; João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.33), p. 426-427.

[3] Veja-se: J. Calvino, As Institutas,São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985, II.14.3.

[4]“A essa altura, o evangelicalismo é fortemente contracultural, defendendo o direito fundamental do cristianismo de ser dominado por Cristo, em vez de dominá-lo à luz dos costumes sociais transitórios contemporâneos” (Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 30).

[5]Esta mesma linha de pensamento pode ser encontrada em Stott. Veja-se: John R.W. Stott, A Missão Cristã no Mundo Moderno, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 58-59.

[6]João Calvino,Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 8.5), p. 209.

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