Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (25)

Reinado intelectual

Uma tentação comum a todos nós é criar um dualismo entre a fé e a nossa forma de ver e atuar no mundo. É como se nossos sentimentos fossem sinceramente entregues a Deus, mas, a nossa mente em toda a sua racionalidade supostamente autônoma, me pertencesse, excluindo Deus de cena. Assim, criamos em nossa vida privada um muro de contenção onde Deus não pode passar nem a sua Palavra ser ouvida. Por trás dessa bem elaborada dicotomia, há um tipo de fé que seu proponente nem desconfia. É impossível caminhar sem fé.[1]

O reinado de Cristo envolve toda a Criação, todos os poderes e todas as áreas de nossa existência. Deus é Deus, por isso, somente Ele tem todo o poder. Somente Ele é Deus! Ele reina sobre todas as coisas e sobre cada coisa em particular.

            Por isso mesmo, o seu reinando tem também um sentido intelectual: levar todo pensamento à obediência de Cristo, como escreve o apóstolo Paulo:

3Porque, embora andando na carne, não militamos segundo a carne. 4 Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas 5 e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo (2Co 10.3-5).

Paulo sabendo da astúcia de Satanás e da fragilidade espiritual dos coríntios, instrui aos coríntios uma vez que eles davam crédito aos falsos apóstolos que, usados por Satanás, os afastavam da simplicidade do evangelho:

Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia (panourgi/a[2] = “ardil”, “truque”, “maquinação”, “trapaça”), assim também sejam corrompidas as vossas mentes (no/hma), e se apartem da simplicidade e pureza devidas a Cristo. (2Co 11.3).

Esta é uma forma sistemática de Satanás atuar, obscurecendo a mente (no/hma) dos homens.

Satanás pensou por Eva e Eva, como não se deteve na Palavra de Deus, posteriormente, pensou pensar por si, mas refletiu o pensamento de Satanás que pensa e age de modo contrário a Deus.

Paulo após falar dos desígnios (no/hma)[3] de Satanás (2Co 2.11) – indicando a ideia de que ele tem metas definidas, estratégias elaboradas, um programa de ação com variedades de técnicas e opções a serem aplicadas conforme as circunstâncias[4] – diz que “O deus deste século cegou os entendimentos (no/hma) dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.4).

Vivemos em uma atmosfera contrária à fé cristã, uma má vontade para com a verdade, uma estrutura de pensamento totalmente secularizada onde não há lugar para Deus, valores e conceitos transcendentes e objetivos. O pecado afeta a totalidade do homem, inclusive o seu intelecto.[5] Assim, criamos um universo de valor privado onde a verdade é de cada um dentro dos significados subjetivos circunstanciais.

Veith diz que, “normalmente, não são os argumentos específicos contra o Cristianismo que perturbam a fé de uma pessoa, mas toda a atmosfera do pensamento contemporâneo”.[6]

O clima intelectual de uma época é sempre fortemente influenciador de nossa estrutura de pensamento e, portanto, de nossas prioridades e valores. A força deste “clima” talvez repouse sobre a sua configuração óbvia e normativa com que ele se apresenta à nossa mente. É quase impossível ter a percepção de algo que nos conduz – como também a nossos parceiros de entendimento – de forma tão suave. Por isso, o simples – ainda que não seja tão simples assim – fato de podermos pensar com clareza, sem estes condicionantes, é uma bênção inestimável de Deus.[7] “O pecado é anti-intelectual”, conclui Veith, Jr.[8]

Maringá, 20 de setembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A fé como boa obra e a boa obra da fé, Goiânia: Cruz, 2019, p. 13-18.

[2] Ocorre 5 vezes no NT.: Lc 20.23; 1Co 3.19; 2Co 4.2; 11.3; Ef 4.14.

[3]A palavra traduzida por “desígnio” (no/hma) ocorre cinco vezes no NT., sendo utilizada apenas por Paulo: 2Co 2.11; 3.14; 4.4; 10.5; 11.3; Fp 4.7, tendo o sentido de “plano” (Platão, Político, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 3), 1972, 260d), “intenção maligna”, “intrigas”, “ardis”. Com exceção de Fp 4.7, a palavra sempre é usada negativamente no NT. No/hma é o resultado da atividade do nou=j (mente). (J. Behm; E. Wurthwein, noe/w, etc.: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 4, p. 960). “É a faculdade geral do juízo, que pode tomar decisões e pronunciar certos ou errados os vereditos, conforme as influências às quais têm sido expostas” (J. Goetzmann, Razão: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 4, p. 32).

[4] “Satanás não tem propósitos construtivos; suas táticas são simplesmente para contrariar a Deus e destruir os homens” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus,São José dos Campos, SP. Fiel, 1994, p. 82-83).

[5]“O diabo de tal maneira enfeitiça as mentes dos homens que eles se apegam obstinadamente aos erros que em tempos passados assimilaram” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.2-7), p. 193). Calvino também observa que os “incrédulos se encontram tão intoxicados por Satanás, que, em seu estupor, não têm consciência de sua miséria” (J. Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.26), p. 247).

[6]Gene Edward Veith, Jr., De todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 49.

[7]Ver: John MacArthur Jr., Abaixo a ansiedade,São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 32.

[8]Gene Edward Veith, Jr., De todo o teu entendimento, p. 72.

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