A Pessoa e Obra do Espírito Santo (86)

2) O sentido de justiça

“Toda  Escritura  é  inspirada  por Deus e útil para (…) a educação (paidei/a) na justiça  (dikaiosu/nh) (2Tm 3.16).

    Temos  visto  que  a palavra “Educação” (paide/ia) significa “educação  das crianças”, e tem o sentido de treinamento, instrução,  disciplina,  ensino,  exercício.  Vimos também que o ideal de  Deus  para  a nossa formação é nos fazer “sábios”. 

    Ser sábio conforme  a  sabedoria de Deus é o mesmo que ser educado na justiça  (2Tm 3.16). Ou, como disse Calvino (1509-1564): “instrução na  justiça  significa instrução numa vida piedosa e santa”.[1]

    Paulo nos diz que a Escritura é útil para o nosso treinamento na  justiça.   Aqui algumas perguntas se configuram como de suma importância  para  a continuação de nosso estudo:   O que significa  justiça?  Qual o sentido da palavra empregada por Paulo? E, qual o sentido bíblico desta justiça?

                             a) O significado da palavra justiça

                                      1) Na literatura secular

                                                       Analisando o substantivo dikaiosu/nh dentro do seu emprego secular, observamos que ele significava, originalmente, uma atribuição concedida por Zeus (deus grego) aos homens que, diferentemente dos animais, fora conferida a capacidade de agir justamente a fim de viverem em sociedade. A palavra adquiriu outros sentidos com o passar do tempo, logo, justiça passa a ser:

          1) A estrutura do Estado, que visa o acordo e a amizade. Para Platão (427-347 a.C.), a dikaiosu/nh é fundamental ao Estado e à alma humana.[2] Ainda que nesta existência a vida dos justos nem sempre seja tranquila, aqui e no além os deuses se lembrarão deles.[3]

          2) A principal das virtudes humanas, que se manifesta também, na obediência às leis do Estado. Esta virtude é útil na paz e na guerra.[4]

                    A palavra também passou a significar a qualidade do homem justo, que se harmonizava com os padrões de sua sociedade, cumprindo suas obrigações para com os deuses e para com os homens. Sendo este homem “di/kaioj”, isto é: “justo”, “reto”. Esta concepção traz de volta a questão da educação. Dentro da perspectiva grega, a educação na justiça significa preparar o homem para que se harmonize com os valores da sua época, do seu povo, da sua cultura.[5]

                             b) No sentido bíblico

                                                                                         Quando tratei sobre Deus como juiz, desenvolvi esse assunto, demonstrando que a justiça é inerente ao conceito de Deus no Antigo Testamento, e que deve permear todas as relações humanas.  

          Vimos que Deus é o próprio padrão de justiça: “Deus é fidelidade, e não há nele injustiça: é reto e justo (qyDIc;) (tsadiyq)(Dt 32.4). Justo (qyDIc;) (tsadiyq) é o Senhor em todos os seus caminhos, benigno em todas as suas obras” (Sl 145.17).

           Assim sendo, agir com justiça significa harmonizar o nosso comportamento com a Palavra de Deus, aplicar os princípios revelados por Deus em cada relação e circunstância. O ponto de partida será sempre o Deus soberano que se revela. Desse modo, como afirma Leitch, “o centro de referência na teologia bíblica para a questão da justiça é, em primeiro lugar, a justiça de Deus”.[6]

          Desse modo, o nosso “treinamento na justiça” indica a nossa busca por um comportamento semelhante ao modelo de Deus. A educação que Deus nos dá por meio de sua Palavra visa o nosso envolvimento, o nosso compromisso com os seus preceitos.    

Maringá, 14 de janeiro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]J. Calvino,  As Pastorais, (2Tm 3.16), p. 264. 

[2]Platão, A República, 369a; 443ass; Fédon, 82a-b. Em Demócrito a “justiça” tem um sentido ético, sendo melhor sofrer a “injustiça” do que praticá-la (Vejam-se: Frags. 45, 174). Da mesma forma entende Platão (Górgias, 489a-b). Quanto ao emprego desta palavra na literatura grega, vejam-se: G. Schrenk, dikaiosu/nh, etc: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament,v. 2, p. 192-195; H. Seebass, Justiça: In: Colin Brown, ed. ger.O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 526-528; F.E. Peters, Termos Filosóficos Gregos: Um léxico histórico, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [1983], p. 53-55.

[3]Platão, A República, 613a-b. Quanto à posição dos Sofistas, vejam-se: Platão, Górgias, 483a-484a; Platão, A República, 338c.

[4]Aristóteles, Ética à Nicômaco, V.I. 1129 b 11; Arte Retórica, I.9.7.

[5] Veja-se uma discussão sobre isso em: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 270-274.

[6]A.H. Leitch, Justiça: In: M.C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008., v. 3, p. 807.

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