A Pessoa e Obra do Espírito Santo (43)

    B. Incomparável e insondável

O teólogo Saucy (1930-2015), esclarecendo por que não podemos apresentar uma “definição rigorosa da ideia de Deus”, lança luz sobre o conceito de definição: “Definir, que significa limitar, envolve a inclusão do objeto dentro de certa classe ou proposição universal conhecida e a indicação dos seus aspectos distintivos comparados com outros objetos daquela mesma classe”.[1]

     O princípio que deve orientar a definição, é primar pela essência, não pelos “acidentes” que normalmente são efêmeros e não indicam as qualidades intrínsecas do ser.

     Se Aristóteles (384-322 a.C.) estiver correto, como creio que esteja, ao dizer que “uma definição é uma frase que significa a essência de uma coisa”,[2] de fato, não podemos definir Deus. Ele, como falaremos mais à frente, é só essência, não existindo acidente, e a sua essência é inesgotável, não apenas no aspecto fenomenológico, mas, também, no que é em si. O fenômeno não esgota a essência e, nesse caso, de modo especial, o fenômeno é grandioso e a nossa percepção se revela limitadíssima até mesmo em relação a ele. (Jó 26.14).[3]

     Portanto, Deus não pode ser definido nem comparado. As comparações bíblicas são formas humanas concedidas pelo próprio Deus Criador, a fim de que possamos ter um conhecimento adequado de sua natureza.[4] As nossas analogias podem se tornar extremamente perigosas porque são factíveis de erros, distorções e esvaziamento da plenitude do revelado. Parece-me um bom princípio ater-nos às figuras que o próprio Senhor usou em sua Palavra e, mesmo assim, dentro do seu propósito estrito. Fora disso, é caminhar por uma trilha muito escorregadia e arriscada por pura imaturidade ou leviana vaidade.[5]

     A Escritura reconhece que Deus não tem comparação nem pode ser sondado. Ele é incomparável e insondável.

     Não há com que ou com quem comparar Deus. Ele está muito além de nossas referências. A sua grandeza é inexaminável e indecifrável. Não temos parâmetros para decifrá-la ainda que de forma aproximada.[6] Assim se expressaram os salmistas:

Grande (lAdG”) (gadol) é o SENHOR e mui digno de ser louvado; a sua grandeza (hL’WdG>) (gedullah) é insondável (rq,xe !yIa;) (ayin cheqer). (Sl 145.3).

Ó SENHOR, Deus dos Exércitos, quem é poderoso como tu és, SENHOR, com a tua fidelidade ao redor de ti?! (Sl 89.8).

Com efeito, eu sei que o SENHOR é grande e que o nosso Deus está acima de todos os deuses. (Sl 135.5).

Todos os meus ossos dirão: SENHOR, quem contigo se assemelha? (Sl 35.10).

Ora, a tua justiça, ó Deus, se eleva até aos céus. Grandes coisas tens feito, ó Deus; quem é semelhante a ti? (Sl 71.19).

Tentação de esquadrinhar Deus

     Considerando o que disse Salomão – “A glória de Deus é encobrir as coisas, mas a glória dos reis é esquadrinhá-las (rq;x’) (chaqar) (= sondar, investigar, pesquisar) (Pv 25.2) -, devemos nos precaver de  uma tentação na qual podemos incorrer: especular sobre o ser de Deus e seus atos, perdendo a dimensão de que o nosso conhecimento é de servo, limitado e fraccionado, dependendo essencialmente da revelação (Is 40.28).[7]

Desejo de anunciar os feitos de Deus

     Ao contrário dessa tentação, o salmista oferece-nos um caminho a seguir: anunciar os feitos de Deus ainda que não tenhamos, naturalmente, a compreensão de todos eles:

São muitas, SENHOR, Deus meu, as maravilhas que tens operado e também os teus desígnios para conosco; ninguém há que se possa igualar contigo. Eu quisera anunciá-los e deles falar, mas são mais do que se pode contar. (Sl 40.5).

Tu me tens ensinado, ó Deus, desde a minha mocidade; e até agora tenho anunciado as tuas maravilhas (al’P’) (pala). (Sl 71.17).

     Todo o nosso conhecimento de Deus deve nos conduzir à adoração e  à glorificação do seu nome por meio de nossa obediência humilde e sincera.

     Como escreveu Calvino de forma sensivelmente bíblica:

Pois, como haja a mente humana, que ainda não pode estatuir ao certo de que natureza seja a massa do sol, que entretanto se vê diariamente com os olhos, de reduzir à sua parca medida a imensurável essência de Deus? Muito pelo contrário, como haja de, por sua própria operação, penetrar até a substância de Deus, a fim de perscrutá-la, ela que não alcança nem ao menos a sua própria? Por cuja razão, de bom grado deixemos a Deus o conhecimento de si  mesmo, pois, além de tudo, como o diz Hilário, ele próprio, que não foi conhecido, a não ser por si mesmo, é de si mesmo a única testemunha idônea.  Ora, deixaremos com ele o que lhe compete se o concebermos tal como ele se nos manifesta; e só poderemos inteirar-nos disto por intermédio de sua Palavra. (…) Pelo mui infeliz resultado de qual temeridade nos importa ser advertidos, para que tenhamos o cuidado de aplicar-nos a esta questão com docilidade mais do que com sutileza, não inculcamos no espírito ou investigar a Deus em qualquer outra parte que não seja em sua Sagrada Palavra, ou a seu respeito pensar qualquer coisa, a não ser que sua Palavra lhe tome a dianteira, ou falar algo que não seja tomado dessa mesma Palavra.[8]

     Com tal espírito, continuemos nossos apontamentos.

                                               C. Magnífico

                                           A partir da Criação, conforme o propósito de Deus, podemos ver aspectos do grandioso poder do Deus Criador. Davi expressa essa realidade denominando-a de magnífica:

Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico (ryDIa;) (addir) (majestoso, poderoso, grandioso) em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua majestade. (…) Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico (ryDIa;) (addir) em toda a terra é o teu nome! (Sl 8.1,9).

Maringá, 09 de novembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] R.L. Saucy, Doutrina de Deus: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã,São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 440. Sobre a importância das definições no âmbito geral, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à Metodologia das Ciências Teológicas, Goiânia: Cruz, 2015, p. 63-65.

[2]Aristóteles, Tópicos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4), 1973, I.5. p. 13.

[3]“Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos! Que leve sussurro temos ouvido dele! Mas o trovão do seu poder, quem o entenderá?” (Jó 26.14).

[4] Vejam as pertinentes observações de Frame  (John M. Frame,  A doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 166ss.).

[5] Achei oportuna a colocação de Horton que li após ter escrito esse parágrafo: “Não é simplesmente que Deus possua mais ser, conhecimento, poder, amor e justiça, mas que Deus transcende toda a comparação conosco – até mesmo aquelas que ele revela nas Escrituras” (Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 47). Veja-se também à frente o tratamento de Horton mais detalhado do assunto, p. 59-63.

[6] “Quando chegamos a conhecer Deus, ficamos temerosos, esmagados; vemos nele uma grandeza que torna como anões todos os outros objetos de conhecimento, reais ou potenciais” (John M. Frame,  A doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 166).

[7]“Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos fins da terra, nem se cansa, nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar (rq;x’) (chaqar) o seu entendimento” (Is 40.28).

[8]João Calvino, As Institutas, (2006), I.13.21.

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