A Pessoa e Obra do Espírito Santo (371)

6.4.9. O Espírito dirige a igreja

6.4.9.1. Na Evangelização, mesmo em meio às perseguições

Toda a ira contra Deus e sua Palavra recairá sobre os discípulos, e, com ele, serão rejeitados. A cruz está à vista. Cristo, os discípulos, a multidão – esses três elementos já constituem o quadro completo da Paixão de Cristo e de sua Igreja. ‒ Dietrich Bonhoeffer.[1] 

Aqueles que desejam evitar perseguições devem renunciar a Cristo ‒ João Calvino.[2]

São as pessoas abençoadas por Cristo que o mundo amaldiçoa. ‒ John MacArthur Jr.[3]

Jesus Cristo, no primeiro sermão ou série de sermões proferidos às multidões, fala de perseguição e sofrimento. Ele não apresenta um caminho colorido, repleto de falsas esperanças, antes, nos adverte que se quisermos seguir os seus ensinamentos devemos estar preparados para ser caluniados, difamados e perseguidos.[4] De pacificador passamos a perseguidos. A paz proposta pelo Senhor envolve a fome e sede de justiça. Esta paz não costuma ser bem-vinda. Por isso a perseguição.

          Aliás, isto não seria nenhuma novidade àqueles que tivessem como projeto de vida a fidelidade a Deus: “Pois assim perseguiram (diw/kw) aos profetas que viveram antes de vós” (Mt 5.10).

          Mais tarde Estevão faria publicamente esta acusação aos judeus indicando a situação de frequente perseguição imposta aos profetas de Deus: “Qual dos profetas vossos pais não perseguiram (diw/kw)? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do qual vós agora vos tornastes traidores e assassinos” (At 7.52).

          Juntamente com os princípios orientadores e identificadores dos cristãos, há promessas e, também, a descrição, ainda que sumária, das consequências da adoção desta ética do Reino.[5]

          Os cristãos são diferentes e, por isso mesmo, devem saber que lhes esperam perseguições. O cristianismo não nos propõe a ser uma versão melhorada do velho homem, antes, há uma transformação total, um nascer de novo. Por isso o conflito de essência, consequentemente, de valores, perspectivas e comportamento.[6] Podemos fazer e eco a Rookmaaker (1922-1977): “É difícil para qualquer cristão viver em um mundo pós-cristão”.[7]

          As perseguições, portanto, conforme o ensino de Jesus Cristo, não seriam causadas por alguma idiossincrasia dos fiéis, antes, pelo seu desejo de se assemelhar a Cristo, o alvo final do cristão. A fome e sede de justiça que deve caracterizar o cidadão do reino é totalmente odiosa e, no mínimo, incômoda ao mundo. É impossível viver coerentemente no mundo sem revelar a nossa verdadeira identidade.

          Pela graça, somos o que somos: cidadãos do Reino. Somos, em muitos sentidos, estranhos neste mundo. Esta estranheza causada, não deve ser buscada, antes, se manifestará de forma natural conforme assumimos coerentemente os valores do reino. Stott (1921-2011) afirma corretamente: “A perseguição é simplesmente o conflito entre dois sistemas de valores irreconciliáveis”.[8]

          Curiosamente, ao aproximar-se o final do seu ministério terreno, às vésperas da sua autoentrega, Jesus se despede de seus discípulos falando do Consolador e, também, das tribulações pelas quais passariam (Jo 13-16). Há aqui uma transição muito importante e significativa: o Senhor após falar de seu sofrimento, considera-o como algo vencido – o que deve servir de estímulo aos discípulos: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33).[9]

          A cruz ‒ ainda incompreensível e inimaginável aos discípulos ‒ símbolo de vergonha, humilhação, dor e aparente derrota, faz parte essencial de sua vitória. Aliás, todo o seu ministério, envolvendo o seu nascimento, ressurreição, ascensão e retorno glorioso, encontra o seu sentido na cruz. Notemos, então, que a cruz não pode ser apenas um enfeite ou ornamento, antes, nos fala do pecado humano, da justiça, da santidade e do amor de Deus.[10] Sem a cruz de Cristo não há Evangelho, nem fé, e, portanto, pregação.

          Os discípulos de Cristo não devem se enganar. Por isso, o Senhor longe de lhes alimentar expectativas materiais, glórias terrenas acompanhadas de holofotes de fama, diz:

10Bem-aventurados os perseguidos (diw/kw) por causa da justiça (dikaiosu/nh), porque deles é o reino dos céus. 11Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem (o)neidi/zw), e vos perseguirem (diw/kw), e, mentindo (yeu/domai), disserem todo mal (ponhro/j) contra vós. 12 Regozijai-vos (xai/rw)[11] e exultai (a)gallia/w), porque é grande o vosso galardão (misqo/j) nos céus; pois assim perseguiram (diw/kw) aos profetas que viveram antes de vós. (Mt 5.10-12).

Maringá, 08 de janeiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 56-57.

[2] João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 3.12), p. 257.

[3] John MacArthur Jr., O Caminho da Felicidade, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 178.

[4] Barclay destaca esta característica do Senhor denominando-a de “absoluta honradez” (William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, v. 1, (Mt 5.10-12), p. 120).

[5]“Tão pronto um crente mostre sinais de zelo por Deus, a ira de todos os ímpios se acende e, mesmo que não tenham suas espadas desembainhadas, arrojam seu veneno, ou criticando, ou caluniando, ou provocando distúrbio de um ou de outro modo. Portanto, ainda que não sofram os mesmos ataques e não se envolvam nas mesmas batalhas, eles têm uma só guerra em comum e jamais viverão totalmente em paz nem isentos de perseguições” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 3.12), p. 258).

[6]“O crente não é alguém parecido com todo mundo, apenas com leves modificações. Mas é alguém essencialmente diferente; possui uma natureza diferente, e é uma pessoa diferente” (David M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: Editora Fiel, 1984, p. 129). Vejam-se também: David M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, p. 88,89; D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 27; D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 25; D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 14.

[7]H.R. Rookmaaker, A Arte não precisa de justificativa, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, introdução, p. 9.

[8]John R.W. Stott, A Mensagem do Sermão do Monte, 3. ed. São Paulo: ABU, 1985, p. 43.

[9] Veja-se Hermisten M.P. Costa, A Tua Palavra é a Verdade, Brasília, DF.: Monergismo, 2010.

[10] “A justiça e o amor se encontraram e se abraçaram. Os santos atributos de Deus são glorificados juntamente na morte do Filho de Deus na cruz” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 222).

[11] O verbo está no imperfeito, xai/rete, indicando uma ação incompleta visto que ainda está em processo de realização com vistas ao seu objetivo final. Neste caso, a alegria recomendada deve ser contínua.

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