A Pessoa e Obra do Espírito Santo (137)
7.2. A riqueza da sua graça que se manifesta em obra (Ef 1.7)
Conforme vimos quando tratamos da Pessoa de Cristo, Ele é a graça em pessoa. A expressão perfeita e completa da graça e da verdade (Jo 1.17; 14.6). Ele é a causa, o conteúdo e a manifestação da graça de Deus. Falar de Cristo é falar do Deus da graça.
Os profetas do Antigo Testamento falavam de uma salvação futura pela graça (1Pe 1.10). [1] Jesus Cristo, a graça de Deus encarnada, veio na plenitude do tempo (Gl 4.4) [2], na plenitude da graça (2Tm 1.9 [3] /Jo 1.16; 1Co 1.4; Ef 1.6,7; 2Tm 2.1). A autoentrega de Jesus pelos pecados dos pecadores eleitos foi um dom da graça que fora profetizada (1Pe 1.10-11/Rm 5.15; Hb 2.9). A pobreza assumida por Cristo revela a riqueza da Sua graça (2Co 8.9) [4]; por isso, Ele, somente Ele nos dá acesso à graça (Hb 4.14-16), convidando-nos: “Vinde a mim” (Mt 11.28).
Jesus Cristo se encarnou a fim de que Deus pudesse ser justo, e ao mesmo tempo o justificador daqueles que confiam nele para salvação (Rm 3.26) [5]. Portanto, para nós que cremos, Ele se tornou justiça, santificação e redenção (1Co 1.30) [6].
Calvino, considerando o pecado humano e a nossa total inimizade para com Deus, resume a ação reconciliadora de Deus por meio de Jesus Cristo:
Visto que todo homem é indigno de se dirigir a Deus e de se apresentar diante de Sua face, a fim de nos livrar da vergonha que sentimos ou que deveríamos sentir, o Pai celeste nos deu Seu Filho, o nosso Senhor Jesus Cristo, para ser o nosso Mediador e Advogado para com Ele, para que, por meio dele, pudéssemos aproximar-nos livremente dele (1Tm 2.5; 1Jo 2.1; Hb 8.6 e 9.15). Com isso nos certificamos de que, tendo tal Intercessor, o qual não pode ser recusado pelo Pai, também nada nos será negado de tudo o que pedirmos em Seu nome (Hb 4.14-16). Seguros também de que o trono de Deus não é somente trono de majestade, mas também de Sua graça, podendo nós comparecer perante ele com toda a confiança e ousadia, em nome do Mediador e Intercessor, para rogar misericórdia e encontrar graça e ajuda, em toda necessidade que tivermos. [7]
A graça de Deus não é barata [8]. Nós muitas vezes nos comportamos como filhos que, amados e agraciados com presentes de seus pais, se esquecem de que se aquilo que ganhamos foi “fácil”, “generoso”, sem mérito algum de nossa parte, custou muitas vezes um alto preço para os pais: privação de adquirir outro bem para si, filas, crediários, juros, economias, etc.
A graça de Deus tem outro lado, que com frequência nos esquecemos: a obra sacrificial de Cristo. É um erro lamentável julgar toda a verdade considerando apenas a parte que nos compete do todo.
A graça de Deus se evidencia nas obras da Trindade. A manifestação da graça é resultado da graça eterna de Deus que se historiciza em obras [9]. A nossa salvação, portanto, é caríssima; de um preço incalculável para nós. Custou o precioso sangue de Cristo (1Pe 1.18-20/At 20.28; 1Co 6.20).
Isso longe de apontar para o suposto valor inerente de nossas almas, revela o amor gracioso de Deus que confere valor a nós. Jesus Cristo não se entregou por um povo valoroso, antes, se entregou por nós a fim de constituir seu povo peculiar, a sua igreja, na qual Ele opera eficazmente nos conduzindo à santidade até à gloriosa consumação de sua obra em poder e graça (Jd 24).
Maringá, 19 de março de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] “Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada” (1Pe 1.10).
[2] “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4).
[3] “Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9).
[4] “Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).
[5] “Tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26).
[6] “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1Co 1.30).
[7]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 101-102.
[8]Posteriormente li MacArthur comentando a respeito da expressão “graça barata” (Veja-se: John MacArthur, O Evangelho Segundo os Apóstolos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2011, p. 68-90). Dentro de uma perspectiva complementar, escreveu Bonhoeffer (1906-1945): “A graça barata é inimiga mortal de nossa igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa. Graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento malbaratado; é graça como inesgotável tesouro da Igreja, distribuído diariamente com mãos prontas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem custo. (…) A graça barata é, por isso, uma negação da Palavra viva de Deus, negação da encarnação do Verbo de Deus. (…) A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus vivo, encarnado” (D. Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 9-10). Do mesmo modo: “A graça de Deus não é graça barata; ela custa tudo que somos e que temos” (Helmut Thielicke, Mosaico de Deus, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1968, p. 72). “Onde o pecado não é encarado como pecado, a graça não pode ser graça. Que necessidade de expiação poderiam ter homens e mulheres quando lhes é dito que o seu problema mais profundo é algo menos do que aquilo que a Bíblia ensina explicitamente? O ensino fraco sobre o pecado leva à graça barata e não conduz ao evangelho” (Albert Mohler Jr., O desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 32).
[9]Abraham Booth (1734-1806) escrevendo sobre este assunto, assim se expressou:
“A graça de Deus está fundamentada na obediência perfeita e meritória de Cristo” (A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 15).
“Ainda que este perdão seja gratuito para os pecadores, nunca devemos nos esquecer de que Cristo pagou um alto preço por ele. Perdão para a menor das nossas ofensas só se tornou possível porque Cristo cumpriu as mais aflitivas condições – Sua encarnação, Sua perfeita obediência à lei divina e Sua morte na cruz. O perdão que é absolutamente gratuito ao pecador teve um alto custo para o Salvador” (A. Booth, Somente pela Graça, p. 31. Veja-se: J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, p. 121).
“A graça de Deus vem a nós não porque Deus revela o fato da Sua lei ser quebrada por nós, mas porque a Sua lei foi plenamente satisfeita pelos atos de justiça que Cristo fez a nosso favor. (…) Ele cumpriu perfeitamente a lei de Deus” (A. Booth, Somente pela Graça, p. 56-57).
Calvino, de modo semelhante já enfatizara: “…. Nós dizemos que [a Redenção] é gratuita para nós, mas não para Cristo, a quem custou altíssimo preço, uma vez que Ele pagou o resgate com o seu santo e precioso sangue, porque não existe nenhum outro preço que possa satisfazer à justiça de Deus” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.6), p. 237).