A Pessoa e Obra do Espírito Santo (36)

   6.1.6. O Deus que se revela fidedignamente  

“Na medida em que as ciências se aproximam do centro e deixam de ser meramente formais, a subjetividade e a personalidade do investigador desempenham um papel maior. É totalmente fútil silenciar a subjetividade, negar à fé, às convicções morais e religiosas, à metafísica e à filosofia sua influência sobre o estudo científico. Quem tenta fazer isso nunca terá sucesso, porque o estudioso nunca pode ser separado do ser humano. Portanto, é muito melhor perceber que o investigador científico pode ser, tanto quanto possível, um ser humano normal, de tal maneira que ele não traga falsas pressuposições para sua obra, mas seja um homem de Deus plenamente equipado para toda boa obra. Para esse fim o conhecimento que Deus revelou de si mesmo em sua palavra é útil: ele não esconde, mas favorece o estudo e a pesquisa científica. Seja qual for o mau uso que tenha sido feito ou que possa ser feito disso, a declaração continua sendo verdadeira: “A piedade para tudo é proveitosa (1Tm 4.8). – Herman Bavinck.[1]

                        As nossas pressuposições nos acompanham sempre ainda que nem sempre de modo consciente. Elas são construções que consideramos bem fundamentadas que nos ajudam a ver e a interpretar melhor a realidade. Seria fascinante se pudéssemos perceber criticamente sem depender delas, no entanto, isso pode ser a pressuposição mais perigosa de todas: de que conhecemos a realidade em sua complexidade de forma imediata, sem pressuposições.

            Nash (1906-2006) de forma serena faz um comentário pertinente:

Óculos corretos são capazes de pôr o mundo em foco mais claro – e a cosmovisão correta pode funcionar de um modo muito parecido. Quando alguém olha o mundo pela perspectiva da cosmovisão errada, o mundo não faz sentido. Ou o que a pessoa pensa fazer sentido estará, na verdade, errado em aspectos importantes. Aplicar o esquema conceitual correto, isto é, ver o mundo através da cosmovisão correta, pode ter repercussões importantes para o resto da compreensão da pessoa de acontecimentos e ideias.[2] 

            A validade de nossa cosmovisão deve ser considerada a partir de sua capacidade de iluminar a realidade oferecendo-nos uma perspectiva abrangente e significativamente coerente.[3] No entanto, as nossas pressuposições devem sempre ser avaliadas à luz das Escrituras, afinal, como escreveu Calvino, “A mente humana é passível de vaidade. Entretanto, quando o diabo acende o fogo, vemos eruditos e ignorantes arrebatados por ele”.[4]

            Alguns dos pressupostos fundamentais da fé cristã, de sua ontologia e epistemologia, é a convicção de que Deus existe, é um ser pessoal (não apenas uma causa não-causada, ou movente imóvel), se revela de forma verdadeira e acessível e, temos nas Escrituras o registro dessa verdadeira revelação à qual o próprio Espírito de Deus nos guia em sua compreensão, nos conduzindo a um relacionamento pessoal com o Deus Triúno.[5]

            Não conhecemos a essência de Deus em sua completude,  porém, podemos conhecê-la à medida que Ele se revela, visto que a sua revelação “desvela” facetas de sua natureza eterna, tais como, bondade, justiça, santidade, graça, amor, etc.[6]

            O nosso Deus é grandioso e incomparável; seus pensamentos são inatingíveis e insondáveis;[7] é o Rei da glória.[8] Um dos fundamentos da doutrina cristã é a certeza de que cremos em um Deus soberano,[9]  Todo-Poderoso[10] que nos ama e se dá a conhecer pessoalmente a nós. Sem a revelação de Deus seria impossível crer ou falar de Deus. No entanto, nós podemos conhecê-lo genuína e pessoalmente: Conhecido ([d;y”) (yada’)[11]é Deus em Judá; grande (lAdG”) (gadol), o seu nome em Israel” (Sl 76.1).

            O Senhor em sua Palavra, além de nos revelar facetas sublimes de sua natureza, nos dá a conhecer aspectos de seu propósito eterno, que envolve o seu amor que antecede à nossa criação, o seu cuidado para conosco nos instruindo como devemos viver, a correção quando nos desviamos, e a garantia final de nossa salvação futura já assegurada.

            Aqui vemos uma diferença bastante significativa entre a narrativa/concepção bíblica e toda filosofia antiga. A diferença ontológica está no fato de que Deus se distingue da matéria criada. Ele, somente Ele,  é necessário, essencial, eterno e absoluto; de nada precisa. Toda a criação não é necessária nem se sustenta; é contingente.

Maringá, 02 de novembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 43.

[2] Ronald H.  Nash, Cosmovisões em Conflito: escolhendo o Cristianismo em um mundo de ideias,  Brasília, DF.: Monergismo, 2012, p. 27.

[3] Veja-se: Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 162.

[4]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn  3.2-7), p. 186. “Satanás labora muito mais do que imaginamos para banir de nossas mentes, por todos os meios possíveis, a fé na sã doutrina; e visto que nem sempre é fácil fazer  isso através de um franco ataque à nossa fé, ele se arma contra nós secretamente e pelo uso de métodos indiretos e a fim de destruir a credibilidade de seu ensino, ele desperta suspeitas acerca da vocação dos santos mestres” (João Calvino, As Pastorais,  São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 1.11), p. 210).

[5]“O axioma ontológico primário do cristão é o único Deus vivente, e seu axioma epistemológico primário é a revelação divina” (Carl F.H. Henry, O Resgate da Fé Cristã,  Brasília, DF.: Monergismo, 2014, p. 59).

[6] Veja-se: John M. Frame,  A doutrina de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 168, 175ss.

[7]“O conselho do SENHOR dura para sempre; os desígnios (hb’v’x]m;) (machashabah) do seu coração, por todas as gerações” (Sl 33.11). “Quão grandes (ld;G))))“) (gadal), SENHOR, são as tuas obras! Os teus pensamentos (hb’v’x]m;) (machashabah) (desígnios, intentos) que profundos!” (Sl 92.5).

[8] 7Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. 8Quem é o Rei da Glória (dAbK’) (kabod)? O SENHOR, forte e poderoso, o SENHOR, poderoso nas batalhas. 9Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória (dAbK’) (kabod). 10Quem é esse Rei da Glória (dAbK’) (kabod)? O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da Glória (dAbK’) (kabod) (Sl 24.7-10).

[9] 33Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! 34 Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? 35 Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? 36 Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.33-36).

[10] “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sl 135.6). “… O meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35). “Nele (Jesus Cristo), digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).

[11] ([d;y”) (yada’). Este conhecimento envolve a capacidade de discernir (Sl 4.4), experimentar (Sl 9.11; 20.7; 25.4.14; 119.75; 139.1,2,4; 139.14), ver (Sl 16.11); pensar/perceber (Sl 35.8); perfeito conhecimento (Sl 37.18; 44.21; 50.11; 69.5; 94.11; 103.14; 139.23; 142.3); conhecimento íntimo e pessoal (Sl 51.3); intimidade/proximidade (Sl 55.13; 88.18); compreender (Sl 73.16); aprender (Sl 78.3); ensinar (Sl 90.12); fazer notório/manifestar (Sl 98.2; 103.7; 145.12).

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