A Pessoa e Obra do Espírito Santo (347)

6.4.8.2. A unidade do Espírito

A unidade da Trindade é a base e o fundamento da unidade cristã. Em outras palavras, a unidade da Igreja existe, porque Deus a tornou possível (Jo 17.22-24). Portanto, essa unidade não é artificial, externa ou, simplesmente colada, quem sabe, às pressas. Antes, a sua realidade é derivada do fato da Igreja ser o Corpo de Cristo. Desse modo, ela está fundamentada em Cristo que a criou, a alimenta e dirige.[1]

À igreja cosmopolita de Roma, Paulo escreve: “Assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros”(Rm 12.5). Em outro contexto, discorrendo sobre a ressurreição gloriosa de Cristo descreve a igreja como Corpo de Cristo, sendo Ele mesmo o cabeça, quem a comanda e a nutre: E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.22-23) (Cl 1.24).[2]

A união de Cristo com a igreja, o seu corpo, é vital e real. O Senhor cuida de nós nos alimentando para que sejamos nutridos espiritualmente visando à nossa maturidade.

Paulo se vale desta figura tomada como modelo e fundamento para o cuidado que o marido deve dispensar à sua esposa: “Ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta (e)ktre/fw) (nutrir, sustentar)[3] e dela cuida (qa/lpw) (aquecer, acalentar,[4] cuidar com afeição e carinho, acariciar[5]), como também Cristo[6] o faz com a igreja” (Ef 5.29).

Deus cuida de sua igreja de forma amorosa e terna. Ele nos conduz suavemente em prol de uma vida mais rica na sua presença. A igreja é constituída de crentes que ainda são pecadores, mas, que são amados e mantidos próximos de Deus, sendo assim guardados.

Hendriksen (1900-1982) comenta:

Não existe um momento sequer que Cristo deixe de cuidar ternamente de seu corpo – a igreja. Vivemos sob sua constante vigilância. Seus olhos estão constantemente sobre nós, desde o início do ano até ao final do mesmo (cf. Dt 11.12). Portanto, lancemos sobre Ele toda a nossa ansiedade, convencidos de que somos objetos de sua solicitude pessoal (1Pe 5.7), objetos de sua mui especial providência.[7]

Assim sendo, a unidade cristã passa necessariamente pela união mística: estamos unidos definitivamente a Cristo. Calvino (1509-1564) talvez tenha sido o teólogo que mais deu ênfase a este fato. Para ele, toda a vida cristã inicia-se com a nossa união com Cristo: “Em primeiro lugar devemo-nos lembrar que a obra da redenção de Cristo de nada nos aproveita, enquanto não estivermos unidos a ele, enquanto ele não estiver em nós”.[8] A meta de toda vida cristã é a nossa total união com Cristo:[9] “Nossa verdadeira plenitude e perfeição consiste em estarmos unidos no Corpo de Cristo”.[10]

Jesus disse:

Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; aquele que me ama, será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele (…). Se alguém me ama guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada. (Jo 14.21,23).

Observem a relação estabelecida: quem ama o Filho é amado pelo Pai e pelo Filho e, este amor de Deus se manifestará na vinda do Pai e do Filho para habitarem em nós pelo Espírito (Cf. Jo 14.26).

Maringá, 15 de novembro de 2021

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se: Herman Bavinck, Our Reasonable Faith,p. 397.

[2] “É-nos suficiente saber que Cristo e seu povo são realmente um. São tão verdadeiramente um como a cabeça e os membros do mesmo corpo, e pela mesma razão; são envolvidos e animados pelo mesmo Espírito. Não se trata meramente de uma união de sentimentos, ideias e interesses. Esta é só a consequência da união vital na qual as Escrituras põem tanta ênfase” (Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1004).

[3] Ocorre apenas duas vezes no NT., unicamente em Efésios: 5.29 e 6.4. A palavra apresenta a ideia de alimentar, sustentar, nutrir, educar. Calvino diz que este verbo “inquestionavelmente comunica a ideia de gentileza e afabilidade” (João Calvino, Efésios,(Ef 6.4), p. 181).

[4]Conferir, entre outros: William F. Arndt; F. WilburGingrich A Greek-English Lexicon of the New Testament, Chicago: The University of Chicago Press, 1957, p. 351.

[5] 1Ts 2.7.

[6] Aqui há uma variante textual que em nada modifica o sentido ou a teologia do texto. Em muitos manuscritos aparece a palavra Ku/rioj.

[7] William Hendriksen, Efésios,São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef 5.30), p. 317.

[8]J. Calvino, As Institutas da Religião Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1984, III.1. p. 205. (Edição abreviada por J.P. Wiles). “Por meio da fé, Cristo nos é comunicado, através de quem chegamos a Deus, e através de quem usufruímos os benefícios da adoção” (João Calvino, Efésios, (Ef 1.8), p. 30). “Aos olhos de Deus só somos verdadeiramente gerados quando somos enxertados em Cristo, fora de quem nada é encontrado senão morte” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.15), p. 143).

[9] “O genuíno descanso dos fiéis, o qual dura por toda a eternidade, é segundo o descanso de Deus. Como a mais sublime bem-aventurança humana é estar o homem unido com Deus, assim deve ser também o seu propósito último, ao qual todos os seus planos e ações devem ser dirigidos” (João Calvino, Exposição de Hebreus,(Hb 4.3), p. 103).

[10]João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124.

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