A Pessoa e Obra do Espírito Santo (235)

Pedro e sua arrogante fé

Pedro quando declara sinceramente ao Senhor Jesus a sua arrogante e pretensa inabalável fé, cria nisso. Estava seguro de si. Certeza subjetiva, pode indicar a nossa sinceridade, mas, não necessariamente a realidade dos fatos ou de nossas otimistas expectativas:

33 Disse-lhe Pedro: Ainda que venhas a ser um tropeço para todos, nunca o serás para mim. 34 Replicou-lhe Jesus: Em verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, tu me negarás três vezes.  35 Disse-lhe Pedro: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. E todos os discípulos disseram o mesmo. (Mt 26.33-35).

29Disse-lhe Pedro: Ainda que todos se escandalizem, eu, jamais!  30 Respondeu-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes.  31 Mas ele insistia com mais veemência: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. Assim disseram todos. (Mc 14.29-31).

          Contudo, Pedro logo descobriria de forma terrivelmente amarga e irrefutável a pequenez de sua fé:

54Então, prendendo-o, o levaram e o introduziram na casa do sumo sacerdote. Pedro seguia de longe.  55 E, quando acenderam fogo no meio do pátio e juntos se assentaram, Pedro tomou lugar entre eles.  56 Entrementes, uma criada, vendo-o assentado perto do fogo, fitando-o, disse: Este também estava com ele.  57 Mas Pedro negava, dizendo: Mulher, não o conheço.  58 Pouco depois, vendo-o outro, disse: Também tu és dos tais. Pedro, porém, protestava: Homem, não sou.  59 E, tendo passado cerca de uma hora, outro afirmava, dizendo: Também este, verdadeiramente, estava com ele, porque também é galileu.  60 Mas Pedro insistia: Homem, não compreendo o que dizes. E logo, estando ele ainda a falar, cantou o galo.  61 Então, voltando-se o Senhor, fixou os olhos em Pedro, e Pedro se lembrou da palavra do Senhor, como lhe dissera: Hoje, três vezes me negarás, antes de cantar o galo.  62 Então, Pedro, saindo dali, chorou amargamente. (Lc 22.54-62).

Retornando, podemos perceber pela narrativa do salmista que outras pessoas, possivelmente amigas, olhando a sua situação à luz de uma sociedade instável, diziam: “Foge para o monte…. os ímpios armam o arco, dispõem a sua flecha na corda para às ocultas dispararem contra os retos de coração….”.

          Davi, por sua vez, não ignora os perigos e as boas intenções de seus amigos. Ele, tão acostumado às batalhas e a entrar nelas em desvantagem, não é tolo. No entanto, nega-se a seguir este conselho. Com justa indignação, diz: “Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (Sl 11.3).

Resumindo: A vida de Davi está em perigo, os fundamentos do seu reino estão ameaçados; seus amigos aconselham-no a fugir para as montanhas onde teria melhor abrigo.

          Qual era, então, o fundamento de sua fé?

          Algumas de suas vívidas questões eram as seguintes: O certo se tornou errado? O mal se tornou em bem? Não há mais justiça? Não há quem olhe por nós? Se não houver mais justiça, como o homem justo, de bem, poderá viver?

Notemos que o impasse do salmista não nos é estranho. Em determinadas situações, pensamos: a quem vamos recorrer? Se quem nos deveria defender é quem nos explora, o que fazer? 

No entanto, o salmista indaga a respeito desta atitude, considerando-a inadequada. É possível[1] que este salmo tenha sido escrito no tempo em que Absalão preparava de forma sorrateira uma rebelião contra seu pai para tentar assumir o trono.[2]

          Em princípio o conselho que fora dado não lhe era estranho. Davi já tivera a experiência de esconder-se nos montes devido à perseguição de Saul. No entanto, o texto no livro de Samuel nos diz: “Permaneceu Davi no deserto, nos lugares seguros, e ficou na região montanhosa no deserto de Zife. Saul buscava-o todos os dias, porém Deus não o entregou na sua mão”(1Sm 23.14).

          Davi sabia que quem lhe protegia não eram os montes, mas, Deus. Ele tinha consciência de que não podemos substituir Deus pelos montes. É Deus quem criou e sustenta os montes. Os montes podem servir como instrumento de proteção, no entanto, quem nos protege é Deus. Por isso, Davi rejeita o conselho de seus amigos, porque se refugia em Deus (Sl 16.1; 36.7).[3]

          Davi também não apelou para uma suposta bondade sua, ou para uma pergunta retórica: “o que eu fiz para merecer isso?”, antes, tem uma perspectiva objetiva dos fatos, ainda que não se limite à percepção de seus conselheiros.

          Nesta rejeição, que poderia parecer mera teimosia, há, na realidade, uma questão de princípio teológico, uma experiência de fé. A nossa fé é sempre um transpirar de nossa teologia. A nossa teologia fundamenta e educa a nossa fé. A fé experienciada, ilustra de modo decisivo a teologia que seguimos.

          Posso me valer da fuga, contudo, devo entender que, o meu socorro está em Deus. É dentro desta perspectiva que devo caminhar, orientando a minha fé e procedimento. A sua visão teológica regia a sua percepção e, consequentemente a sua atitude.

          A convicção do salmista amparava-se numa certeza: O Deus santo está no seu santo templo. Posso não ter precisão quanto ao poder bélico de meus inimigos, quantos são e, se estão mesmo tão organizados. No entanto, uma certeza eu tenho: “O SENHOR está no seu santo templo” (Sl 11.4). Portanto, em lugar da fuga ou do enfrentamento, Ele busca o Senhor no seu templo.

          Isto é muito revelador: por vezes não conseguimos ter clareza quanto a questões materiais e humanas, contudo, amparados na Revelação podemos afirmar com certeza verdades concernentes a Deus e a seus atos. Aqui temos um exemplo disso.  Diante dos palavrórios inúteis dos idólatras, Habacuque escreve: “O SENHOR, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra” (Hc 2.20).

          Numa confusão de valores e a propensão reinante para o mal criando um clima de insegurança e medo, algo que pode sustentar a nossa fé, é a convicção que o nosso Deus é santo. Por isso, não há impurezas em seus propósitos.

          Notemos como esta certeza foi fundamental na vida de outros servos de Deus: Maria, radiante em sua gravidez − que poderia ser considerada no mínimo embaraçosa −, canta jubilosa: “O Poderoso me fez grandes cousas. Santo é o seu nome”(Lc 1.49).

          A nossa relação com o Pai é por meio de Jesus Cristo, Aquele que é Santo:Sumo sacerdote (…) santo, inculpável, sem mácula”(Hb 7.26).

          Diante da certeza destes ensinamentos, temos o consolo de que mesmo vivendo num mundo de mentiras, contradições e falsidades, podemos ter uma convicção: o nosso Deus é santo. Ele é totalmente avesso ao mal. A sua direção e propósitos são santos. Posso confiar totalmente na integridade de sua orientação. Ele fala e age conforme a sua santa natureza.

          Em Deus não há ambiguidades, caminhos e promessas duvidosos. Todo o seu proceder é Santo, condizente com a sua natureza. A sua Palavra, os seus preceitos e caminhos são puros, verdadeiros e santos. “A Santidade destaca sua absoluta justiça que não tolera nenhuma sombra do mal. (…) A santidade de Deus é uma separação de tudo aquilo que tem o menor vestígio do mal”, escreve Sire (1933-2018).[4]

          Deste modo, se sigo os seus preceitos, se guardo com fé os seus mandamentos, posso ter a certeza de agir de acordo com o Deus que é santo em todos os seus caminhos. Não há impureza nos caminhos de Deus.

          Este Deus que é Santo instrui-nos por meio de sua Palavra que é santa: “Falou Deus na sua santidade” (Sl 60.6). E é por meio desta mesma Palavra, que é a verdade, que Ele nos santifica (Jo 17.17).

Se Deus de fato é o nosso Pastor, aquele que nos guia, sigamos os seus passos em santidade e obediência. “Santidade sempre é a resposta de gratidão do pecador salvo pela graça recebida”, enfatiza Packer (1926-2020).[5]

Maringá, 12 de julho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Cf. C.F. Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, MI: Eerdmans, (1871), v. 5, (I/III), (Sl 11), p. 186.

[2] Há quem pense que o contexto deste salmo é o período no qual Davi fugia de Saul (João Calvino,O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 11), p. 233; F.B. Meyer, Joyas de los Salmos, 2. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1972, p. 18; Leslie S. M’Caw, Salmos: In: F. Davidson, ed., O Novo Comentário da Bíblia, São Paulo: Vida Nova, 1976 (reimpressão), p. 508; J.A. Motyer, Salmos. In: D. A. Carson, et. al., orgs. Comentário Bíblico: Vida Nova, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 747; Spurgeon e Simeon Cf. James M. Boice, Psalms: an expositional commentary, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1994, v. 1, (Sl 11), p. 91). Se o Salmo foi escrito durante o período de Saul ou de Absalão, é uma “controvérsia perpétua” (Cf. Ernst W. Hengstenberger; John Thomson, Commentary of the Psalms, Tennessee: General Books, 2010 (Reprinted), (Sl 11), v. 1, p. 119). Daí a indefinição: H.C. Leupold, Exposition of The Psalms, 6. impressão, Grand Rapids, MI.: Baker, 1979, p. 125. Para uma visão panorâmica das interpretações, veja-se: W.S. Plumer, Psalms, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, © 1867, 1975 (Reprinted), p. 164. Especialmente devido à construção do verso três quando Davi fala de destruir os fundamentos, inclino-me a pensar que o Salmo foi escrito quando ele já era rei de Israel, havendo, portanto, uma subversão da ordem por meio de Absalão.

[3]Guarda-me, ó Deus, porque em ti me refugio” (Sl 16.1). Como é preciosa, ó Deus, a tua benignidade! Por isso, os filhos dos homens se acolhem à sombra das tuas asas(Sl 36.7).

[4]James W. Sire, O Universo ao Lado, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 32.

[5]J.I. Packer, O que é santidade e por que ela é importante?: In: Bruce H. Wilkinson, ed. ger., Vitória sobre a Tentação,2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1999, p. 32. Do mesmo modo: J.I. Packer, A Redescoberta da santidade,  2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 19.

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