A Pessoa e Obra do Espírito Santo (16)

            6.1.1. A Inspiração das Escrituras[1]


A inspiração não é um evento isolado. O Espírito Santo, depois do ato de inspiração, não sai da Sagrada Escritura e a abandona à sua própria sorte, mas a sustenta e anima e, de muitas formas, traz seu conteúdo à humanidade, ao seu coração e consciência. – Herman Bavinck.[2]

O demônio e seus agentes têm soprado para ver se apagam a luz das Escrituras, mas não têm conseguido apagá-la, um sinal evidente de que elas vêm do céu. – Thomas Watson.[3]  

                                                                       É preciso deixar a Escritura ser Escritura. Com isso queremos dizer que não podemos impor teorias estranhas à Escritura para avaliá-la, antes, temos de partir do testemunho que a própria Escritura dá de si mesma.

            A autoconsciência da Palavra a respeito de sua autoridade, é resultante do Espírito que é o seu Autor. A igreja confessa a inspiração da Escritura porque crê no seu testemunho. Essa confissão também é parte da obra do Espírito que abre os nossos olhos para as evidências que sem a sua ação passariam despercebidas.

            Nas Escrituras os profetas e os apóstolos falaram a Palavra de Deus dirigidos pelo Espírito Santo. Por isso, podemos afirmar de antemão, que a Escritura tem apenas um único Autor primário: O Espírito. É isto que queremos dizer quando declaramos, fazendo eco à afirmação de Paulo, de que a Escritura é “inspirada” por Deus.

            A palavra “inspiração” não ocorre no Novo Testamento. Ela só aparece uma única vez no Antigo Testamento: “Mas ninguém diz: onde está Deus que me fez, que inspira (Hb. }atfn (Nãthan) = “dar”, “conceder”) canções de louvor durante a noite” (Jó 35.10) (ARA).[4]

            No Novo Testamento, a palavra é decorrente de uma tradução interpretativa do texto de 2Tm 3.16, que diz: “Toda Escritura é inspirada por Deus…”. A expressão “inspirada por Deus” provém de um único termo grego, Qeo/pneustoj, que só ocorre aqui. (Não aparece na LXX). Todavia, a tradução que temos (Almeida, Revista e Atualizada), segue aqui a Vulgata, que traduz, “divinitus inspirata”.[5]

            A palavra Qeo/pneustoj não significa “ins-pirado” mas, sim “ex-pirado”; ou seja, ao invés de soprado para dentro, soprado para fora.

            Este adjetivo, comenta Brown (1932-2019),

não significa qualquer modo específico de inspiração, tal qual alguma forma de ditado divino. Nem sequer dá a entender a suspensão das faculdades cognitivas normais dos autores humanos. Do outro lado, realmente quer dizer algo bem diferente da inspiração poética. É um erro omitir o elemento divino no termo, transmitido por theo (The New English Bible faz assim, ao traduzir a frase; “toda escritura inspirada”).[6] É claro que a expressão não dá a entender que algumas escrituras são inspiradas, enquanto outras não são. Todas as Sagradas Escrituras expressam a mente de Deus; fazem assim, no entanto, com o alvo da sua operação prática na vida.[7]

            O que Paulo nos diz é que toda e cada parte da Escritura Sagrada é soprada, exalada por Deus. A ênfase está na procedência divina. Em toda a redação da Escritura Deus esteve “expirando” os autores secundários. Ou, se tomarmos a palavra apenas no sentido passivo, diremos que “Deus em sua revelação é soprado pelas páginas das Escrituras”. Deste modo, podemos dizer que Deus é o Autor e o Conteúdo das Escrituras.

            Warfield (1851-1921), comentando o texto de 2Tm 3.16, diz:

Numa palavra, o que se declara nesta passagem fundamental é, simplesmente, que as Escrituras são um produto divino, sem qualquer indicação da maneira como Deus operou para as produzir. Não se poderia escolher nenhuma outra expressão que afirmasse, com maior saliência, a produção divina das Escrituras, como esta o faz. (…) Paulo (…) afirma com toda a energia possível, que as Escrituras são o produto de uma operação especificamente divina.[8]

            Podemos definir a Inspiração como sendo a influência sobrenatural do Espírito de Deus sobre os homens separados por Ele mesmo, a fim de registrarem de forma inerrante e suficiente toda a vontade de Deus, constituindo este registro na única fonte e norma de todo o conhecimento cristão.

            Com isto, estamos dizendo que o Deus que se revelou, esteve “expirando” os homens que Ele mesmo separou para registrarem esta revelação.

            A inspiração bíblica garante que seja registrado de forma veraz aquilo que a inspiração profética fazia com respeito à palavra do profeta, para que ela correspondesse literalmente à mente de Deus. Em outras palavras: a Palavra escrita é tão fidedigna quanto a Palavra falada pelos profetas; ambas foram inspiradas por Deus.

            Van Groningen (1921-2014), coloca a questão nestes termos:

O Espírito Santo habitou em certos homens, inspirou-os, e assim dirigiu-os que eles, em plena consciência, expressaram-se na sua singular maneira pessoal. O Espírito capacitou homens a conhecer e expressar a verdade de Deus. Ele impediu-os de incluir qualquer coisa que fosse contrária a essa verdade de Deus. Ele também impediu-os de escrever coisas que não eram necessárias. Assim, homens escreveram como homens, mas, ao mesmo tempo, comunicaram a mensagem de Deus, não a do homem.[9]

            A Bíblia é o registro infalível da Palavra de Deus. Deus fez com que os seus servos registrassem a sua vontade mediante a Revelação, Inspiração e Iluminação do Espírito; desta forma, o Deus Triúno é o Autor das Escrituras, sendo a Inspiração mais propriamente atribuída ao Espírito. (Cf. 2Sm 23.2; Mt 22.43; At 1.16; 4.24-26; 28.25; Hb 3.7-11; 9.6-8; 10.15-17; 1Pe 1.10-12[10]/2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21).

            Nas Escrituras temos todos os livros que Deus providencialmente quis que fossem escritos e preservados[11] para a nossa edificação.

            Nas palavras de Calvino:

Aquelas (epístolas) que o Senhor quis que fossem indispensáveis à sua Igreja, Ele as consagrou por sua providência para que fossem perenemente lembradas. Saibamos, pois, que o que foi deixado nos é suficiente, e que sua insignificância não é acidental; senão que o cânon da Escritura, o qual se encontra em nosso poder, foi mantido sob controle através do grandioso conselho de Deus.[12]

Maringá, 09 de outubro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Alguns tópicos desse material encontram-se com algumas modificações em meu livro, O Homem no Teatro de Deus:Providência, Tempo, História e Circunstâncias,Eusébio, CE.: Peregrino, 2019).

[2] Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 439.

[3] Thomas Watson, A Fé Cristã: estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster,  São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 44.

[4]O verbo é traduzido da mesma forma em BJ. ARC e ACR traduzem mais literalmente, por “dá”

[5] A expressão completa é: “Omnis scriptura divinitus inspirata”.

[6] De fato, assim lemos na The New English Bible: New Testament, Great Britain: Oxford University Press, 1961: “Every inspired scripture”. Mesmo equívoco comete ARC. Veja-se: uma boa discussão sobre este ponto In: Edwin A. Blum, The Apostles’ of Scripture: In: Norman L. Geisler, ed. Inerrancy,Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House, 1980, p. 45ss.

[7] C. Brown, Escritura: In: O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983,v. 2, p. 103-104. Veja-se a análise da questão In: Homer C. Hoeksema, The Doctrine of Scripture, Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing Association, 1990, p. 40ss.

[8] B.B. Warfield, The Inspiration of the Bible: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1981, v. 1, p. 79.

[9] Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento,p. 64-65.

[10] É muito esclarecedora a interpretação dessa passagem (1Pe 1.10-12) apresentada por Ferguson. Veja-se: Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo e as Sagradas Escrituras: Inerrância e Pneumatologia: In: John F. MacArthur, org.,  A Palavra Inerrante, São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 267-268.

[11] Ver João Calvino, As Institutas, I.8.10-12.

[12] João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 3.3), p. 86.

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