A Pessoa e Obra do Espírito Santo (99)

           J) Discernimento e sabedoria

Sabedoria consiste na habilidade de saber usar biblicamente os recursos que temos. Discernimento está ligado à capacidade de interpretar os fatos, entender o que está acontecendo, saber distinguir, separar os eventos em suas relações causais ou acidentais.

    Deus é o nosso pastor e mestre por excelência. Como Senhor e Pai amoroso, se comunica pessoal e prazerosamente conosco a fim de também nos instruir.

    Portanto, devemos nos valer, com sabedoria, dos recursos que Deus nos deu para avaliar aquilo que chega ao nosso conhecimento: “O ouvido que ouve e o olho que vê, o SENHOR os fez, tanto um como o outro” (Pv 20.12).

    Como em todas as coisas, o Senhor Jesus Cristo é o nosso exemplo perfeito. Por meio do profeta Isaías, 750 anos antes, o caráter de Jesus, o Messias, foi descrito com propriedade:

O SENHOR Deus me deu língua de eruditos (dMul) (limmud) (= discípulo, aprendedor), para que eu saiba dizer boa palavra ao cansado. Ele me desperta todas as manhãs, desperta-me o ouvido para que eu ouça como os eruditos (dMul) (limmud) (= discípulo, aprendedor). (Is 50.4).

    Esta erudição é teórica e prática. Significa aprender com avidez e discernimento, vivendo com a sabedoria resultante do relacionamento com Deus, e ensinando com sensibilidade para saber dizer “boa palavra ao cansado”.

    O hebraico se vale da mesma raiz gramatical para falar do ensino (piel) e da aprendizagem (qal) porque em suma, só há ensino quando de fato houver aprendizagem. O princípio que deve reger ambos os processos, é o temor do Senhor.

    Aprender a lei de Deus de fato, é mais do que simplesmente ser informado sobre, é o mesmo que obedecer a sua vontade (Dt 4.10; 14.23; 17.19; 31.12,13).[1] A obediência não era algo simplesmente intuitivo, antes, amparava-se explicitamente na Lei do Senhor, a qual deve ser lida, ouvida, conhecida e praticada.[2] O povo demonstraria o aprendizado por meio de uma mudança de perspectiva e de comportamento.[3]

    Portanto, a súplica do profeta em relação aos discípulos:“Resguarda o testemunho, sela a lei no coração dos meus discípulos (dMul) (limmud)(Is 8.16). À frente, vemos que o povo da antiga dispensação aguardava o Messias, porque, como diz o profeta:“Todos os teus filhos serão ensinados (dMul) (limmud) do SENHOR; e será grande a paz de teus filhos” (Is 54.13).[4]

    No Novo Testamento, Jesus Cristo convida a todos:

28 Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. 29Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei (manqa/nw) de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. 30 Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve. (Mt 11-28-30).

    O aprendizado aqui não é apenas teórico, antes, tem a ver com a aceitação da pessoa de Cristo e, consequentemente de seus ensinamentos, se manifestando em um relacionamento pessoal e obediência sincera (Mt 12.46-50).

    Portanto, em tudo devemos buscar discernimento, refletindo e retendo a Palavra:

O coração do sábio (!yBi) (bîyn) adquire o conhecimento (t[;D;) (daath), e o ouvido dos sábios (~k’x’) (chakam)[5] procura o saber (t[;D;) (daath). (Pv 18.15).

Não é bom proceder sem refletir (t[;D;) (daath), e peca quem é precipitado. (Pv 19.2).

Quem retém as palavras possui o conhecimento (t[;D;) (daath),[6] e o sereno de espírito é homem de inteligência. (Pv 17.27).

     Esta sabedoria espiritual exige um laborioso processo de compreensão, entendimento e prática da verdade. Portanto, a nossa sabedoria consiste em nos submeter às Escrituras.

    Martinho Lutero (1483-1546) constatou acertadamente: “Quão grande dano tem havido quando se tenta ser sábio e interessante sem ou acima da Escritura”.[7]

    Paulo instrui à Igreja para que a Palavra de Cristo habite, se assenhoreie de nosso coração, nos dirigindo em nossa mútua instrução, com sabedoria, louvor e gratidão: Habite (e)noike/w),[8]  ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria (sofi/a), louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (Cl 3.16).

    Os efésios, conforme já mencionamos, eram crentes operantes em Cristo. Paulo ora no sentido de seu contínuo crescimento pela graça (Ef 1.17). Crescer na graça não significa crescer simplesmente em uma esfera de nossa existência, mas, em todas elas. Crescer na graça significa crescer em maturidade tendo como modelo perfeito o próprio Cristo, cuja mente é o nosso padrão.

    O caminho da maturidade espiritual que se expressa em obediência, envolve, necessariamente, a prática de meditação sincera na Palavra.

    Poythress é enfático:

Não há atalho para crescer no entendimento da Escritura e no entendimento de Deus que fala na Escritura. Cada aspecto do entendimento ajuda outro aspecto. É importante crescer, porque um entendimento profundo da Escritura é vital à medida que nos esforçamos para servir a Cristo criativamente em situações que a Bíblia não aborda diretamente. A Bíblia como a Palavra de Deus aborda todas as coisas, quer diretamente, quer na forma de implicação. Ele fala para toda a vida. Mas para ver como isso se dá, pode ser necessário reflexão e meditação.[9]

Maringá, 25 de janeiro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Não te esqueças do dia em que estiveste perante o SENHOR, teu Deus, em Horebe, quando o SENHOR me disse: Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, a fim de que aprenda a temer-me todos os dias que na terra viver e as ensinará a seus filhos” (Dt 4.10).E, perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu cereal, do teu vinho, do teu azeite e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer o SENHOR, teu Deus, todos os dias”(Dt 14.23).Também, quando se assentar no trono do seu reino, escreverá para si um traslado desta lei num livro, do que está diante dos levitas sacerdotes. 19 E o terá consigo e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer o SENHOR, seu Deus, a fim de guardar todas as palavras desta lei e estes estatutos, para os cumprir” (Dt 17.18-19).Esta lei, escreveu-a Moisés e a deu aos sacerdotes, filhos de Levi, que levavam a arca da Aliança do SENHOR, e a todos os anciãos de Israel. Ordenou-lhes Moisés, dizendo: Ao fim de cada sete anos, precisamente no ano da remissão, na Festa dos Tabernáculos, quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel. Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei; para que seus filhos que não a souberem ouçam e aprendam a temer o SENHOR, vosso Deus, todos os dias que viverdes sobre a terra à qual ides, passando o Jordão, para a possuir” (Dt 31.9-13).

[2]Descrevendo a função dos mestres do Antigo Testamento, Downs comenta: “O professor ensinava o povo a obedecer aos mandamentos de Deus, não simplesmente a conhecê-los. De fato, o conhecimento era tão ligado com a ação na mente hebraica que as pessoas não podiam afirmar saber o que elas não praticavam” (Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 26).

[3]Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à Educação Cristã, Brasília, DF.: Monergismo, 2013.

[4] Sobre os usos da palavra hebraica, vejam-se: E.H. Merrill, dml: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 800-802; Walter C. Kaiser, Lâmad:In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 790-791; K.H. Rengstorf, Manqa/nw, etc.: In: G. Friedrich; G. Kittel, ed. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 4, p. 400-405 (especialmente); p. 426-441 (especialmente); A.S. Kapelrud, damfl, etc., In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 2001, v. 8, p. 4-10. Para uma visão mais ampla, que foge aos objetivos desta nota, vejam-se: A.W. Morton, Educação nos Tempos Bíblicos: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 261-280; Hermisten M.P. Costa, Introdução à Educação Cristã, Brasília, DF.: Monergismo, 2013.

[5]“A ideia essencial (…) representa um modo de pensar e uma atitude para com as experiências da vida, incluindo questões de interesse geral e moralidade básica. Tais assuntos se relacionam à prudência em negócios seculares, habilidades nas artes, sensibilidade moral e experiência nos caminhos do Senhor” (Louis Goldberg, Hãkam: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 459). Em síntese, envolve a capacidade de discernir entre o bem e o mal. Veja-se: Robert B. Girdlestone, Synonyms of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1981 (Reprinted), p. 74.

[6] Vejam-se também: Pv 10.14; 11.9; 12.1; 13.16; 14.6; 19.25; 21.11; 23.12.

[7]Lutero, Apud Phillip J. Spener, Mudança para o Futuro: Pia Desideria, Curitiba, PR.; São Bernardo do Campo, SP.: Encontrão Editora; Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1996, p. 43.

[8] *Rm 7.17; 8.11; 2Co 6.16; Cl 3.16; 2Tm 1.5,14.

[9]Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 174.

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