A Pessoa e Obra do Espírito Santo (98)

    I) Vivifica-nos 

Esta ideia é complementar à anterior. O Deus que nos encoraja a levar adiante a nossa vocação é o mesmo Deus que nos tira de nosso abatimento, concedendo-nos, por meio Palavra, vitalidade para desempenhar o nosso papel no mundo, em suas variadas esferas, como seus servos.

    O salmista compartilha o que também fazia parte de sua experiência: “A lei do SENHOR é perfeita e restaura (bWv) (shub) a alma….” (Sl 19.7).

    O sentido da palavra “restaurar” é o de “refrigerar” (Sl 23.3), “restabelecer” (Sl 60.1; 85.4), “converter” (Ez 14.6).

    Deus nos converte por meio de sua Palavra (Rm 10.17; Tg 1.18,21; 1Pe 1.23) e segue nos educando, aperfeiçoando, trazendo refrigério. Deus tira a nossa alma do exílio para uma viva alegria em sua presença.

    Há outra importe palavra utilizada no Antigo Testamento: Vivificar. “Vivificar” tem o sentido de “reavivar” (Hc 3.2). Deus, conforme a sua promessa, não permite que sejamos abatidos, nem destruídos. A Palavra de Deus tem um poder vivificador. Neste ato de nos conceder vida, Deus manifesta a sua misericórdia, conforme suplica o salmista:. Vivifica-me  (hy”x’) (chayah), segundo a tua misericórdia; e guardarei os testemunhos oriundos de tua boca”(Sl 119.88), suplica o salmista.

    Deus, com sua Palavra,  dá-nos alento, trazendo-nos  para junto de si mesmo a fim de que, confiados nele, possamos continuar a nossa caminhada. Deus transforma, converte o nosso desalento espiritual em fervor de serviço.

    Na Palavra, reencontramos o fôlego restaurador da vida. Podemos estar como que “apegados ao pó” em nosso abatimento, mas a Palavra de Deus nos ergue, nos concedendo, pelas promessas dele um ânimo novo, fundamentado na certeza de que Ele reina e  está em nós. “Deus emprega sua Palavra como instrumento para a restauração de nossas almas”, comenta Calvino.[1]

    Somente o Espírito por meio da Palavra pode nos alimentar, corrigir, animar, conceder-nos real vitalidade amparado nas promessas de Deus. Por isso, usando uma expressão de Lutero, afirmamos que podemos prescindir de tudo, menos da Palavra.[2]

    O salmista em situação de grande angústia, ora ao Senhor: “Estou aflitíssimo (d[; hn”[‘) (anah ad) (= intensamente aflito, humilhado, oprimido); vivifica-me (hy”x’) (chayah), SENHOR, segundo a tua palavra” (Sl 119.107).

    Quando estamos muito aflitos, conforme o salmista, ficamos como que sem vida, entregues e prostrados. Aqui ele clama a Deus, porque somente Ele poderá conceder vida à sua alma tão enfraquecida e sem ânimo, quase que totalmente entregue.

O caminho buscado pelo salmista é o da Palavra que nos conduz à oração. A Palavra nos instrui, dirige e consola, reforçando em nosso coração a confiança que devemos ter em Deus em todas as circunstâncias.

    Por meio da Palavra e da oração cobramos ânimo não com pensamentos de autoajuda ou ficções vazias, como pensar positivo ou seguindo o conselho de que devemos ter fé, ainda que não saibamos em que ou em quem. Não. Cobramos ânimo em Deus; na retidão e veracidade de sua Palavra.

    Por isso, suplicam os salmistas:

A minha alma está apegada ao pó: vivifica-me (hy”x’) (chayah) segundo a tua Palavra. (Sl 119.25)

 Muitas, SENHOR, são as tuas misericórdias; vivifica-me (hy”x’) (chayah), segundo os teus juízos. (Sl 119.156).

 Vivifica-me (hy”x’) (chayah), SENHOR, por amor do teu nome; por amor da tua justiça, tira da tribulação (hr’c’) (tsarah) a minha alma” (Sl 143.11)

    Ao mesmo tempo, temos o testemunho do salmista a respeito do poder vivificador da Palavra:  “O que me consola na minha angústia é isto: que a tua palavra me vivifica (hy”x’) (chayah) (Sl 119.50).“Nunca me esquecerei dos teus preceitos, visto que por eles me tens dado vida (hy”x’) (chayah)” (Sl 119.93).

    Vemos isso ilustrado no Salmo 4.

    O salmista já tem experimentado isso em outras ocasiões. Ele já enfrentou muitas aflições mas, ao mesmo tempo, o alívio de Deus por meio da Palavra tem sido seu companheiro. Por isso suplica: “Responde-me quando clamo, ó Deus da minha justiça; na angústia (rac) (tsar), me tens aliviado (bx;r’)(rachab);[3] tem misericórdia de mim e ouve a minha oração” (Sl 4.1).

    Davi fala de sua angústia que o fazia buscar a Deus. A palavra é usada de forma literal e figurada, apresentando a ideia de atar, ser estreito,[4] daí o sentido de aflição, tribulação.

    Descreve a situação aflitiva de alguém na adversidade, sentindo-se comprimido, apertado, preso. Portanto, a sensação de ficar num canto apertado, espremido, amargurado.

A nossa palavra angústia é procedente do latim, sendo documentada desde o século XIV. Significa estreiteza, limite, restrição, situação crítica.

    Notemos que a questão espacial é muito importante para a nossa qualidade de vida e sobrevivência. Deus quando formou o homem o colocou num belo jardim criado especialmente para este fim (Gn 2.8-15). O pecado fez com que o homem perdesse aquele maravilhoso espaço (Gn 3.23-24). Agora o espaço é outro, com lutas e dificuldades (Gn 3.17-19). O espaço do Éden, o homem já não pode mais recuperar.

Figuradamente dizemos que nos sentimos sem espaço dentro da empresa na qual trabalhamos ou que há ou não espaço para nos desenvolvermos. Do mesmo modo, alguém diz que se sente sufocado no casamento, bem como falamos de oxigenar os negócios ou a nossa empresa com novas ideias. Reparem a relação entre espaço, ar e vida.

Quando permanecemos muito tempo dentro de casa, ou em um ambiente fechado executando muito intensamente uma atividade que exige uma intensa concentração, falamos de sair para “espairecer”, voar calmamente, andar ao acaso.

Davi diz que Deus lhe tem concedido espaço, alívio, leveza, largueza.[5] Numa linguagem mais figurada ainda, Deus torna o nosso coração como que uma praça, ou seja, um amplo e largo lugar.[6]

    Somente Deus por meio de suas promessas e instruções pode nos vivificar.

    O Senhor é o nosso pastor que nos guia calmamente em justiça, nos orientando, corrigindo o nosso caminhar e nos vivificando por meio de suas promessas e pelo aprendizado do caminhar pelos seus caminhos. De fato, nós não precisamos de mais nada.

Maringá, 25 de janeiro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 19.7), p. 425.

[2]“A alma pode prescindir de todas as coisas, menos da Palavra de Deus, e fora da Palavra de Deus nada mais pode auxiliá-la. Quando, porém, ela possui a Palavra, de nada mais necessitará, pois na Palavra ela encontrará satisfação, alimento, alegria, paz, luz, ciência, justiça, verdade, sabedoria, liberdade e todos os bens em abundância” (Martinho Lutero,  Da Liberdade do Cristão: Prefácios à Bíblia, São Paulo: Fundação Editora da UNESP., 1998, p. 27) (Escreveu em 1520).

[3] Sl 25.17.

[4]Palavra derivada de (צרר) (tsârar), sendo empregada para referir-se a um lugar pequeno demais para as pessoas morarem (2Rs 6.1; Is 49.19-20); cobertor estreito (Is 28.20). Daí, diversos outros sentidos: prender a pedra na funda (Pv 26.8) (A palavra não aparece na edição de ARA); remendar um odre de vinho velho (Js 9.4). (Ver: John E. Hartley, Tsãrar: In: Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1309-1310; I. Swart; Robin Wakely, Srr: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 851-856).

[5]Alargaste (רחב) (râchab) sob meus passos o caminho, e os meus pés não vacilaram” (Sl 18.36). “….não me entregaste nas mãos do inimigo; firmaste os meus pés em lugar espaçoso (bx’r>m,) (merchab) (largo, folgado)(Sl 31.8). Ver também: Sl 35.21 (escancarar); Sl 119.32 (alegrar) (literalmente: “alargou”, concedendo-lhe entendimento); Pv 18.16 (alargar). Quanto ao emprego e dificuldade da tradução da expressão, ver: William White, Rãhab: In: Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1415-1416. Consulte também: Louis Jonker, Rhb: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 1085-1087).

[6] Sl 144.14; Pv 1.20; 5.16; 7.12.

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