Teologia da Evangelização (154)

4.3.5.4. A singularidade da ressurreição de Cristo      

A Bíblia apresenta alguns exemplos de pessoas que foram revivificadas, tanto no Antigo como no Novo Testamento; ei-las: O filho da viúva de Serepta (1Rs 17.17-24); o homem que foi jogado na sepultura de Eliseu (2Rs 13.20-21); o filho da sunamita (2Rs 4.17-37); a filha de Jairo (Mt 9.18,23-26); o filho da viúva de Naim (Lc 7.11-17). Lázaro (Jo 11.1-46); Dorcas (At 9.36-43) e Êutico (At 20.7-12).

          Por certo, todos estes voltaram a envelhecer e morrer; contudo, a ressurreição de Cristo foi definitiva, constituindo-se no modelo conclusivo da nossa futura ressurreição. Cristo não voltou a morrer, nem voltaremos após a ressurreição (Rm 6.9).[1]

          Na ressurreição de Cristo observamos alguns aspectos que tomados em conjunto tornam-se misteriosos para nós.

4.3.5.4.1. O seu corpo era real

O corpo de Jesus Cristo após a ressurreição não era anormal no que se refere ao aspecto de visibilidade de um corpo humano – daí não haver nenhum espanto ou comentário a respeito –, todavia, ele não era fácil ou prontamente reconhecido por todos (Cf. Lc 24.13-16, 28-33, 36-43;[2] Jo 20.11-18; 21.1-7), embora isso não fosse impossível de imediato (Cf. Mt 28.9,10).[3] O Seu corpo apresentava as marcas da crucificação, podendo ser tocado (Mt 28.9; Lc 24.39-40; Jo 20.20,27); era visível (Mc 16.14; Jo 20.18; 1Co 9.1; 15.4-8); audível (Mt 28.18-20); e, mesmo sem precisar, podia alimentar-se (Lc 24.41-43; Jo 21.5,9,12-15; At 10.41). Estes textos indicam que o corpo de Jesus Cristo era real.

4.3.5.4.2. O seu corpo era transcendente

Apesar da realidade e tangibilidade do corpo de Cristo, a Bíblia descreve o fato dele poder aparecer e desaparecer aos olhos de seus discípulos, conforme sua determinação (Lc 24.31,36; Jo 20.19,26).[4] E, com este mesmo corpo, foi assunto aos céus, tendo vencido definitivamente a morte (Rm 6.9; 2Tm 1.10; Ap 1.18).[5]

          Hodge interpreta:

O corpo ressurrecto de Cristo, portanto, tal como existe agora no céu, ainda que retenha a identidade com seu corpo enquanto estava na terra, é glorioso, incorruptível, imortal e espiritual. Continua ocupando determinada porção de espaço e retém todas as propriedades essenciais como corpo.[6]

4.3.5.5. O significado da ressurreição de Cristo

4.3.5.5.1. Significado Teológico

A ressurreição de Cristo revela alguns aspectos do caráter do Trino Deus:

1) O Poder de Deus: Conforme estudamos acima de forma pormenorizada, a ressurreição de Cristo se constitui no clímax da manifestação do poder de Deus nesta Era (2Co 13.4;[7] Ef 1.19,20; Cl 2.12; Fp 3.10/At 2.24; 3.15; 4.10; 5.30; Rm 10.9).

2) O Cumprimento das Escrituras: Deus é o Autor das Escrituras. Como já vimos acima, a ressurreição de Cristo foi anunciada pelo Espírito por intermédio dos profetas. Caso Cristo não ressuscitasse, a Escritura teria falhado em seu testemunho a respeito do Filho, o que é impossível (Jo 5.39; 10.35). A ressurreição manifesta-se como uma demonstração palpável de que Deus sempre cumpre eficaz e completamente as Suas promessas (Vejam-se: Sl 16.10; Is 26.19; Os 6.2/Lc 24.44-46/At 13.32-37).[8]

3) O Cumprimento das Palavras de Cristo: Conforme já estudamos, Jesus Cristo anunciou a sua morte e ressurreição como fatos que se sucederiam. O acontecimento da ressurreição vem confirmar a veracidade de suas palavras (Cf. Mt 28.6-7; Mc 14.27-28; 16.6,7,14; Lc 24.6-8).[9]

4) A Afirmação de sua filiação divina: Jesus em seu ministério reivindicava para si uma filiação única e especial de Deus, demonstrando isso de forma distintiva no seu relacionamento afetivo com o Pai (Cf. Mt 11.27; Mc 14.36; Jo 20.17). Aquele que foi morto como maldito e odiado de Deus era, na realidade, o filho amado no qual o Deus Pai se compraz: “o rejeitado da terra é o coroado do céu”, explica Bavinck.[10] A sua ressurreição reafirma a realidade da sua filiação eterna (Cf. Rm 1.4).[11]

5) O Cumprimento eficaz da sua obra terrena: A ressurreição significou o cumprimento de seu ministério terreno. O que Cristo afirmara ter vindo fazer, fez de forma completa e eficaz (Lc 24.44-46/Hb 9.23-28; 10.1-14; 1Pe 3.18). A ressurreição sela a sua obra de forma definitiva!

6) A aprovação de Deus: A não ressurreição de Cristo, entre outras coisas, significaria a não aceitação do sacrifício do Filho por parte do Pai. A ressurreição consiste na declaração por parte do Pai – como representante da Trindade –, que as demandas do Pacto foram cumpridas no seu aspecto sacrificial pelo Filho, como representante do seu povo eleito. Portanto, o Filho não deveria permanecer morto. A ressurreição é o “amém” do Pai à obra expiatória do Filho (2Co 1.20).

          Berkhof comenta: “Se, afinal, a obra expiatória de Cristo devia ser eficaz, tinha que terminar, não na morte, mas na vida. Ademais, foi o selo do Pai aplicado à obra consumada de Cristo, foi a declaração de que Ele a aceitou”[12] (At 2.22-24).

          Na ressurreição Jesus Cristo é publicamente coroado como Senhor![13] “No Novo Testamento, a autoridade máxima legitimadora para Jesus Cristo é o próprio Deus, vindicando e exaltando Jesus pela ressurreição e, com isso, retrospectivamente validando seu ministério”, interpreta McGrath[14]

7) O Triunfo de Deus: A ressurreição de Cristo assinala a vitória de Deus sobre o pecado, a morte e Satanás. Pelo pecado entrou a morte no mundo. A vitória sobre a morte deveria ser concretizada por meio de um homem que morresse e ressuscitasse (Rm 5.12; 1Co 15.21).

          Cristo venceu a todos por nós, a fim de nos dar a vida eterna, a começar aqui, em liberdade (Jo 10.10). Por isso, o pecado já não mais nos domina (Rm 6.14/Jo 8.32-34). Satanás e seus demônios estão sob o domínio de Cristo (Ef 1.20-22/Hb 2.14); e a morte foi transformada, significando, agora, não mais o fim, mas sim, o ingresso na eternidade (2Tm 1.10).[15]

  Maringá, 15 de janeiro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele” (Rm 6.9).

[2]“13 Naquele mesmo dia, dois deles estavam de caminho para uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios. 14 E iam conversando a respeito de todas as coisas sucedidas. 15 Aconteceu que, enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e ia com eles. 16 Os seus olhos, porém, estavam como que impedidos de o reconhecer. 28 Quando se aproximavam da aldeia para onde iam, fez ele menção de passar adiante. 29 Mas eles o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina. E entrou para ficar com eles. 30 E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu; 31 então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele desapareceu da presença deles. 32 E disseram um ao outro: Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras? 33 E, na mesma hora, levantando-se, voltaram para Jerusalém, onde acharam reunidos os onze e outros com eles, 36 Falavam ainda estas coisas quando Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: Paz seja convosco! 37 Eles, porém, surpresos e atemorizados, acreditavam estarem vendo um espírito. 38 Mas ele lhes disse: Por que estais perturbados? E por que sobem dúvidas ao vosso coração? 39 Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. 40 Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. 41 E, por não acreditarem eles ainda, por causa da alegria, e estando admirados, Jesus lhes disse: Tendes aqui alguma coisa que comer? 42 Então, lhe apresentaram um pedaço de peixe assado e um favo de mel. 43 E ele comeu na presença deles” (Lc 24.13-16, 28-33, 36-43).

[3]“E eis que Jesus veio ao encontro delas e disse: Salve! E elas, aproximando-se, abraçaram-lhe os pés e o adoraram. Então, Jesus lhes disse: Não temais! Ide avisar a meus irmãos que se dirijam à Galiléia e lá me verão” (Mt 28.9-10).

[4] Veja-se boa discussão sobre este ponto em Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, p. 510-513.

[5]“Sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele” (Rm 6.9). “E manifestada, agora, pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho(2Tm 1.10). Quando o vi, caí a seus pés como morto. Porém ele pôs sobre mim a mão direita, dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno(Ap 1.17-18).

[6] Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 953. Veja-se: H. Bavinck, Teologia Sistemática, p. 402-403. Berkhof comenta: “Sua ressurreição (…) consistiu em que nele a natureza humana, o corpo e a alma, foi restaurada à sua prístina força e perfeição e até mesmo elevada a um nível superior, enquanto que o corpo e a alma foram reunidos num organismo vivo” (Louis Berkhof. Teologia Sistemática, p. 347).

[7]Porque, de fato, foi crucificado em fraqueza; contudo, vive pelo poder de Deus. Porque nós também somos fracos nele, mas viveremos, com ele, para vós outros pelo poder de Deus” (2Co 13.4).

[8]44 A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. 45 Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; 46 e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia” (Lc 24.44-46). 32 Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais, 33 como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. 34 E, que Deus o ressuscitou dentre os mortos para que jamais voltasse à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei a vosso favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi. 35 Por isso, também diz em outro Salmo: Não permitirás que o teu Santo veja corrupção. 36 Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção. 37 Porém aquele a quem Deus ressuscitou não viu corrupção” (At 13.32-37).

[9]“Ele não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos de como vos preveniu, estando ainda na Galiléia, quando disse: Importa que o Filho do Homem seja entregue nas mãos de pecadores, e seja crucificado, e ressuscite no terceiro dia. Então, se lembraram das suas palavras” (Lc 24.6-8).

[10] H. Bavinck, Teologia Sistemática, p. 404.

[11]“E foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1.4).

[12]Louis Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 350; Veja-se também: Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, p. 514-515.

[13] Ver: H. Bavinck, Teologia Sistemática, p. 404-405.

[14] Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo,  São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 25.

[15]“E manifestada, agora, pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho” (2Tm 1.10).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *