Uma oração intercessória pela Igreja (87)

       7.4.1.2. O privilégio e a responsabilidade dos que pregam (Continuação)

            “O reino é de todo obra de Deus ainda quando opera em e através dos homens”, enfatiza Ladd (1911-1982).[1]

            Percebamos então a grandeza do Evangelho, a responsabilidade e a necessidade de humildade e senso de privilégio daquele que o proclama. Desse modo, exorta Calvino: “Quando subimos ao púlpito, não é para trazer nossos sonhos e fantasias”.[2] Deus como Autor do Evangelho e da pregação, deseja falar e ser ouvido por intermédio de seus servos. Ele amorosamente fala nos atraindo para si.

            A igreja deve ter sensibilidade para com isso. Por intermédio da pregação fiel, é Deus mesmo quem fala, conforme enfatiza Calvino em lugares diferentes:

Isso deve acrescer em grande medida o nosso respeito pelo Evangelho, visto que devemos pensar dele não tanto em virtude dos homens, propriamente ditos, mas de Cristo mesmo, falando por meio dos lábios deles. Ao mesmo tempo quando prometeu que declararia o Nome de Deus aos homens, havia deixado de estar no mundo; e, todavia, não se desincumbira desse ofício em vão. E na verdade Ele o tem cumprido através de seus discípulos.[3]

Assim que ouvimos o Evangelho pregado pelos homens, devemos considerar que não é propriamente eles quem falam, mas é Cristo quem fala por meio deles. E essa é uma vantagem singular, a saber, que Cristo amorosamente nos atrai para si por meio de sua própria voz, para que de forma alguma duvidemos da majestade de Seu reino.[4]

            O Evangelho é a publicação da graça plenificada em Cristo. Em Cristo temos a suma do Evangelho. A revelação aberta de Deus.[5]Portanto, crer no Evangelho significa consentir com a mensagem revelada de Deus.[6]

            Por sua vez, diz o Senhor Jesus: “Quem me rejeita (a)qete/w) (negar,[7]aniquilar,[8] anular,[9] revogar)[10] e não recebe (lamba/nw) as minhas palavras tem quem o julgue; a própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia”(Jo 12.48).

            A rejeição a Cristo já estabelece o julgamento. O não receber envolve o receber outra palavra, outra direção oposta. Não há sínteses possíveis aqui.

            Quem rejeita o Filho, do mesmo modo, renega o Pai: “Quem vos der ouvidos ouve-me a mim; e quem vos rejeitar (a)qete/w) a mim me rejeita (a)qete/w); quem, porém, me rejeitar (a)qete/w) rejeita (a)qete/w) aquele que me enviou” (Lc 10.16).

            Os discípulos por crerem no Filho creram também no Pai. Eles receberam o Enviado e quem o enviou. Em Jesus vemos o Pai em sua manifestação máxima. O próprio Senhor afirma: “Quem vos der ouvidos ouve-me a mim; e quem vos rejeitar a mim me rejeita; quem, porém, me rejeitar rejeita aquele que me enviou (a)poste/llw) Lc 10.16).

            Paulo, consciente da procedência de sua mensagem e da sua honestidade para com a mensagem recebida, insiste no ponto de que rejeitar a mensagem por ele anunciada, é o mesmo que rejeitar a Deus, o seu Autor (1Ts 2.13-14; 4.8);[11] ela deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós.[12]

            O pregador, portanto, leal ao seu Senhor, torna-se servo do texto, sem nada acrescentar ou diminuir. Não podemos tornar o texto em mero pretexto para expor nossas opiniões e conceitos, valendo-nos do texto apenas para conferir certa autoridade às nossas ideias.[13]

            A convocação é de Deus, não nossa. A autoridade de quem prega é decorrente da Palavra de Deus. “Sendo verdadeiro para com a Palavra pura, ele [Ministro] é tudo; sem ela, é nada. Essa é a responsabilidade do pregador”, afirma Kuyper.[14]

            Lawson enfatiza:

É importante reconhecer que, em última análise, a resposta dos ouvintes a uma mensagem reflete a atitude deles para com aquele que enviou a mensagem e não para com o próprio mensageiro. Sob nenhuma circunstância, um arauto pode mudar a sua mensagem para conseguir uma resposta melhor. Ele também não pode negociar a mensagem para torná-la mais agradável.[15]

Maringá, 03 de julho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]G.E. Ladd, Reino de Deus: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia, Michigan: TELL., 1985, p. 450b.

[2] John Calvin, Sermon Dt 1.16-18 (Sermão 4): In: Herman J. Selderhuis, ed. Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 25), col. 646.

[3]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 2.11), p. 68.

[4]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 2.7), p. 67. “O cristianismo é, essencialmente, uma religião da Palavra de Deus. Nenhuma tentativa de entender o cristianismo pode ser bem sucedida se deixa despercebida o nega a verdade de que o Deus vivo tomou a iniciativa de se revelar de modo salvífico à humanidade caída; ou que a Sua revelação de Si mesmo foi dada pelo meio mais direto de comunicação que nos é conhecido, a saber, por uma palavra ou palavras; ou que conclama aos que escutaram Sua Palavra a transmiti-la aos outros” (John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 15).

[5]Veja-se: João Calvino, Exposição de Segundo Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 3.18), p. 78.

[6] Veja-se: João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.32), p. 147.

[7] Mc 6.26.

[8] 1Co 1.19.

[9] Gl 2.21; 1Tm 5.12.

[10] Gl 3.15.

[11] “Dessarte, quem rejeita (a)qete/w) estas coisas não rejeita (a)qete/w) o homem, e sim a Deus, que também vos dá o seu Espírito Santo” (1Ts 4.8).

[12] Veja-se: J. Calvino, As Institutas, I.9.3. “Quando os homens falam, não o devem fazer em seus próprios nomes, nem formular nada que seja de sua vã imaginação e de seu cérebro, mas têm que fielmente apresentar aquilo que Deus lhes determinou e deu em incumbência. (…) Se alguém se introduz para falar no próprio nome, nada há nesse, senão precipitação, pois toma sobre si o que pertence a Deus somente” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 25).

[13] “Pregadores são chamados a pregar a Palavra de Deus sem filtrá-la por noções politicamente corretas, sem diluí-las às ideias do próprio pregador e sem adaptá-las ao espírito de uma geração” (John F. MacArthur Jr., Porque ainda prego a Bíblia após quarenta anos de ministério: In: Albert Mohler, et. al., A Pregação da Cruz, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 132).

[14]Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 357.

[15]Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 70.

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