Uma oração intercessória pela Igreja (80)

                            7.3.2. Revelação e pleno conhecimento de Deus (17) (Continuação) 

            Calvino insiste no fato de que é o Espírito de Deus quem grava a Lei de Deus em nossos corações[1] nos ensinando por meio das Escrituras.[2] A  Palavra é “a escola do Espírito Santo”,[3] que é a “escola de Cristo”,[4]  “escola do Senhor”,[5] “escola de Deus”,[6] “escola do Filho de Deus”,[7] “escola de nosso Senhor Jesus Cristo”,[8] “escola do Mestre celestial”;[9] “escola do céu”;[10] “escola da sabedoria perfeita”.[11]

            A Igreja, por sua vez, é a “escola de Deus”.[12] Deus é o Mestre com inigualável poder.[13] “O Filho de Deus é o nosso Mestre”.[14] O Espírito é o “Mestre”;[15] “o melhor Mestre”;[16] “ótimo Mestre”;[17] “bendito Mestre”;[18] é o “Mestre interior”,[19] “Mestre no íntimo”,[20] “Mestre ou  Catedrático (Doutor) da verdade”,[21] “O único mestre e diretor de todos os profetas”.[22]

            Continua: “Daí se segue que, enquanto não formos intimamente instruídos por Ele, o entendimento de todos nós é assenhoreado pela vaidade e falsidade”.[23]

              “O Espírito de Deus, de quem emana o ensino do evangelho, é o único genuíno intérprete para no-lo tornar acessível”.[24] A “docência de Deus” consiste em nos levar à Cristo.[25] A Palavra é, “mediante o Espírito, eficazmente impressa nos corações”.[26]

            Calvino nos fala do método de ensino usado por Deus:

O ensino externo será infrutífero e inútil se não for acompanhado pelo ensino do Espírito Santo. Portanto, Deus tem dois métodos de ensino: primeiro, ele nos faz ouvi-lo pelos lábios humanos; e, segundo, ele nos fala intimamente por seu Espírito; e ele faz isso ou no mesmo instante, ou em momentos distintos, conforme achar oportuno.[27]

            Pedro fala que este conhecimento de Deus aliado às diversas virtudes cristãs, não se torna inativo, antes frutuoso: “Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento(e)pi/gnwsij) de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Pe 1.8).

            Isto implica reafirmar que a nossa santidade passa necessariamente pelo conhecimento de Deus e, que a santificação tem não simplesmente um sentido subjetivo, mas, também, objetivo, em nossa vida prática.[28]

            Portanto, a santidade cristã, tendo como modelo a santidade perfeita de Deus,[29] evidencia-se em todas as nossas relações:

Segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento (a)nastrofh/), porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo. Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos (a)nastre/fw)[30] com temor durante o tempo da vossa peregrinação. (1Pe 1.15-17).

            Por isso, “a santificação pode ser chamada de coroa de realização do caráter humano”, conclui Schultz (1927-2003).[31]

Maringá, 27 de junho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Cf. João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 40.8), p. 228.“O ensino interno e eficaz do Espírito é um tesouro que lhes pertence de forma peculiar. (…) A voz de Deus, aliás, ressoa através do mundo inteiro; mas ela só penetra o coração dos santos, em favor de quem a salvação está ordenada” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 40.8), p. 229).

[2] Veja-se: João Calvino, AsInstitutas, I.9.3.

[3] J. Calvino, AsInstitutas, III.21.3; AsInstitutas, (1541), IV.12. Ainda que haja em autores antigos alusão aqui e ali a respeito deste ensinamento, Calvino foi de fato quem sistematizou e ampliou a doutrina concernente ao Espírito Santo. Warfield compreende que: “A doutrina da obra do Espírito Santo é um presente de João Calvino para a Igreja de Cristo. (…) Foi Calvino quem primeiro deu-lhes expressão sistemática ou apropriada, e foi tão somente por ele que eles chegaram a ser a propriedade garantida da Igreja de Cristo. Não existe nenhum fenômeno na história doutrinal mais extraordinário do que as ideias comumente concebidas como as contribuições feitas por João Calvino para o desenvolvimento da doutrina cristã” (B.B. Warfield, Notas Introdutórias à obra, Abraham Kuyper,  A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 35). Warfield cunhou a expressão dizendo que Calvino pode ser considerado “o teólogo do Espírito Santo” (B.B. Warfield, Calvin and Calvinism, Michigan: Baker Book House (The Work’s of Benjamin B. Warfield), 2000 (Reprinted), v. 5,  p.  21, 107;  B.B. Warfield, Calvin and Augustine (organizada por Samuel G. Craig), Philadelphia:  Presbyterian and Reformed,  ©1956, 1971, p. 487). Murray (1898-1974), não isoladamente, adota a mesma perspectiva, ao escrever: “Calvino tem sido corretamente chamado de o teólogo do Espírito Santo” (John Murray, Calvin as Theologian and Expositor: In: Collected Writings of John Murray, Cambridge: The Banner of Truth Trust © 1976, 2001 (Reprinted), v. 1, p. 311).  Calvino pode com razão ser chamado de o Teólogo da Palavra e do Espírito Santo. Schaff  (1819-1893) diz que a “teologia de Calvino está baseada sobre um perfeito conhecimento das Escrituras” (Philip Schaff, History of the Christian Church,Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 3, p. 261). (Vejam-se: João Calvino, AsInstitutas, I.7.4-5; I.9.3; Bernard Ramm, The Witness of the Spirit, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1959, p. 22-27; Hendriksus Berkhof, La Doctrina del Espiritu Santo, Buenos Aires: Junta de Publicaciones de las Iglesias Reformadas; Editorial La Aurora, (1969), p. 23; D.M. Lloyd-Jones, Deus o Espírito Santo,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1998, p. 13; I. John Hesselink, O Movimento Carismático e a Tradição Reformada. In: Donald K. McKim, ed. Grandes Temas da Teologia Reformada, São Paulo: Pendão Real, 1999,p. 339; Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo,São Paulo: Os Puritanos, 2000, p. 10).

[4]João Calvino, Efésios, (Ef 4.17), p. 133; João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, p. 27. Ainda que não se referindo sempre às Escrituras, Calvino usa a figura em outros lugares: Vejam-se: João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.40), p. 76; (Jo 3.1), p. 112; (Jo 3.3), p. 115; (Jo 4.16), p. 164; (Jo 4.19), p. 165; (Jo 4.25), p. 177; João Calvino, Sermões sobre Tito,  Brasília, DF.: Monergismo,  2019, (Tt 2.15-3.2), p. 206. (Edição do Kindle).

[5]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 1.17), p. 55; (1Co 3.3), p. 100; João Calvino, Beatitudes: Sermões sobre as Bem-Aventuranças, São Paulo: Fonte Editorial, 2008, p. 35; João Calvino, As Institutas, III.2.34; III.10.5; Sl 94.12; João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 68 (Edição do Kindle).

[6] João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 6.45), p. 280; (Jo 7.16), p. 313; v. 2, (Jo 14.25), p. 109. Vejam-se também: Ex 19.10; Dt 12.4; 31.12; Sl 25.14; 49.3; 73.2,17; 119.35, 163; João Calvino, Sermões sobre Tito,  Brasília, DF.: Monergismo,  2019,  p. 4;  (Tt 3.8-15), p. 249. (Edição do Kindle); João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 81, 196,199, 225, 270 (Edição do Kindle).

[7]John Calvin, To the Marchioness of Rothelin, “Letters,” John Calvin Collection,[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), 5 de fevereiro de 1558, nº 489; João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 104 (Edição do Kindle).

[8] João Calvino, Beatitudes: Sermões sobre as Bem-Aventuranças, São Paulo: Fonte Editorial, 2008, p. 36; João Calvino, Sermões sobre Tito,  Brasília, DF.: Monergismo,  2019,  (Tt 1.4-5), p. 50. (Edição do Kindle);  João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 145 (Edição do Kindle).

[9] John Calvin, Concerning the Eternal Predestination of God,  London: James Clark & Co., 1961, p. 161.

[10]John Calvin, John Calvin’s Commentary on the Bible (Active Index): Complete Bible Commentaries. Edição do Kindle. (Ex 31.18), Posição 20702 de 321073; (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 3, (Ex 31.18), p. 328). Witsius chama de “escola celestial” (Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020. (Locais do Kindle 263).

[11]John Calvin, John Calvin’s Commentary on the Bible (Active Index): Complete Bible Commentaries. Edição do Kindle. (Sl 119.142), Posição 65903 de 321073.

[12]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 5.7), p. 136; João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.2-7), p. 190; João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 23, 157. De forma comparativa, veja-se: João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 19, 81 (Edição do Kindle). 

[13]“Mestre tão poderoso quanto Deus” (João Calvino, Sermões sobre Tito, Brasília, DF.: Monergismo,  2019, (Tt 2.15-3.2), p. 209. (Edição do Kindle). O Senhor é o “Mestre da igreja” (João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 21 (Edição do Kindle).

[14] João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 172 (Edição do Kindle). “Jesus Cristo é o único Soberano e Mestre”. Designado pelo Pai como “principal e soberano Mestre sobre nós”; “Soberano e Mestre” que deve ser honrado. (João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 95 (Edição do Kindle).

[15]João Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 1.16), p. 58.

[16]João Calvino, AsInstitutas, IV.17.36. Calvino diz que quem rejeita o “magistério do Espírito”, é desvairado. (João Calvino, AsInstitutas, I.9.1).

[17]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 4 (IV.12), p. 24.

[18]João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.16), p. 41.

[19]João Calvino, AsInstitutas, II.2.20; III.1.4; III.2.34; IV.14.9. Witsius o denominaria de “professor das almas” (Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020. (Locais do Kindle 255).

[20] João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.25), p. 108; (Jo 16.13), p. 156.

[21] João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.17), p. 101. Veja-se também: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 2, (II.4), p. 89.  

[22]John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah,Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996,v. 8/3, (Is 48.16), p. 484.

[23]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.17), p. 101; João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.4), p. 89.

[24]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 2.14), p. 93. Lutero também escrevera: “O Espírito Santo é o escritor mais simples nos céus e na terra; portanto, suas palavras não podem ter mais do que um sentido simples, ao qual chamamos de sentido das escrituras ou sentido literal” (Apud F.W. Farrar, History of Interpretation, London: Macmillan and Co., 1886, p. 329).

[25] “A Igreja não pode ser restaurada de qualquer outra forma senão por Deus empreendendo o ofício de Mestre e conduzindo os crentes a si. O método de ensino, de que fala o profeta, não consiste meramente na voz externa, mas igualmente na operação secreta do Espírito Santo. Em suma, esta docência de Deus consiste na iluminação interior do coração” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 6.45), p. 278).

[26]João Calvino, As Institutas, I.9.3.

[27]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.25), p. 109.

[28] Ver: Joseph R. Schultz, Santificação: In: Carl F.H. Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 537.

[29] “O início mesmo da santificação é a doutrina da Pessoa e do Ser de Deus” (D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (Certeza Espiritual, v. 3), 2006, p. 99).

[30]Tanto o substantivo “procedimento” (a)nastrofh/) como o verbo (a)nastre/fw) têm o sentido literal de: “volta para trás”, “entornar”, “derrubar”. O sentido figurado, conforme emprega Pedro, é de “comportamento”, “condução”, “modo de vida”, “estilo de vida”, “conversação”, “conduta”, etc. Como o verbo e o substantivo são neutros, o adjetivo é que vai qualificar o procedimento.

[31]Joseph R. Schultz, Santificação: In: Carl F.H. Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, p. 538.

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