Uma oração intercessória pela Igreja (109)

        7.4.4.3. A superabundante graça manifestada para com a igreja

            Como não poderia deixar de ser, a graça de Deus é supremamente rica. Essa compreensão se torna mais evidente quando temos uma maior e mais profunda compreensão de nosso pecado e, portanto, do quanto necessitamos dela.

            Da mesma forma, quando nos vemos cercados, “sitiados” pelos nossos inimigos, podemos ter uma consciência mais concreta e palpável da grandeza da misericórdia de Deus (Sl 31.21),[1] ainda que em momentos anteriores tenhamos sido precipitados em nossos juízos e na verbalização dos mesmos, tendo agora, de modo envergonhado e, paradoxalmente, aliviado, que confessar: “Eu disse na minha pressa: estou excluído da tua presença. Não obstante, ouviste a minha súplice voz, quando clamei por teu socorro” (Sl 31.22).

            Frutos da graça

            Paulo, que conhecia bem o poder e os frutos da graça, fala dessa graça manifestada em Cristo Jesus para com os efésios, mortos em seus pecados, produzindo fé, os fazendo crer no Evangelho, recebendo vida (Ef 2.1-5,8).[2] Sumaria isso dizendo: “….A suprema (u(perba/llw) riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus” (Ef 2.7).

            A graça não deve terminar em nós, como receptores finais, mas, se manifesta também no ato de partilhar as necessidades dos irmãos da fé.

            Aos coríntios Paulo diz que as igrejas da Judéia rendem graças pela manifestação da graça de Deus na vida deles revelando-se em sua generosidade com seus irmãos da Judéia que estavam em grande aperto econômico: “….oram eles a vosso favor, com grande afeto, em virtude da superabundante (u(perba/llw) graça de Deus que há em vós” (2Co 9.14). A graça de Deus é uma das preciosas chaves que abrem as Escrituras e, também, a chave que escancara a porta de um coração alcançado por ela.

        7.4.4.4. O poder de Deus na sustentação de seus servos

             Antes de continuar a nossa exposição desejo pontuar algumas questões.

            Um dos aspectos fundamentais relacionados à essência do poder de Deus, é sua autonomia.[3] Somente em Deus há a autonomia total e absoluta. Somente Ele é um fim em si mesmo sem acréscimo ou diminuição do que é. Não há nada maior do que Deus e a sua glória. E mais: todo o poder procede de Deus, que é a sua fonte inesgotável. Não há nenhuma forma de poder fora ou independente de Deus.

            Spurgeon (1834-1892) enfatiza corretamente: “Deus é independente de tudo e de todos. Ele age de acordo com sua própria vontade. Quando Ele diz: ‘Eu farei’, o que quer que diga será feito. Deus é soberano, e sua vontade, não a vontade do homem, será feita”.[4]

            O poder de Deus é soberanamente livre. Deus é soberano em si mesmo. A onipotência faz parte da essência dele. Por isso mesmo, para Ele não há impossíveis.

            Pode fazer tudo como, quando e do modo que quiser

            Apesar de qualquer oposição, Ele executa o seu plano.[5]  

            Tudo o que Ele deseja, pode realizar (Mt 19.26; Jó 23.13[6]).[7] No entanto, Deus não precisa exercitar o seu poder para ser o que é. Não há em Deus um vácuo entre ato é potência. Ele pode fazer tudo o que desejar. Porém, não deseja tudo o que poderia fazer se assim o determinasse. A sua ação é determinada por seus sábios e voluntários decretos os quais, por sua vez, não estão sujeitos a conselhos ou pressões externas. Os seus decretos, além de eternos – portanto, antes da criação –, são consistentes consigo mesmo e uma expressão deliberativa de sua natureza.

            Deus realiza o que realiza porque, além de plenos poderes para fazê-lo, Ele age conforme a sua santa vontade e, quando for o caso, conforme as suas promessas.

            Declarar a liberdade soberana de Deus é reconhecer que Deus é Deus, contemplando-o na real esfera de sua natureza e revelação.[8]

            Ontologicamente Deus não precisa de nada fora de si mesmo. Ele se basta a si. Ele é “independente e verdadeiramente autopoderoso”, sintetiza Turretini (1623-1687).[9] A criação nada lhe acrescenta ou diminui. Nenhuma alteração ocorre no seu ser[10] que diminua ou aperfeiçoe a sua essência.

            Deus se apresenta nas Escrituras como de fato é, o Deus Todo-Poderoso (Onipotente), com capacidade para fazer todas as coisas conforme a sua vontade (Sl 115.3; 135.6; Is 46.10; Dn 4.35; Ef 1.11).[11]

            Ele pode fazer tudo o que quer ou venha a querer, da forma, no tempo e com o propósito que determinar.[12]

           Deus também se mostra coerente com as demais perfeições inerentes a Ele, ou seja: Deus exercita o seu poder em harmonia com todas as perfeições de sua natureza (2Tm 2.13).[13]

            A sua vontade é ética e santamente determinada. O poder de Deus se harmoniza perfeitamente com a sua vontade.[14] Em outras palavras: “A vontade de Deus é uma com seu ser, sua sabedoria, bondade e todas as suas outras perfeições”, pontua Bavinck.[15]

            Contudo, por graça, Ele se agencia também por intermédio das causas externas para concretizar o seu propósito. Por exemplo: Deus poderia, se quisesse e tivesse estabelecido, salvar a todos os homens independentemente da Palavra (Bíblia) e da fé em Cristo, entretanto, ele assim não faz. Esta não é a sua forma ordinária de agir porque sábia e livremente estabeleceu o critério de salvação, que é pela graça, sempre pela graça, que opera mediante a fé por meio da Palavra (Rm 10.17; Ef 2.8).[16] Deus sempre age de forma compatível com a sua perfeita justiça.[17]

            Bavinck (1854-1921), mais uma vez é-nos útil aqui ao escrever: “Sua vontade é idêntica ao seu ser, e a teoria do poder absoluto, que separa o poder de Deus de suas outras perfeições, é somente uma abstração vazia e impermissível”.[18]

Maringá, 31 de julho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Bendito seja o SENHOR, que engrandeceu a sua misericórdia para comigo, numa cidade sitiada! (Sl 31.21).

[2] “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2 nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3 entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. 4 Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, 5 e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos. (…) 8 Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.1-5,8).

[3] Sobre a soberania de Deus, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Soberania de Deus e a responsabilidade humana, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2016.

[4]C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 42-43.

[5] Ver: Herman Bavinck, Teologia Sistemática,Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 479-512.

[6]“Jesus, fitando neles o olhar, disse-lhes: Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível” (Mt 19.26). “Mas, se ele resolveu alguma coisa, quem o pode dissuadir? O que ele deseja, isso fará” (Jó 23.13).

[7] Stott (1921-2011) coloca nestes termos: “A liberdade de Deus é perfeita, no sentido de que Ele é livre para fazer absolutamente qualquer coisa que Ele queira”(John Stott, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo,São Paulo: ABU Editora, 1997, p. 58).

[8]Veja-se: A.W. Pink, Deus é Soberano, Atibaia, SP.: Editora Fiel, 1977, p. 19,21,138.

[9]François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 334. Do mesmo modo, veja-se também a p. 547. Veja-se o instrutivo e edificante capítulo de MacArthur: John F. MacArthur, Jr., Deus: face a face com Sua Majestade, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 91-107.

[10]Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 550.

[11] “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sl 135.6). “… O meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35). “Nele (Jesus Cristo), digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).

[12]Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 326-327.

[13] “Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2.13).

[14] “Deus tem poder para fazer tudo quanto Ele queira; e com certeza a pessoa que tenta separar o poder de Deus de Sua vontade, ou retratá-lo como incapaz de fazer o que Ele queira, o que o tal faz é simplesmente tentar rasgá-lo em pedaços” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3, (Sl 78.18), p. 212). (Veja-se também: João Calvino, As Institutas, Campinas, SP.; São Paulo: Luz para o Caminho; Casa Editora Presbiteriana, 1985-1989, III.23.2). “Quanto a nós, basta-nos lembrar apenas duas coisas importantes: de um lado, o direito de Deus é supremo e absoluto, e acima do qual não podemos pensar nem falar, e Ele pode fazer com o que é seu tudo quanto lhe apraz; de outro, Ele é sempre santo e agradável à natureza perfeitíssima de Deus, de modo que em seu uso Ele nada faz em oposição à sua sabedoria, bondade e santidade” (François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 336). Do mesmo modo, veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 247.

[15]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 247.

[16]“E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8).

[17]Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 36.5), p. 128.

[18]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 254.

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