Teologia da Evangelização (26)

2.4.3.2.2. Dulcíssimo e eterno fruto: A Graça e a Salvação

A graça é o começo da nossa fé; a paz é o fim da nossa fé. A graça é o manancial, a fonte, a origem. É aquele local particular da montanha do qual o caudaloso rio que vocês veem rolando para o mar começa a sua carreira; sem ela não haveria nada. A graça é a origem, a procedência e a fonte de tudo o que há na vida cristã. – D. M. Lloyd-Jones.[1]

Ao invés de ser um obstáculo para a evangelização, as doutrinas da graça constituem uma explosiva motivação para o testemunho cristão de Jesus Cristo. – Steven J. Lawson.[2]

  Calvino diz que a graça é um antídoto contra a corrupção de nossa natureza.[3] Em outro lugar: “O acesso à salvação a ninguém é vetado, por mais graves e ultrajantes sejam seus pecados”.[4] A nossa salvação é decorrente do Pacto da Graça, por meio do qual Deus confiou o seu povo ao seu Filho para que ele viesse entregar a sua vida por ele. Cristo deu a sua vida em favor de todos aqueles que o Pai lhe confiara na eternidade[5] (Is 42.6/2Tm 1.9; Jo 6.39;[6] 17.1,6-26). Assim, todos os homens – judeus e gentios – tanto no Antigo como no Novo Testamento foram salvos pela graça. Assim declara o apóstolo Pedro: “Mas cremos que fomos salvos pela graça do Senhor Jesus, como também aqueles o foram” (At 15.11).

            Mérito e graça são conceitos que se excluem: “E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rm 11.6). “A graça divina e o mérito das obras humanas são tão opostos entre si que, se estabelecermos um, destruiremos o outro”, conclui Calvino.[7] Portanto, continua: “Que se evapore, pois, o sonho daqueles que imaginam uma justiça mesclada de fé e abras”.[8] De fato, a graça tem sempre como pressuposto a indignidade daquele que a recebe.[9] A graça brilha nas trevas do pecado. Desta forma, a ideia de merecimento está totalmente excluída da salvação por graça (Ef 2.8,9; 2Tm 1.9).[10]

            Não há mérito humano na fé. É justamente, aqui, onde há certo incômodo para o ser humano. Apreciamos a graça. Contudo ela vai de encontro ao nosso orgulho e convencimento de merecimento. A salvação é pela graça. Esta realidade reconhece, portanto, a glória como sendo de Deus, não do homem.[11]

            No nosso íntimo, estamos convencidos de que merecemos, nem que seja a graça gratuita! Barth (1886-1968) coloca esta questão de forma elucidativa:

Nós não amamos viver pela graça; há sempre em nós alguma coisa que se insurge violentamente contra a graça. Nós não amamos receber a graça, nós amaríamos, no máximo, atribuí-la a nós mesmos. A vida humana é feita desse vai-e-vem entre o orgulho e o desespero, que apenas a fé pode eliminar. Se contar consigo mesmo, o homem não pode chegar a ela, uma vez que não podemos, nós mesmos, nos libertar do orgulho e da angústia. Se formos libertos é graças a uma ação que não depende de nós.[12]

            A Palavra de Deus nos ensina que a nossa salvação é por Deus, porque é ele quem faz tudo;[13] por isso, o homem não pode criar a graça, antes, ela lhe é outorgada, devendo ser recebida sem torná-la vã em sua vida (2Co 6.1; 8.1-3/1Co 15.10). “Uma manifestação mais intensa da graça de Deus para conosco equivale um maior peso de culpa sobre nós, se porventura viermos a desprezá-la”.[14]

            A graça de Deus abre o nosso coração, fazendo-nos ver a necessidade da salvação, passando a desejá-la ardentemente desde então;[15] a graça de Deus promove a paz em nosso coração por intermédio da nossa reconciliação com Deus (Rm 5.1; 2Co 5.18-21/Rm 1.7; 1Co 1.3; 2Co 1.2).[16] Em paz com Deus, somos agenciadores desta paz por meio da proclamação do evangelho (Sl 34.14; Mt 5.9; Rm 12.18; 2Co 13.11; Hb 12.14/2Co 5.20) e, também, por meio de nossa conduta. Agora vivemos na esfera do Reino da graça, estando sob a graça, em um estado de graça, em uma nova posição em Cristo (Rm 5.2; 6.14; Ef 1.20; 2.6; Cl 1.13).

            O Novo Testamento ensina claramente que a nossa salvação é resultado da graça de Deus; além desta declaração abrangente, podemos encontrar ainda nas páginas do Novo Testamento, a relação de vários elementos da “ordem da salvação”; ei-los:

                        Maringá, 30 de julho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] D. M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 35.

[2]  Steven J. Lawson, Fundamentos da Graça: 1.400 a.C. -100 d.C: longa linha de vultos piedosos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2012, v. 1, p. 666.

[3] João Calvino, Romanos,2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 3.4), p. 111.

[4] João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.15), p. 43.

[5]Veja-se: John Gill, A Complete Body of Doctrinal and Practical Divinity,Arkansas: The Baptist Standard Bearer, 1989 (Reprinted), I.13. p. 83.

[6] “Eu, o Senhor, te chamei em justiça, tomar-te-ei pela mão, e te guardarei, e te farei mediador da aliança com o povo e luz para os gentios” (Is 42.6). “Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9). “E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.39).

[7]João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 11.6), p. 388.

[8] João Calvino, As Institutas, III.11.13.

[9]Veja-se: A. Booth, Somente pela Graça,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 13.

[10]8Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; 9não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9). “Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9).

[11] Veja-se: James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 449-450.

[12] Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 23.

[13]Vejam-se: C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 12ss.; 45; D. M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, (Ef 5.27) p. 137; John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 98; R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo,Michigan: SLC., 1985, p. 169ss; 177ss.

[14]João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 4.9), p. 127.

[15] “A graça de Deus não só salva o homem: também mostra ao homem sua necessidade de ser salvo e introduz em seu coração o desejo de salvação” (W. Barclay, El Pensamiento de San Pablo,Buenos Aires: La Aurora, 1978, p. 164).

[16]Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; 2 por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus” (Rm 5.1-2).

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