Teologia da Evangelização (22)

Analisemos agora, alguns aspectos do poder de Deus:

2.4.3.1.1. Liberdade de Existência: Poder de Existência

Os homens, por mais poderosos que sejam, na realidade, estão poderosos em decorrência de alguma posição que ocupam, das riquezas e/ou prestígio que possuem, do sucesso de suas realizações ou até mesmo devido à proximidade com pessoas influentes que, por sua vez, se encaixam em alguma das colocações acima.[1]

            Porém, quando a Bíblia fala do poder soberano de Deus, ela se refere não a um estado determinado por fatores externos, tais como dinheiro, fama, prestígio etc., mas sim, à sua própria natureza. Deus não deriva o seu poder de nada além de si mesmo. Deus não simplesmente está poderoso: Ele é o próprio Poder. Por isso, se manifesta poderosamente: “Uma vez falou Deus, duas vezes ouvi isto: Que o poder pertence a Deus” (Sl 62.11).

            A Confissão de Fé de Westminster (1647)resume:

Deus tem em si mesmo, e de si mesmo, toda a vida, glória, bondade e bem-aventurança. Ele é todo suficiente em si e para si, pois não precisa das criaturas que trouxe à existência, não deriva delas glória alguma, mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas, para elas e sobre elas. Ele é a única origem de todo o ser; dele, por ele e para ele são todas as coisas e sobre elas tem ele soberano domínio para fazer com elas, para elas e sobre elas tudo quanto quiser (II.2).

            Deus é tão eterno quanto o seu poder. Ele sempre foi e será o que é, independentemente de qualquer elemento externo a Ele. Deus existe eternamente por si próprio.[2] “Somente em Deus a existência e a essência são uma coisa só”, interpreta Bavinck.[3]

            A existência de Deus é autoexistente por sua própria determinação. A vontade de Deus é o fundamento último de todas as coisas. Isto nos basta.[4] Somente Ele é absoluto e de fato, é o fim de todas as coisas.[5]

            Por isso que a Bíblia não tenta explicar a existência de Deus; ela parte apenas do fato consumado de que Deus existe, manifestando o seu poder em seus atos criativos (Gn 1.1).

            Portanto, as coisas são o que são porque Deus assim as criou. A realidade, como tudo, encontra sentido em Deus e nos Seus propósitos, visto que todas as coisas foram feitas por Ele e para Ele (Pv 16.4; Rm 11.36).

             Spurgeon comenta:

O poder de Deus é como Ele mesmo, autoexistente, autossustentado. O mais poderoso dos homens não pode acrescentar sequer uma sombra de poder ao Onipotente. Ele não se firma sobre nenhum trono reforçado; nem se apoia em nenhum braço ajudador. Sua corte não é mantida por Seus cortesãos, nem toma Ele emprestado das Suas criaturas o Seu esplendor. Ele próprio é a grande fonte central e o originador de toda energia.[6] (Vejam-se: Ex 3.14; At 17.25; 1Tm 6.15,16).

2.4.3.1.2. Liberdade de Decisão: Poder de Determinação

Pelo fato de Deus ser Todo-Poderoso, Ele pode determinar livremente as suas ações, o que de fato faz, manifestando tal poder nos seus decretos.[7] Deus eternamente tem diante de si uma infinidade de possibilidades de “decisões” sobre todas as coisas; entretanto, Ele “decidiu”[8] fazer do modo como fez por seus próprios motivos, sem que haja a possibilidade de influência de ninguém, nem de anjos, nem de homens, visto que nenhum deles fora ainda criado e, também, porque Deus não necessita de conselhos (Is 40.13,14; Rm 11.33-36).[9] O plano de Deus é sempre o melhor, porque foi Ele quem sábia e livremente o escolheu!

            Deste modo, podemos dizer que as coisas que existem, existem por decisão de Deus, pois somente Ele como Criador que é,  pode também preservar todas as coisas.

            Bavinck (1854-1921), de forma sumária afirma: “Sem Ele, não há existência nem propriedade. Somente Ele tem autoridade absoluta. Sempre e em toda parte Ele decide”.[10]

2.4.3.1.3. Liberdade de Execução: Poder Executivo

Sem esta capacidade Deus não seria Deus. De que adiantaria poder deliberar “projetos” sem ter poder para executá-los? De que serviria ser misericordioso  se não pudesse exercer misericórdia? No máximo poderia demonstrar a sua sabedoria, bondade e ótimos projetos, no entanto, grande parte frustrados por não conseguir levar adiante o que planejou. Podemos até imaginar um Deus amargo por ver a situação do homem e, ao mesmo tempo nada poder fazer ainda que tivesse a solução, mas, não dispunha de recursos para executá-la. Seus propósitos eternos, portanto, seria inúteis e meros sentimentos bem intencionados.

            A Escritura, no entanto, demonstra que Deus executa o Seu plano por intermédio do Seu poder, conforme a Sua vontade (Mt 8.2; Jr 32.17).[11] Não podemos marcar hora e lugar para Deus fazer isto ou aquilo. Deus opera como e quando quer, dentro de Suas próprias deliberações. Deus age sempre conforme o Seu Decreto, não dependendo de nenhum meio externo para realizá-lo, a menos que Ele assim O determine.  Ele é o incansável Todo-Poderoso. Escreve Isaías:   “Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos fins da terra, nem se cansa, nem se fatiga?….” (Is 40.28).

            Ontologicamente Deus não precisa de nada fora de si mesmo. Ele se basta a si. Ele é “independente e verdadeiramente autopoderoso”, sintetiza Turretini (1623-1687).[12] A criação nada lhe acrescenta ou diminui. Nenhuma alteração ocorre no seu ser[13] que diminua ou aperfeiçoe a sua essência.

            O prazer e a suficiência de Deus estão nele mesmo. Deus não precisa de meios para executar o que quer.

             “Esta simples ideia da onipotência de Deus, de que Ele pode fazer sem esforço, mediante volição, tudo o que quer, é a ideia de poder mais elevada e mais claramente apresentada nas Escrituras”, comenta Hodge.[14] Contudo, por graça, Ele se agencia também por intermédio das causas externas para concretizar o seu propósito.

            Por exemplo: Deus poderia, se quisesse e tivesse estabelecido, salvar a todos os homens independentemente da Palavra (Bíblia) e da fé em Cristo, entretanto, ele assim não faz. Esta não é a sua forma ordinária de agir porque sábia e livremente estabeleceu o critério de salvação, que é pela graça, sempre pela graça, que opera mediante a fé por meio da Palavra (Rm 10.17; Ef 2.8).[15] Deus sempre age de forma compatível com a sua perfeita justiça.[16]

Deus sempre age de forma compatível com a sua perfeita justiça.[17] Bavinck (1854-1921), mais uma vez é-nos útil aqui ao escrever: “Sua vontade é idêntica ao seu ser, e a teoria do poder absoluto, que separa o poder de Deus de suas outras perfeições, é somente uma abstração vazia e impermissível”.[18]

       Jesus Cristo se encarnou a fim de que Deus pudesse ser justo, e ao mesmo tempo o justificador daqueles que confiam nele para salvação (Rm3.26).19] Portanto, para nós que cremos, Ele se tornou justiça, santificação e redenção (1Co1.30).[20]

            Deste modo, sem a graça de Deus, amparada no sacrifício de Cristo,[21] ninguém será salvo!

            Deus tem poder para executar toda a sua deliberação.[22] Ele é o Todo-Poderoso (Gn 17.1)[23] e nenhum dos Seus planos pode ser frustrado (Jó 42.2).[24] Ele determinando, quem o impedirá?

            A Palavra de Deus é poderosa no cumprimento do que Deus Se propôs (Is 55.11),[25] porque provém do Deus onipotente:

Jurou o SENHOR dos Exércitos, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e, como determinei, assim se efetuará. Quebrantarei a Assíria na minha terra e nas minhas montanhas a pisarei, para que o seu jugo se aparte de Israel, e a sua carga se desvie dos ombros dele. Este é o desígnio que se formou concernente a toda a terra; e esta é a mão que está estendida sobre todas as nações. Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem, pois, o invalidará? A sua mão está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás? (Is 14.24-27).

            Agostinho (354-430), resume: “(…) A vontade de Deus (…) é (…) a natureza de cada coisa criada”.[26] Inspirado em Agostinho, Bavinck afirma: “A vontade de Deus é o fundamento final de todas as coisas”.[27]

Maringá, 30 de julho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]T. Hobbes, O Leviatã, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 14), 1974, I.x, p. 57ss, fala sobre algumas formas de poder humano.

[2] Veja-se uma boa discussão sobre isso em R.C. Sproul, Razão para crer, São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p. 80-83.

[3]Herman Bavinck, Dogmática Reformada:  Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 246.

[4] Veja-se: João Calvino, As Institutas, III.23.2.

[5]“Nada, exceto Deus mesmo, é um fim em si mesmo” (John Piper, Pense – A Vida da Mente e o Amor de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 41).

[6]C.H. Spurgeon, Apud A.W. Pink, Os Atributos de Deus,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 48.

[7]Veja-se: Confissão de Westminster(1647), Capítulo III.

[8] Reconheço que a palavra decisão não é a melhor, pois, pressupõe a  ideia de algo anterior à decisão; no entanto, não disponho de outra melhor. A ideia é que eternamente Deus sempre teve diante de Si as escolhas e eternamente as fez livre e soberanamente. (Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 246).

[9]33Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!  34 Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro?  35 Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído?  36 Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.33-36).

[10] Herman Bavinck, Dogmática Reformada:  Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 235.

[11]“E eis que um leproso, tendo-se aproximado, adorou-o, dizendo: Senhor, se quiseres, podes purificar-me” (Mt 8.2). “Ah! SENHOR Deus, eis que fizeste os céus e a terra com o teu grande poder e com o teu braço estendido; coisa alguma te é demasiadamente maravilhosa” (Jr 32.17).

[12]François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 334. Do mesmo modo, veja-se também a p. 547. Veja-se o instrutivo e edificante capítulo de MacArthur: John F. MacArthur, Jr., Deus: face a face com Sua Majestade, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 91-107.

[13]Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 550.

[14]Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 307.

[15]“E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8).

[16]Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 36.5), p. 128.

[17]Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 36.5), p. 128.

[18]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 254.

[19] “Tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26).

[20] “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1Co 1.30).

[21]“Devemos buscar refúgio na graciosa promessa da misericórdia que nos é oferecida em Cristo, para que saibamos com certeza que somos considerados justos aos olhos de Deus” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.4), p. 131). “A maior desonra que alguém poderia lançar sobre Seu nome é a de contestar Sua justiça” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 50.21), p. 417). “Deus, que é justo, pode perdoar pecado porque Ele já puniu o pecado na Pessoa de Seu unigênito Filho. (…) Deus proclama Sua eterna justiça e ainda pode perdoar os pecados daqueles que creem em Jesus – eis uma terribilíssima, uma profundíssima declaração” (D.M. Lloyd-Jones, Deus o Pai, Deus o Filho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997 (Grandes Doutrinas Bíblicas, v. 1), p. 420). (Vejam-se também: Confissão de Westminster, (1647), VIII.1,5,8; Catecismo Maior de Westminster, Perguntas: 36,37 e 59; J. Calvino, As Institutas, II.17.1ss.).

[22] “O poder de Deus é a sua capacidade de fazer aquilo que deseja e determina que aconteça, seja na área física, moral ou espiritual. É a capacidade de ação onipotente que esteja de acordo com a Sua vontade” (Heber Carlos de Campos, O Ser de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 384).

[23]“Quando atingiu Abrão a idade de noventa e nove anos, apareceu-lhe o SENHOR e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito” (Gn 17.1).

[24]“Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2).

[25]“Assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei” (Is 55.11).

[26]Agostinho, A Cidade de Deus contra os pagãos, 2.ed. Petrópolis, RJ.;  São Paulo: Vozes;  Federação Agostiniana Brasileira, 1990, v. 2, 21.8, p. 495. Veja-se também: Agostinho, A Trindade, São Paulo: Paulus, 1994, III. 6-9.

[27] Herman Bavinck, Dogmática Reformada:  Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 240.

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