Teologia da Evangelização (185)

m) Não deturpá-lo, apresentando todo o desígnio de Deus.

Somos chamados a apresentar todo o conselho de Deus revelado nas Escrituras, não simplesmente aquilo que mais nos agrada.

            Creio que todos temos as nossas predileções: temas que nos agradam, estudamos mais, temos maior facilidade ou, simplesmente, os julgamos mais relevantes para ensinar à igreja.

            Paulo descreve aos presbíteros que conviveram com ele qual foi o conteúdo de sua pregação: “…. jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27). (Ver: Gl 1.6,7; 2Co 4.1,2). O compromisso de Deus é com a sua Palavra não com a nossa teologia e interpretações.

            O apóstolo havia concluído o seu ministério presencial entre os efésios. Ele se esforçou por apresentar todo o desígnio de Deus. Isso envolveu um processo metodológico (uso do tempo e demais recursos) imenso. Porém, mais do que isso, significa um ensino equilibrado de toda a Escritura, sem perder de vista as necessidades locais da comunidade.

            É sempre perigoso nos tornar cativos de nossas predileções doutrinárias ou de determinadas ênfases relacionadas aos usos e costumes. Creio que a pregação expositiva das Escrituras, entre outras virtudes, nos previne de algumas dessas armadilhas.

            A pregação expositiva, especialmente a que cobre todo o livro da Escritura, é a que mais se adéqua ao propósito de anunciar todo o desígnio de Deus, nos afastando do perigo de proclamarmos apenas partes seletivas que mais apreciamos deixando de apresentar a Escritura em sua extensão e profundidade. “Grandes trechos da Bíblia nunca serão tocados, a menos que a disciplina da pregação expositiva sequencial  force o pregador a usar esse modo”, nos alerta Derek Thomas.[1]

             A forma ordinária da qual Deus se vale para edificar a sua igreja é por meio da Palavra. Ele nos regenera (1Pe 1.23); chama (Rm 10.17),edifica e santifica (Jo 17.17) pela Palavra. Portanto, ela deve ser anunciada com integridade, abrangência e perseverança.

            Paulo não se deteve em sabedoria humana, em debates frívolos ou em exibicionismo de saber, antes anunciou o evangelho da graça de Deus (At 20.24).

            Por isso, quando se despede, prevê as dificuldades que viriam, surgidas muitas delas dentro da própria igreja,[2] até mesmo, é possível, da parte de presbíteros (At 20.29-30). [3] No entanto, ele não estabelece nenhum método mirabolante, antes os orienta a ficarem atentos – contínua e perseverantemente[4] – e os encomenda à Palavra (At 20.31-32). [5] Demonstra também a necessidade de autovigilância (At 20.28).

            Stott (1921-2011) comenta:

Notamos que os pastores efésios devem primeiro vigiar a si mesmos, e só depois ao rebanho que lhes foi confiado pelo Espírito Santo. Pois eles não podem dar um cuidado adequado aos outros se negligenciarem o cuidado e a instrução de suas próprias almas.[6]

            A Palavra de Deus é um antídoto contra os lobos vorazes que desejam se apossar do rebanho e contra os homens pervertidos que procuram corromper o povo de Deus.

            A Palavra é poderosa para nos edificar e santificar. Por isso, caberia àqueles presbíteros, pregar a Palavra, assim como Paulo o fizera. A igreja é o produto do evangelho e, ao mesmo tempo o seu agente, tendo como conteúdo, a graça e a justiça de Deus manifestas em Cristo.

            Em Corinto, a despeito de grupos na igreja desejarem moldar o evangelho às suas preferências e gostos pessoais, o apóstolo Paulo continuava firme, sem tergiversar em sua mensagem:

22Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; 23mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios. (…) 4A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, 5para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana; e, sim, no poder de Deus (1Co 1.22-23; 2.4-5).

            Deus fornece-nos todos os meios para o nosso crescimento. Precisamos, portanto, aprender na própria Palavra, a nos valer desses meios:

            Pedro instrui à igreja:

Pelo seu divino poder nos têm sido doadas todas as cousas que nos conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas para que por elas vos torneis coparticipantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo. (2Pe 1.3-4).

O método escolhido por Deus para edificar e preservar a sua Igreja é a pregação da Palavra. Paulo é enfático: Aprouve (eu)doke/w) [7]a Deus salvar aos que creem, pela loucura da pregação” (1Co 1.21).

            Ao longo da História o Espírito tem estabelecido a igreja, chamando por meio da Palavra os homens para constituírem a Igreja de Deus.“Do mesmo modo que o Espírito Santo formou o corpo físico de Jesus Cristo na encarnação, assim também forma o corpo místico de Jesus Cristo, ou seja, a igreja”, interpreta Palmer 1922-1980).[8]

            A Igreja de Deus está historicamente sendo formada e aperfeiçoada. Por isso, ela não ainda não é perfeita, mas, está sendo lapidada pelo próprio Trino Deus: 21no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, 22no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito” (Ef 2.21-22).

Maringá, 04 de março de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Derek Thomas, A Pregação Expositiva: Mantendo os olhos no texto: In: R. Albert Mohler, Jr., Apascenta o meu rebanho: um apaixonado apelo em favor da pregação, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 59. Veja a aplicação muito interessante de Mohler (R. Albert Mohler, Jr., A Primazia da Pregação: In: R. Albert Mohler, Jr., et. al. Apascenta o meu rebanho: um apaixonado apelo em favor da pregação,  São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 27-28).

[2]“Se existe algo que a história nos ensina, este ensino é que os ataques mais devastadores desfechados contra a fé sempre começaram com erros sutis surgidos dentro da própria igreja” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho,São José dos Campos, SP.: Fiel, 1997, p. 11).

[3] 1Tm 1.3; 2Tm 1.15; Ap 2.1-7.

[4] O presente imperativo do verbo (grhgore/w) (de onde vem Gregório), vigiar, ficar acordado, desperto, indica uma vigilância contínua e perseverante.

[5] “Grande prudência é requerida daqueles que têm a incumbência da segurança de todos; e grande diligência, daqueles que têm o dever de manter vigilância, dia e noite, para a preservação de toda a comunidade” (João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 12.8), p. 434).

[6] John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: Até os confins da terra,São Paulo: ABU, (A Bíblia Fala Hoje), 1994, (At 20.28-35), p. 369.

[7] Deus fez esta escolha com prazer. Eu)doki/a: “Boa vontade”, “favor”, “beneplácito”. Enfatiza a liberdade do propósito de Deus e o deleite – ainda que não necessário –, que acompanha o Seu propósito. Deus é Quem “escolhe” o que quer e se agrada em cumprir o seu plano(Mt 11.26; Lc 2.14; Ef 1.5,9).

[8]Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, [s.d.], Edição Revista, p. 198.

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