Teologia da Evangelização (163)

4.3.7. O reto juízo de Deus por meio de Cristo (Continuação)

Juízo eterno

          O direito de Deus agir como juiz é estabelecido por Ele mesmo. Foi Deus mesmo quem “erigiu” o seu trono para julgar. Ele mesmo preserva. O seu trono é um símbolo que expressa o seu autopoder.

          O mesmo Deus que estabeleceu as estrelas nos céus (Sl 8.3);[1] os céus[2] e a Terra,[3] firmou o seu trono nos céus (Sl 103.9).[4]

           O seu juízo permanece para sempre: “Mas o SENHOR permanece no seu trono eternamente (~l’A[) (olam), trono que erigiu (!WK) (kun) para julgar (jP’v.mi) (mishpat)(Sl 9.7). 

          Os juízos de Deus por serem verdadeiros, fundamentando-se na verdade que emana do próprio Deus, duram para sempre: “As tuas palavras são em tudo verdade desde o princípio, e cada um dos teus justos (qd,c) (tsedeq) juízos (jP’v.mi) (mishpat) dura para sempre (~l’A[) (‘olam) (Sl 119.160).

          Deste modo, o que quero destacar, é que o juízo de Deus, tanto no aspecto deliberativo como executivo, permanece para sempre. Ele faz cumprir o que deliberou. Ele tem total autonomia e poder para assim proceder. Não existe grau de recurso além dele mesmo. [5] Não há impedimento algum.

          Barnes (1798-1870) comenta:

Deus é soberano. Seu trono é fixo e firme. Seu domínio não é vacilante nem mutável. Seu reinado não é como o reinado dos monarcas terrenos, que depende do capricho de uma vontade mutável, ou de paixão; não está sujeito a ser alterado pela morte, por revolução ou por nova dinastia. O trono de Deus é sempre o mesmo, e nada o pode abalar nem derrubar. (…) Ele reina sobre todo o universo – os céus e a terra; por isso pode executar todos os seus propósitos.[6]

          Desta forma podemos descansar confiantes em seu cuidado e proteção. O salmista tem essa certeza: “Pois o necessitado não será para sempre esquecido, e a esperança dos aflitos não se há de frustrar perpetuamente (d[;)(‘ad) (Sl 9.18).

          Passando por tremenda crise, estando cercado pelos seus inimigos e diante de conselhos que lhes parecem contraditórios, Davi recorre à sua convicção a respeito de Deus. Deus é justo:    “Porque o SENHOR é justo, ele ama a justiça; os retos lhe contemplarão a face”(Sl 11.7).

          Se Deus é santo, soberano e justo, devo confiar inteiramente na vitória final da justiça de Deus. Davi está convencido da justiça e legitimidade de sua causa, por isso, invoca ao Deus justo.

          De fato, quem melhor do que Deus para julgar a sua causa?

          A justiça da terra pode ser subvertida, manobras podem ser feitas, pessoas podem ser subornadas, outras podem fazer “vista grossa”, no entanto, a justiça eterna de Deus permanece; ela não foi nem será extirpada de seu trono no céu (Sl 11.4).[7]

          Pode haver justiça sem santidade, porém, não pode haver santidade sem justiça. Contudo, a justiça pode ser apenas ideal, mas, não real pela impossibilidade de aplicá-la; por nos faltarem os meios.

          Em Deus temos a harmonia perfeita entre santidade, poder e justiça. Deus é santo e tem todo o poder para agir conforme a sua justiça, sendo Deus mesmo justo, Aquele que ama a justiça, o padrão de toda justiça. Deus age sempre em retidão.

          Davi escreve extasiado com as manifestações das perfeições de Deus: “A tua justiça é como as montanhas de Deus; os teus juízos, como um abismo profundo. Tu, SENHOR, preservas os homens e os animais” (Sl 36.6).

          É necessário que não nos precipitemos. Os juízos de Deus ultrapassam em muito o nosso discernimento imediato. Ele, no entanto, que é Rei, julga para sempre, com justiça e sabedoria, tendo em vista a sua glória e a felicidade de seu povo.

Justo e compassivo

          “Pois o SENHOR julga (!yDI) (din) (administra[8]) ao seu povo e se compadece  (~x;n”) (nacham) (consolar,[9] confortar,[10] ter compaixão[11]) dos seus servos” (Sl 135.14).

               “O SENHOR é reto. Ele é a minha rocha, e nele não há injustiça” (Sl 92.15), exulta o salmista.

               No reto juízo de Deus haverá sempre misericórdia. Deus é justo e misericordioso. Não há incompatibilidade nos atributos de Deus. Eles são perfeitos porque Deus é prefeito. Somente na perfeição transcendente de Deus há verdadeira harmonia entre o que nos parece irreconciliável.  Os nossos critérios de perfeição são sempre rotos visto que o imperfeito não pode criar e avaliar o perfeito e, mesmo que o tivesse diante de si, não teria parâmetros provenientes de si mesmo para identificá-lo com certeza.

          Na justiça de Deus encontramos o amor provedor do Senhor. Portanto, não tentemos ser mais justos do que Deus, nós que julgamos com passionalidade ainda que tentemos ser “objetivos”. Somos pecadores e limitados; não nos esqueçamos disso.

          A despeito da grande ênfase bíblica concernente ao juízo de Deus, este tema parece distante da pregação moderna. Não podemos nos esquecer que o anúncio do juízo divino faz parte essencial do Evangelho proclamado no Novo Testamento.[12]

          O Evangelho não é uma mensagem adocicada conforme o paladar de seus ouvintes, antes, apresenta uma palavra escatológica na qual o misericordioso Jesus Cristo é, também, o Senhor do juízo. Omitir este ponto significa anunciar qualquer coisa, menos o Evangelho bíblico.

          Pedro quando vai à Cesaréia anunciar o Evangelho ao centurião Cornélio, durante a sua exposição, diz que Jesus, depois da ressurreição, “nos mandou pregar (khru/ssw) ao povo e testificar (diamartu/romai) que ele é quem foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos (At 10.42). (Destaques meus).

          Paulo, pregando em Atenas (At 17.18), no Areópago, declara que Deus “estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (At 17.31). Da mesma forma, Lucas registra que diante de Félix, Paulo falando a respeito da fé em Cristo, dissertava“acerca da justiça, do domínio próprio e do juízo vindouro” (At 24.25).

          Como o Senhor é Rei, o seu juízo é um direito. Mais: Como o reinado de Deus faz parte do Evangelho, o seu juízo também deve fazer.

          A doutrina do inferno certamente não é ponto central da pregação do Evangelho, no entanto, ela não pode ser esquecida ou simplesmente ocultada em nome de uma missão “politicamente correta”. Sem dúvida ela faz parte da Boa Nova. Há salvação para os que crerem em Cristo. Esta boa notícia, traz em seu bojo a afirmação de que a sua rejeição implica em morte e morte eterna. A doutrina referente ao inferno não pode ser a grande motivadora de nossa pregação e vida, porém, ela, sem dúvida, faz parte do Conselho de Deus e isso, não gratuitamente ou a modo de apêndice.[13]

          Escrevendo à igreja de Roma, Paulo declara que o juízo de Deus se manifestaria conforme o Evangelho por ele anunciado, indicando assim, que o anúncio do Evangelho engloba a declaração do justo juízo de Deus (Cf. Rm 2.16/1.17).[14] Como diz Hoekema (1913-1988): “Para nosso empreendimento missionário, a doutrina do inferno deveria nos impulsionar a um zelo e urgência maiores”.[15]

          A proclamação do Evangelho é o anúncio de que o Senhor da história conduz a história para o seu glorioso fim: “O Senhor da história será o Juiz do mundo inteiro”, resume Lloyd-Jones.[16]

São Paulo, 07 de fevereiro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste (!WK) (Sl 8.3).

[2]“O SENHOR com sabedoria fundou a terra, com inteligência estabeleceu (!WK) os céus” (Pv 3.19).

[3]“A tua fidelidade estende-se de geração em geração; fundaste (!WK) a terra, e ela permanece” (Sl 119.90).

[4]“Nos céus, estabeleceu (!WK) o SENHOR o seu trono, e o seu reino domina sobre tudo” (Sl 103.19).

[5] Figura análoga encontrei posteriormente em Piper. Veja-se: John Piper, Na sala do trono: In: Kathleen B. Nielson; D.A. Carson, orgs. Este é o nosso Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 58.

[6]Albert Barnes, Notes on the Old Testament: Explanatory and Practical, 10 ed. Grand Rapids, Michigan:  Baker Book House, 1973,  v. 3, (Sl 103.19), p. 79.

[7]Cf. A.F. Kirkpatrick, The Book of Psalms, Cambridge: University Press, © 1902, 1951, (Sl 11), p. 59.

[8] Sl 9.9.

[9] Sl 23.4; 86.17.

[10] Sl 71.21.

[11] Sl 90.13.

[12]Jensen parece correto ao resumir: “A vinda do reino de Deus no ensino dos Evangelhos era entendida como incluindo o julgamento de Deus sobre Israel e sobre o mundo todo” (Peter Jensen, A Revelação de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 49).

[13] Veja-se: Kevin DeYoung; Greg Gilbert, Qual a missão da Igreja? Entendendo a justiça social, a Shalom e a grande comissão,  São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012, p. 327ss.

[14] “No dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho” (Rm 2.16). “Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé” (Rm 1.17).

[15]A. A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 365.

[16] D.M. Lloyd-Jones, Deus o Pai, Deus o Filho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997 (Grandes Doutrinas Bíblicas, v. 1), p. 323. Do mesmo modo Stott: “O Deus que é Senhor da história é também o Juiz da história” (John R.W. Stott, A Missão Cristã no Mundo Moderno, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 21).

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