Teologia da Evangelização (143)

4.3.4.2. Voluntária

 “O qual se entregou a si mesmo (…) segundo a vontade de nosso Deus e Pai”(Gl 1.4). Esta construção do texto denota o fato histórico como tal: Jesus Cristo se entregou a si mesmo por nós.[1]

          Paulo nos diz que o triunfo de Cristo em nos perdoar, concedendo-nos vida, foi manifesto na cruz do Calvário:

E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões, e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. (Cl 2.13-15).

          É importante observar que a Bíblia não faz distinção entre o amor de Deus Pai, do Deus Filho e do Deus Espírito Santo. O sacrifício do Filho revela o amor do Trino Deus: O Pai não passou a nos amar porque o seu Filho morreu por nós. Antes, o Filho morreu por nós porque o Trino Deus eternamente nos amou e confiou-nos ao Filho (Jo 3.16; 10.22-30; 15.16; 17.6-26; Rm 5.8; 1Jo 4.9). O Filho reconciliou-nos com o Pai e com o nosso próximo por intermédio da cruz (Ef 2.11-22; Cl 1.19-20).[2]

          Murray comenta que “Nenhum estudo da expiação pode ser devidamente desenvolvido sem reconhecer em primeiro lugar o livre e soberano amor de Deus  (…) Este amor é a causa ou a fonte da expiação”.[3]

          A vinda de Jesus Cristo e todos os seus atos foram norteados pela sua obediência ao Pai e pela consciência de que era necessário assim fazê-lo, tendo sempre como meta, glorificar a Deus e salvar o seu povo (Jo 4.34; 5.30; 6.38,39;[4]10.10-18; 17.1-8).

          Desta forma, a obra de Cristo foi feita com espírito voluntário. Ele assumiu o nosso lugar morrendo sob o estigma da maldição, resgatando-nos da decorrente condenação, por sua livre graça (Gl 3.13,14). Assim, o que era impossível ao homem – ter acesso a Deus e expiar o seu próprio pecado –, Jesus realizou perfeita e vicariamente! (1Pe 3.18;[5] Hb 7.26-28; 9.23-28; 10.10-18).

  Na Oração Sacerdotal, o Senhor Jesus Cristo diz: A vida eterna é para aqueles que o Pai lhes confiou. Esta oração se reporta à eternidade, ao Pacto firmado entre as Pessoas da Trindade: “Assim como lhe conferiste autoridade sobre toda a carne, a fim de que ele conceda a vida eterna a todos os que lhe deste” (Jo 17.2).

Continua:

Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer (…) Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra. Agora, eles reconhecem que todas as coisas que me tens dado provêm de ti; porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste. É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. (Jo 17.4,6-9).

Na vida, morte e ressurreição de Cristo, vemos o perfeito amor harmonioso da Trindade em favor de seu povo. O Senhor se entregou a si mesmo conforme a vontade de seu Pai. A salvação é a obra planejada e executada pela Trindade.

          Stott comenta:

Na cruz, a vontade do Pai e a vontade do Filho estavam em perfeita harmonia. Jamais devemos supor que o Filho se ofereceu para fazer alguma coisa contra a vontade do Pai, ou que o Pai exigiu do Filho alguma coisa contra a própria vontade deste.[6]

A morte de Jesus pelo pecado foi um ato de autossacrifício e segundo a vontade de Deus Pai.[7]

          A Palavra de Deus nos diz que “….Deus (Pai) amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito….”(Jo 3.16). Paulo, da mesma forma, afirma: “Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou….”(Rm 8.32).

          Do mesmo modo a Escritura nos mostra a espontaneidade amorosa do Filho. O próprio Senhor Jesus declara:

Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas (…) dou a minha vida pelas ovelhas. (…) Por isso, o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este mandato recebi de meu Pai. (Jo 10.11,15,17,18).

          Paulo também ensina: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho que se deve prestar em tempos oportunos” (1Tm 2.5-6).

          O sofrimento na cruz só não foi maior do que a glória da Trindade bendita ali revelada. Nossos pecados, aparente frustração, humilhação, dor e rejeição, também estão ali. Mas, o que emerge da cruz é a justiça gloriosa de Deus, o seu amor incomensurável, o seu supremo poder e a vitória sobre todos os que são hostis à sua igreja (Jo 3.16; Rm 5.8; Cl 2.10-15).[8] “Em Cristo, a justiça e a misericórdia se abraçam, o sofrimento é o caminho para a glória, a cruz aponta para a coroa e a madeira da cruz se transforma na árvore da vida”, conclui Bavinck.[9] 

Maringá, 11 de janeiro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Ver: R.C.H. Lenski, St Paul’s Epistle The Galatians,Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, (Commentary on the New Testament), 1998, (Gl 1.4), p. 28.

[2] “A redenção de Cristo resulta na cura dos relacionamentos pessoais, tanto entre Deus e o homem como entre os seres humanos”  (Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 132).

[3]John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Cultura Cristã, 1993, p. 11, 13.

[4]“A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4.34). “Eu nada posso fazer de mim mesmo; na forma por que ouço, julgo. O meu juízo é justo, porque não procuro a minha própria vontade, e sim a daquele que me enviou” (Jo 5.30). 38 Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou.  39 E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.38-39).

[5] Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito” (1Pe 3.18).

[6] John R.W. Stott, A Mensagem de Gálatas, São Paulo: ABU, 1989, p. 20.

[7] John R.W. Stott, A Mensagem de Gálatas, p. 21.

[8] “Não importa qual fosse, pois, a ignomínia que pudessem ter visto na cruz, qualificada a confundir os crentes, não obstante Cristo testifica que a mesma cruz traz-lhe glória e honra” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2,  (Jo 13.31), p. 78). “A razão consiste em que, através dela [morte na cruz], ele glorifica a Deus o Pai; pois na cruz de Cristo, como num magnificente teatro, a inestimável bondade de Deus é exibida diante do mundo inteiro. Em todas as criaturas, de fato, tanto elevadas quanto humildes, a glória de Deus resplandece, porém em parte alguma ela resplandeceu mais gloriosamente do que na cruz, no fato de que ali houve uma extraordinária mudança de coisas, sendo ali manifesta a condenação de todos os homens, o pecado sendo apagado, a salvação sendo restaurada nos homens; e, em suma, o mundo inteiro foi renovado e cada coisa restaurada à boa ordem” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 13.31), p. 78-79). Veja-se também: William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004(Jo 17.1), p. 753.

[9]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 630.

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