Teologia da Evangelização (119)

4.3. O Conteúdo e o significado da proclamação

             Stott (1921-2011), de modo simples e lógico, afirma: “Não pode haver missão sem mensagem, nem mensagem sem definição da mesma”.[1]

          Deixe-me fazer uma pequena digressão. Em uma entrevista concedida em 1991, o físico e filósofo Thomas Kuhn (1922-1996) queixando-se do uso excessivo e inadequado da expressão “paradigma”, que marca o seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, admite que no livro não definira “paradigma” tão rigorosamente como deveria”.[2]

          Definir, segundo o sentido etimológico[3] é delimitar. A definição procura determinar a compreensão da ideia,[4] circunscrevendo a sua abrangência, indicando todos os seus elementos constitutivos. Como todo conceito possui um conteúdo, a definição nada mais é do que a determinação da natureza deste conteúdo.[5]

          A definição deve partir da observação definido, não de uma interposição arbitrária de nomes e qualidades que julgamos serem compatíveis ou sugestivos. Agostinho nos orienta quanto a isto: “A ciência da definição, da divisão e da classificação, ainda que seja empregada muitas vezes para coisas falsas, não é por si só falsa; nem foi instituída pelos homens, mas descoberta pela própria razão das coisas”.[6]

          A definição se propõe a nos fazer ver com maior clareza o assunto do qual tratamos. A “indefinição” acarreta uma série de omissões, generalizações e equívocos, justamente por não termos claro diante de nós o objeto do qual estamos tratando ou, em que sentido nos aproximamos de cada ideia.

          Condillac (1715-1780) assim expressou esta questão: “A necessidade de definir é apenas a necessidade de ver as coisas sobre as quais se quer raciocinar e, se fosse possível ver sem definir, as definições se tornariam inúteis”.[7]

          A observação de Espinosa (1632-1677) é-nos orientadora: “A verdadeira definição de cada coisa não envolve nem exprime senão a natureza da coisa definida”.[8]

          O princípio que deve nos nortear é que a definição deve primar pela essência, não pelos “acidentes” que normalmente são efêmeros e não indicam as qualidades intrínsecas do ser.[9] Aristóteles (384-322 a.C.) está correto ao dizer: “Uma definição é uma frase que significa a essência de uma coisa”.[10]

  A definição deve ser derivada da própria razão do objeto, portanto, não pode ser artificial, visto que deste modo, seria irrelevante. Ainda que a definição não necessite ser detalhada,[11] em última instância uma definição imprecisa não é necessária.[12]

          Quando falamos do conteúdo do Evangelho, devemos definir o significado deste termo. Compreendemos ser o Evangelho o próprio Cristo. Ele é a personificação do Reino. Cristo é o centro para onde tudo converge.[13]

          A Pessoa de Cristo tem em si mesma e consequentemente em sua obra a força centrípeta que nos atrai e, num processo natural desta atração transformadora, exerce a sua força centrífuga[14] que nos conduz de forma imperativa a anunciar a sua pessoa e os seus feitos gloriosos e redentores entre todos os povos. 

          Conforme já demonstramos, a fé cristã é centrada em Cristo Jesus (Ef 1.15).  O Evangelho é Cristocêntrico porque sem a Pessoa e obra de Cristo não há “Boa Nova”. Cristo é o autor e o conteúdo do Evangelho.[15] Pregar o Evangelho significa pregar a Cristo bem como tudo aquilo que tem relação com Ele (Rm 15.20),[16] já que sem Cristo não haveria Evangelho (Lc 2.9-11).[17]

Maringá, 22 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] John R.W. Stott, et. al., Dialogo Sobre La Mision, Grand Rapids, Michigan: Nueva Creación, 1988, p. 13.

[2]John Horgan, O Fim da Ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento Científico, 3. reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 64. De fato, Allen e Springsted analisando aspectos da obra de Kuhn, dizem: “Seu uso de ‘paradigma’ é bastante vago” (Diogenes Allen; Eric O. Springsted, Filosofia para Entender Teologia. 3. ed. Santo André, SP.; São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2010, p. 322).

[3]As palavras gregas correspondentes são: o(/roj = “termo”, “limite” e o(rismo/j = “delimitação”, “acordo”, “tratado”.

[4] É a “expansão do conceito essencial das coisas”. “Definição é uma oração que manifesta a natureza de uma coisa ou de um termo” (Ernesto Dann Obregón, Lógica, 4. ed. Santa Fé: Libreria y Editorial Castellví, (1951), p. 89 e 90.

[5]Saucy, esclarecendo por que não podemos apresentar uma “definição rigorosa da ideia de Deus”, lança luz sobre o conceito de definição: “Definir, que significa limitar, envolve a inclusão do objeto dentro de certa classe ou proposição universal conhecida e a indicação dos seus aspectos distintivos comparados com outros objetos daquela mesma classe” (R.L. Saucy, Doutrina de Deus: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã,São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 440).

[6] Santo Agostinho, A Doutrina Cristã, São Paulo: Paulinas, 1991, II.36 p. 143.

[7]E.B. de Condillac, Lógica ou Os Primeiros Desenvolvimentos da Arte de Pensar, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 27), 1973, p. 121.

[8]Baruch Espinosa, Ética, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 17), 1973, I.8. Escólio 2, p. 91.

[9]Mesmo a “definição essencial” sendo a mais adequada, devemos ter em mente que de acordo com a abordagem que faremos de um assunto, o “essencial” pode não ser o mais importante; neste caso, propomos a “definição operacional” que seria aquela que nos daria os “elementos essenciais” para a nossa abordagem (operação), para o fim almejado. (Veja-se:. Definição: In: N. Abbagnano, Dicionário de Filosofia,2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 222a).

[10]Aristóteles, Tópicos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4), 1973, I.5. p. 13.

[11] “Uma boa definição deve ser concisa, ou seja, expor o conceito que se trata de definir com toda precisão e de um modo completo, no menor número de palavras. A definição descreve o significado de uma determinada palavra, usada para designar um determinado fenômeno. Na definição deve ficar inscrito, incluído o fenômeno em sua totalidade. Se permanecem fora dela partes essenciais do fenômeno, a definição não é boa. Por outro lado, uma definição não precisa entrar em detalhes” (Johan Huizinga, El Concepto de la Historia y Otros Ensayos, 4. reimpresión,México: Fondo de Cultura Econômica, 1994, p. 87).

[12] Veja-se: Santo Agostinho, A Doutrina Cristã, São Paulo: Paulinas, 1991, II.36 p. 143.

[13]Veja-se: Blaise Pascal, Pensamentos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 16), 1973, VIII. 556, p. 178.

[14] Li posteriormente esta linguagem sendo empregada para falar do aspecto missiológico dos salmos. Veja-se: Carl J. Bosma, Os Salmos: Porta de Entrada para as Nações. Aspectos da base teológica e prática missionária no Livro dos Salmos, São Paulo: Fôlego, 2009, p. 49ss.

[15]Michael Green declara isto de forma diferente, quando diz: “Aquele que veio pregando as boas novas passou a ser o conteúdo das boas novas” (Michael Green, Evangelização na Igreja Primitiva, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 58).

[16]“Esforçando-me, deste modo, por pregar o evangelho (eu)aggeli/zw), não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio” (Rm 15.20).

[17]E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor(Lc 2.9-11).

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