Teologia da Evangelização (118)

4. A proclamação: O Evangelho

4.1. O Fundamento da Boa Nova

    Proclamar o evangelho é, basicamente, proclamar a Escritura que tem como tema central a Pessoa de Cristo, tanto no Novo como no Antigo Testamento. Esta tarefa é para toda a igreja, não simplesmente para “especialistas”. O novo convertido tornou-se uma testemunha comissionada por Deus.

          Dito isso, devemos enfatizar que o fundamento da boa nova transmitida pela Igreja encontra-se na Palavra de Deus. O conhecimento que Deus deseja que tenhamos dele está revelado nas Escrituras. Portanto, o fundamento da proclamação cristã, o “Evangelho”, é a Palavra de Deus. O Deus transcendente se revela para que possamos conhecê-lo. A resposta a esse conhecimento se manifesta em culto e proclamação. Por isso, toda a proclamação da Igreja tem como pressuposto fundamental o Deus que se revela de tal modo que possamos conhecê-lo verdadeiramente e, o seu povo que, de fato o conhece.

          A Igreja no seu testemunho, recorre sempre à Palavra autoritativa de Deus, nunca a invenções humanas, crendices ou fábulas. A igreja se reúne primordialmente para ensinar a Palavra em sua singeleza, esforçando-se por conduzir seus ouvintes à fé (1Tm 1.3,4; 2Tm 4.4; Tt 1.10-16).[1]

          Pedro atestando a fidedignidade de sua proclamação, diz:“Porque não vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas (mu=Joj) engenhosamente inventadas, mas nós mesmos fomos testemunhas oculares da sua majestade (2Pe 1.16)

          Portanto, a nossa pregação fundamenta-se sempre em fatos reais conforme registrados na Palavra de Deus (Lc 2.9-11; 1Co 15.1-4,14,15; 1Pe 1.25).[2]

4.2. A origem e eternidade do Evangelho

  No Apocalipse, o anjo apresenta de forma sumária a mensagem confiada à Igreja:

6Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para pregar aos que se assentam sobre a terra, e a cada nação, tribo, e língua e povo, 7dizendo, em grande voz: Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas. (Ap 14.6-7)

          Aqui vemos delineada a urgência da mensagem do evangelho: Somos conclamados ao arrependimento e a que lhe rendamos glória em santo temor, porque a hora do julgamento vem. Parece ser esta a ênfase do texto.[3]

          O Evangelho que anunciamos, não é uma “boa nova” porque simplesmente nos “faz bem” ou “nos alegra”. A sua excelência está no fato de ser proveniente de Deus e, que por isso mesmo, tem o seu valor eterno.

          A mensagem do Evangelho permanece eternamente, assim como toda a Palavra de Deus. Ainda que a sua aplicação possa ser circunstancial, o seu conteúdo e valor são eternos. Pode ser, e certamente é fato, que aspectos do evangelho adquiram um sentido especial para nós em determinadas circunstâncias, quando, por exemplo, estamos aflitos, em dúvida, grande expectativa, carecendo de consolo ou mesmo, com uma grande sensação de alegria. Entretanto, nada disso muda a essência do Evangelho. O seu valor é eterno.

          Portanto, quando falamos em Teologia da Evangelização, devemos ter sempre em mente, que a teologia sempre será o efeito da ação reveladora, inspiradora e iluminadora de Deus por meio do Espírito. Ela nunca é a causa primeira, sempre é o efeito da ação primeira de Deus em revelar-se.

          As Escrituras começam com uma proposição ontológica-revelacional-histórica: “No princípio Deus”. Há um Deus que existe, antecede à Criação e, no espaço-temporal cria todas as coisas se dando livre e graciosamente a conhecer.[4] Isto deve ser sempre considerado em todo e qualquer enfoque que dermos à realidade. Deus se revela e se interpreta por meio do Espírito, e é somente por meio dele que teremos um genuíno conhecimento do Senhor como Senhor.

          A teologia sempre é relativa: “relativa à revelação de Deus. Deus precede e o homem acompanha. Este ato seguinte, este serviço são pensamentos humanos concernentes ao conhecimento de Deus”, sumaria Barth (1886-1968).[5]

          Nós pregamos o “Evangelho de Cristo” ou, em outras palavras, o “Evangelho eterno”, conforme nos foi dado conhecer por meio das Escrituras. O Evangelho é eterno; a sua mensagem se tornou necessária – no que se refere ao seu aspecto salvador -, devido ao pecado (Gn 3.15/Rm 5.12-21).[6] O Antigo Testamento apresenta o Evangelho como se consumando em Jesus Cristo:

O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; (Is 61.1).

A Lei e os Profetas vigoraram até João; desde esse tempo, vem sendo anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem se esforça por entrar nele. (Lc 16.16).

26 Um anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para o lado do Sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza; este se acha deserto. Ele se levantou e foi. 27 Eis que um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar em Jerusalém,     28estava de volta e, assentado no seu carro, vinha lendo o profeta Isaías. 29Então, disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro e acompanha-o. 30Correndo Filipe, ouviu-o ler o profeta Isaías e perguntou: Compreendes o que vens lendo? 31 Ele respondeu: Como poderei entender, se alguém não me explicar? E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele. 32Ora, a passagem da Escritura que estava lendo era esta: Foi levado como ovelha ao matadouro; e, como um cordeiro mudo perante o seu tosquiador, assim ele não abriu a boca. 33 Na sua humilhação, lhe negaram justiça; quem lhe poderá descrever a geração? Porque da terra a sua vida é tirada. 34 Então, o eunuco disse a Filipe: Peço-te que me expliques a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro? 35 Então, Filipe explicou; e, começando por esta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus. (At 8.26-35). (Ver também: At 13.26-34; 1Pe 1.10-12). (Destaques meus)

        

  Anunciamos a Cristo, aquele que foi morto antes dos tempos eternos para salvar o seu povo:

Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus. (1Pe 1.18-21).

Adorá-la-ão todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. (Ap 13.8). (Destaques meus).

Por isso, é que só há um evangelho: “O Evangelho de Deus”, conforme visto em Jesus Cristo e por Ele anunciado (Mc 1.1,14/Gl 1.8-10).

Maringá, 15 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Quando eu estava de viagem, rumo da Macedônia, te roguei permanecesses ainda em Éfeso para admoestares a certas pessoas, a fim de que não ensinem outra doutrina, nem se ocupem com fábulas e genealogias sem fim, que, antes, promovem discussões do que o serviço de Deus, na fé(1Tm 1.3,4). “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas( 2Tm 4.2-4). Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores, especialmente os da circuncisão. 11 É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância. 12 Foi mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos. 13 Tal testemunho é exato. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sadios na fé 14 e não se ocupem com fábulas judaicas, nem com mandamentos de homens desviados da verdade. 15 Todas as coisas são puras para os puros; todavia, para os impuros e descrentes, nada é puro. Porque tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas. 16 No tocante a Deus, professam conhecê-lo; entretanto, o negam por suas obras; é por isso que são abomináveis, desobedientes e reprovados para toda boa obra(Tt 1.10-16).

[2]9 E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor. 10 O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boa-nova (eu)aggeli/zw) de grande alegria, que o será para todo o povo: 11 é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.9-11). 1 Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; 2 por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. 3 Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, 4 e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.  (…) 14 E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé; 15 e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não ressuscitam” (1Co 15.1-4,14,15).A palavra do Senhor, porém, permanece eternamente. Ora, esta é a palavra que vos foi evangelizada (eu)aggeli/zw) (1Pe 1.25).

[3]Cf. D.A. Carson, O que é o evangelho? – revisitado: In:  Sam Storms; Justin Taylor, orgs., John Piper: Ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013,   [p. 177-206], p. 182.

[4]Veja-se: Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co. 1974, p. 22.

[5]Karl Barth, The Faith of the Church: A Commentary on Apostle’s Creed According to Calvin’s Catechism, Great Britain: Fontana Books, 1960, p. 27.

[6] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e a Inerrância das Escrituras, 2. ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2008.

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