Teologia da Evangelização (112)

 

 3.4.2.2.1. Em Jerusalém

O resultado da pregação eficiente e de uma vida cristã autêntica, além de outras coisas secundárias, redunda na glória de Deus (Mt 5.14-16; 2Co 9.12-15), resultando naturalmente, conforme o exemplo bíblico, no crescimento espiritual e numérico da Igreja.

          O livro de Atos registra que enquanto a Igreja testemunhava e vivia o evangelho, “acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2.47); e mais: “Crescia a palavra de Deus e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé” (At 6.7. Leia também: At 2.41; 4.4; 9.31; 12.24; 14.1).                                 

3.4.2.2.2. “Até Aos Confins da Terra”

Após o eloquente e desafiante sermão de Estevão e, a sua consequente morte por apedrejamento (At 7.1-60) – a forma judaica de executar os culpados de blasfêmia (Lv 24.16; Jo 10.33) – o grupo inquisidor estimulado por esta atitude assassina, promoveu “… grande perseguição contra a igreja de Jerusalém”(At 8.1), com a permissão do sumo sacerdote (At 8.3; 9.1,2).

          O termo usado em Atos 8.1 para descrever a “perseguição” apresenta a ideia de uma caça violenta e sem trégua.[1] Lucas, inspirado por Deus, pinta este quadro de forma mais forte, adjetivando “grande”, indicando assim, a severidade da perseguição. Saulo foi o grande líder desta ação contra os cristãos (At 8.1; 9.1,2; 22.4,5; 26.9-12).

          Nesta primeira grande perseguição, vemos claramente a direção divina:

1) Os apóstolos não foram dispersos, permanecendo em Jerusalém (At 8.1), podendo assim, sedimentar a mensagem do evangelho em Jerusalém.

 

2) Até agora a Igreja não havia cumprido a totalidade da ordem divina, que dizia: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (At 1.8). Os apóstolos, ao que parece, não haviam saído dos limites da Judeia com o objetivo de proclamar o evangelho.

          O verbo usado para descrever a “dispersão” – diaspei/rw – (At 8.1,4) está ligado à sementeira e semeadura, sendo empregado unicamente por Lucas no Novo Testamento e somente para descrever este episódio (*At 8.1,4; 11.19). Assim, por intermédio da perseguição, os discípulos saíram de Jerusalém levando as boas novas do evangelho (At 8.4), semeando a semente do Evangelho de Cristo (1Pe 1.23).

          Filipe, um dos diáconos eleitos (At 6.5), pregou em Samaria e muitos se converteram (At 8.5-8), posteriormente, mediante a direção do Espírito, evangelizou (At 8.26), um judeu etíope, que era tesoureiro da rainha Candace – título esse semelhante ao de “Faraó”, não indicando o nome próprio de uma pessoa – que se converteu, sendo então batizado (At 8.38). Após o batismo do etíope, “ Filipe veio a achar-se em Azôto; e, passando além, evangelizava todas as cidades até chegar a Cesaréia” (At 8.40).

          Outro fato que evidencia a ação providencial de Deus na perseguição de Jerusalém está registrado em Atos 11.19-21, onde lemos no verso 19: “… Os que foram dispersos, por causa da tribulação que sobreveio a Estevão, se espalharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia”. Nos versos 20 e 21, temos ainda a proclamação expandindo-se: “Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene, e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus. A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram ao Senhor”.

          Vemos, desta forma, que o evangelho estava sendo disseminado, tendo como elemento gerador uma perseguição que parecia ser fatal para a Igreja de Cristo; entretanto Deus a redundou em bênçãos para o Seu povo (Gn 50.20/Rm 8.28).

          Deus, como senhor da história, utiliza-se de recursos muitas vezes surpreendente para nós. Devemos, portanto, aproveitar as oportunidades com as quais nos deparamos. Cada obstáculo pode se constituir num meio de testemunho.

          É fundamental que não percamos a dimensão desta realidade. Cada circunstância oferece uma oportunidade de reflexão, ação e redimensionamento. Cada época tem os seus desafios, dificuldades e oportunidades.[2] É necessário que roguemos a Deus que nos dê uma compreensão correta e uma ação eficaz dentro das oportunidades que ele mesmo nos faculta.

          Os discípulos souberam compreender isso. A difusão do Evangelho é demonstrada mais tarde, ainda no período neotestamentário, por intermédio das Epístolas de Tiago e Pedro, sendo a de Tiago destinada “… às doze tribos que se encontram na Dispersão” (Tg 1.1) e a de Pedro, “aos eleitos, que são forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia, e Bitínia”(1Pe 1.1. Leia também, At 17.6).

                    3) Por intermédio do zelo cego de Saulo em perseguir os cristãos, Deus o chamou eficazmente (At 9.1-5), regenerando-o, porque, para Deus, Saulo era “um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel”(At 9.15). Mais tarde, Paulo, o antigo Saulo, escreveu aos gálatas: “Quando, porém ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu pregasse entre os gentios”(Gl 1.14,15). Saulo, o grande perseguidor, agora era Paulo, o apóstolo de Cristo levando a mensagem salvadora do Evangelho a todos os povos, chegando à capital gentílica (Roma) e, desejando prosseguir em sua missão, se possível, atingir a Espanha (At 28.16ss; Rm 15.22-29).

          Por meio do trabalho de Filipe, Pedro, Paulo, Barnabé, Silas, Timóteo, Tito e de milhares de irmãos anônimos, o evangelho proliferou em todos os continentes. Nós hoje somos herdeiros dessa proclamação. O crescimento da Igreja impulsionado pelo Espírito era operado por intermédio de todos os irmãos. Todos estavam comprometidos com a obra missionária quer em suas cidades quer em outras regiões.[3]

Maringá, 09 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]O substantivo “perseguição” (Diwgmo/j = “caça”, “pôr em fuga”) dá a entender a figura simbólica de um animal caçado, de uma presa perseguida, de um tormento incansável e sem misericórdia. Esta palavra denota mais especificamente as perseguições promovidas pelos inimigos do Evangelho; ela se refere sempre à perseguição por motivos religiosos (Vejam-se: Mc 4.17; At 8.1; 13.50; Rm 8.35; 2Tm 3.11). O verbo Diw/kw é utilizado sistematicamente para aqueles que perseguiam a Jesus, os discípulos e a Igreja (Mt 5.10-12; Lc 21.12; Jo 5.16; 15.20). Lucas emprega este mesmo verbo para descrever a perseguição que Paulo efetuou contra a Igreja (At 22.4; 26.11; 1Co 15.9; Gl 1.13,23; Fp 3.6), sendo também a palavra empregada por Jesus Cristo quando pergunta a Saulo do porquê de sua perseguição (At 9.4-5/At 22.7-8/At 26.14-15). Paulo diz que antes perseguia a igreja (Fp 3.6), mas, agora, prosseguia para o alvo (Fp 3.12,14).

[2] Veja-se: William Edgar, Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã, Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 21-27.

[3] Veja-se: Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 6, 2000, p. 19ss.

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