Saber ouvir, uma virtude teológica (2)

Este texto é continuação do artigo: Saber ouvir, uma virtude teológica (1)

 


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A. Igreja de Corinto: exortação e disciplina

 

Paulo dispôs de várias informações concernentes à igreja de Corinto. As fontes pareciam ser distintas. Contudo, apontavam em direção semelhante. A igreja vivia em contendas, divisões, imoralidade, arrogância e conivência. Paulo na primeira carta escreve exortando a igreja e promove a disciplina de um irmão que praticava grave pecado de imoralidade:

 

Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado (dhlo/w) (= relatar, declarar, revelar, tornar claro, dar a entender),[1] pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós (1Co 1.11).

 

Porque, antes de tudo, estou informado (a)kou/w) haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio (1Co 11.18).

 

Geralmente, se ouve (a)kou/w) que há entre vós imoralidade (pornei/a) (impureza,[2] devassidão,[3] prostituição,[4] relações sexuais ilícitas[5]) e imoralidade (pornei/a) tal, como nem mesmo entre os gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai. 2 E, contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou? 3 Eu, na verdade, ainda que ausente em pessoa, mas presente em espírito, já sentenciei, como se estivesse presente. (1Co 5.1-3).

 

Esse caso era recorrente em Corinto. Mais tarde, quando escreve a segunda carta que temos, diz com tristeza:

 

Receio que, indo outra vez, o meu Deus me humilhe no meio de vós, e eu venha a chorar por muitos que, outrora, pecaram e não se arrependeram da impureza (a)kaqarsi/a), prostituição (pornei/a) e lascívia (a)se/lgeia)[6] (= devassidão, licenciosidade, libertinagem) que cometeram. (2Co 12.21).

B. Igreja de Tessalônica: Instruções quanto à ética cotidiana

A despeito de uma fé viva e operante entre os crentes tessalonicenses, havia alguns que por motivos pretensamente escatológicos eram inclinados a abandonar o trabalho, vivendo desordenadamente, não trabalhando, encostando-se a outros, se intrometendo na vida de seus irmãos em questões que não eram de sua alçada. Paulo insiste em lembrar a estes “piedosos preguiçosos” o seu testemunho (1Ts 2.9; 4.11; 2Ts 3.7-9) e ratificar seus ensinamentos:

 

10 Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: se alguém não quer trabalhar, também não coma. 11 Pois, de fato, estamos informados (a)kou/w) de que, entre vós, há pessoas que andam desordenadamente (a)ta/ktwj)[7] (= imoderadamente), não trabalhando; antes, se intrometem na vida alheia. 12 A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando tranquilamente, comam o seu próprio pão. (2Ts 3.10-12).

 

C. Igreja de Filipos: uma doce expectativa

 

Paulo tinha um carinho muito especial pelos filipenses. De fato, esta igreja era bastante amorosa para com o seu apóstolo e mesmo para com os necessitados da igreja em geral. Paulo revela o seu santo desejo quanto à unidade e perseverança da igreja: “Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos ou estando ausente, ouça (a)kou/w), no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica” (Fp 1.27).

 

D. Igreja de Colossos: Gratidão a Deus

 

À semelhança do que vemos em Éfeso, Paulo ouviu a respeito da fidelidade e do amor da igreja de Colossos e, por isso, dá graças a Deus:

 

 3Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós, 4desde que ouvimos (a)kou/w) da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos (Cl 1.3-4).

8O qual [Epafras] também nos relatou (dhlo/w) (= declarar, revelar, dar a entender) do vosso amor no Espírito. 9Por esta razão, também nós, desde o dia em que o ouvimos (a)kou/w), não cessamos de orar por vós e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual. (Cl 1.8-9/Fm 4-5).

 

E. Filemon: um testemunho de amor e fé

 

Onésimo era um escravo que fugira da casa de seu senhor.[8] Talvez, para a fuga, tenha lhe extorquido algum bem ou dinheiro. No entanto, teve o seu encontro com Paulo em Roma e converteu-se sinceramente a Cristo (Fm 10). Paulo mesmo se afeiçoando a ele, o envia de volta ao seu senhor, Filemon, um cristão sincero e influente de Colossos.

 

Paulo escreve a Carta a Filemon pedindo que Onésimo fosse perdoado e aceito de volta (Fm 10-12/Cl 4.9). A dívida de Onésimo, incluindo seus dias sem trabalhar, seria paga pelo próprio apóstolo (Fm 19).[9] Aqui temos uma expressão magnífica da misericórdia cristã que começa com a nossa aceitação perante Deus (Fm 12,19b/Fm 9).

 

Um dos motivos que impulsionaram Paulo a pedir isso é porque sabia por experiência própria, e também ouvira a respeito, do amor de Filemon a Deus e a seus irmãos na fé. Estando ciente (a)kou/w)(= ouvir) do teu amor e da fé que tens para com o Senhor Jesus e todos os santos” (Fm 5).

 

 

São Paulo, 28 de novembro de 2018.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


 

[1] Vejam-se: W. Mundle, Revelação: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 226-227; R. Bultmann, dhlo/w: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 2, p. 61-62; G. Schunack, dhlo/w: In: Horst Balz; G. Schneider, eds. Exegetical Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1999 (Reprinted), v. 1, p. 294-295.

[2]1Co 6.13,18; 7.2.

[3] Ap 17.2.

[4]2Co 12.21; Cl 3.5; 1Ts 4.3, etc.

[5] Mt 5.32; At 15.20 etc.

[6] *Mt 7.22; Rm 13.13; 2Co 12.21; Gl 5.19; Ef 4.19; 1Pe 4.3; 2Pe 2.2,7,18; Jd 4.

[7] *2Ts 3.6,11. O verbo (a)takte/w) só ocorre em 2Ts 3.7. Curiosamente estas palavras só são empregadas por Paulo e, na segunda carta aos tessalonicenses.

[8]Onésimo, cujo nome significa “útil”, no período do Novo Testamento era um nome comum de modo especial para um escravo (Cf. F. Foulkes, Onésimo: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 4, p. 645).

[9]“Visto que a lei romana requeria que qualquer que hospedasse um escravo fugitivo deveria pagar ao senhor do escravo o valor de cada dia de trabalho perdido, pode ser que a promessa de Paulo de colocar-se como fiador (v. 19) seja nada mais do que assegurar a Filemon de que ele pagará pelo valor provocado pela ausência de Onésimo ao trabalho” (R.P. Martin, Filemon, Epístola a: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 822).

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