Pensar sobre o pensar: Um exercício devocional

Um dos perigos para nós cristãos é simplesmente não usar a nossa mente. A nossa conversão a Deus envolve também uma nova mente, uma nova maneira de perceber a realidade, vendo o real como de fato é ainda que não exaustivamente. Nosso coração e mente precisam ser convertidos ao Senhor. Devemos aprender a entender a vontade de Deus em todas as circunstâncias e submetermo-nos a ela. A nossa mente deve ser tão devotada a Deus como o nosso coração; excluí-la, significa não amar a Deus como Ele requer.

Deus deseja que O amemos e O sirvamos também com nossa inteligência: “Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento” (Mt 22.37-38).

Portanto, o nosso testemunho exige o uso abalizado de nossa inteligência. A rejeição de um racionalismo autônomo, cuja única referência seria o eu pensante, não significa o abandono da racionalidade na compreensão e transmissão da mensagem do Evangelho.

Na Segunda Epístola destinada a Timóteo, Paulo se despede. Apresenta instruções finais e palavras de encorajamento ao seu discípulo mais próximo. Escreve então: “Pondera (= atentar, compreender, pensar, entender) o que acabo de dizer, porque o Senhor te dará compreensão (= entendimento, inteligência, discernimento) em todas as coisas” (2Tm 2.7).

Pensar, pensar sobre o pensar é algo salutar e muito desafiante e abençoador. Somos destinados ao pensar. Devemos nos valer deste privilégio, próprio do ser humano, concedido pelo Criador.

Precisamos aprender que a fé não elimina a nossa responsabilidade de pensar. Pensar não exclui a nossa fé. Ambas as atitudes devem caracterizar a vida do cristão a fim de que a nossa fé seja compreensível e a nossa razão seja guiada pela fé. A nossa fé e a nossa inteligência devem caminhar de mãos dadas em submissão a Deus.

O Senhor nos dá compreensão, nos faz ter entendimento de toda a realidade. O real não é uma mera utopia, antes, é acessível e, portanto, conhecível. Não vivemos num mundo de imagens, mas, de realidade, por mais desagradável que essa possa se configurar a nós em determinadas circunstâncias. No entanto, precisamos refletir a respeito. Não basta ler, é preciso refletir. O que me faz pensar que o caminho para a compreensão das coisas é um pensar intenso, humilde e submisso a Deus. Nem sempre as coisas se mostram a nós de forma clara e evidente. Precisamos pensar a respeito. E mais: Sentir-se totalmente à vontade, “socializado” em uma sociedade enferma, não me parece um sintoma de sanidade, antes um estado patológico.

O clima intelectual de uma época é sempre fortemente influenciador de nossa estrutura de pensamento e, portanto, de nossas prioridades e valores. A força deste “clima” talvez repouse sobre a sua configuração óbvia e normativa com que ele se apresenta à nossa mente. É quase impossível ter a percepção de algo que nos conduz – como também a nossos parceiros de entendimento –, de forma tão suave. Por isso, o simples – ainda que não seja tão simples assim – fato de podermos pensar com clareza, sem estes condicionantes, é uma bênção inestimável de Deus.

Por vezes pensamos que o pensar com intensidade é uma tarefa exclusiva para profissionais, quem sabe, filósofos. No entanto, o Cristianismo apresenta um desafio constante ao pensamento, à analise e ponderação. O homem é destinado ao pensamento. Na Criação vemos que Deus planeja, executa e avalia a Sua obra (Gn 1.26-31). Ao mesmo tempo, lemos que Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Por isso não podemos conceber o ser humano no emprego adequado de seus dons, não se valer naturalmente desta característica divina que lhe foi concedida e, que o caracteriza.

Outro aspecto que quero destacar é que pelo fato de nosso pensamento fluir com certa facilidade sobre determinados assuntos, termos opiniões formada ou uma linha de pensamento que nos parece coerente e sensata, nem por isso podemos nos acomodar em nossos pensamentos. É preciso que desenvolvamos a arte de pensar sobre o pensar. O pecado também afetou a nossa estrutura de pensamento e consequentemente o ato de pensar e, necessariamente, o processo de reflexão. Muito do que vemos e priorizamos está associado não ao que vemos, mas, à nossa predisposição intelectual para ver como vemos.

Como cristãos, talvez por partirmos do pressuposto equivocado de que a fé cristã é apenas uma questão de sentimento, corrermos o risco de reduzir a nossa fé e as Escrituras a apenas esta esfera da realidade. Deste modo, o nosso cultuar limita-se ao que sentimos, ainda que nada compreendamos ou mesmo, nos esforcemos por isso. Não podemos ser cristãos autênticos sem o cultivo de uma mente que também busque o amadurecimento.

Cada época, é de certa forma, cativa de valores que são apresentados com status de racionalidade, objetividade, universalidade e perpetuidade. É extremamente difícil escapar dos encantos sedutores de nossa geração. Contrariamente, o que Paulo instrui a Timóteo é no sentido de que ele reflita sobre o que o Apóstolo lhe escreveu buscando a compreensão no Senhor. Pensamento e oração caminham juntos. Devemos, portanto, pensar sobre o pensar rogando a Deus a sua iluminação. Deus, por graça, nos dará o discernimento sobre todas as coisas. Pense sobre isso. Vote com consciência.

São Paulo, 23 de outubro de 2018.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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