Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (65)

11.8. Bendizer a Deus com gratidão

 

Paulo inicia a sua doxologia (Ef 1.3-14) bendizendo a Deus, demonstrando que Deus é digno de ser bendito. A palavra bendito, (Eu)loghto\j = “louvado”, “bem-aventurado”)(Hebraico: Baruk; Latim: Benedictus) ocorre 8 vezes no Novo Testamento e é sempre usada para Deus (Mc 14.61; Lc 1.68; Rm 1.25; 9.5; 2Co 1.3; 11.31; Ef 1.3; 1Pe 1.3).[1] A fraseologia desta saudação, também empregada em 2Co 1.3, assemelha-se à de Pedro em 1Pe 1.3. Na Epístola aos Coríntios, Paulo bendiz a Deus considerando o fato de que é Ele quem nos conforta em toda a nossa tribulação; Pedro bendiz a Deus considerando a nossa regeneração efetuada pela misericórdia de Deus, para que tenhamos uma viva esperança através da ressurreição de Cristo. Em Efésios, Paulo, contemplando a extensão da obra do Deus triúno de eternidade a eternidade efetuando a nossa eleição, dá graças a Deus. (Ver o Salmo 103).[2]

 

Paulo diz que Deus, o Pai, tem, ao longo da história, manifestado as suas bênçãos eternas para conosco – Paulo, os efésios e todos os santos em todos os tempos – nas regiões celestiais em Cristo Jesus. Notemos aqui, que Deus é Pai do “nosso Senhor Jesus Cristo” (path\r tou= kuri/ou h)mw=n )Ihsou= Xristou=).

 

Paulo bendiz a Deus com uma expressão de ação de graças, considerando as bênçãos de Deus que recebemos por Cristo: “que nos tem abençoado” (3). Conforme já vimos, o particípio aoristo (eu)logh/saj), indica dentro deste contexto, um fato consumado e a ação continuada de Deus. Deus na eternidade já nos abençoou definitivamente de forma completa; contudo essas bênçãos são-nos comunicadas de forma constante através da história. Essa realidade é altamente estimulante: cada bênção de Deus, o Seu cuidado mantenedor e preservador constitui-se na administração de Sua graça, concedida em Cristo Jesus desde a eternidade. Devemos então, considerar que, “se desejamos refrear nossas paixões, devemos recordar que todas as coisas nos têm sido dadas com o propósito de que possamos conhecer e reconhecer o seu autor”.[3]

 

Paulo dá graças a Deus considerando então as bênçãos de Deus derramadas sobre o seu povo: no passado: (Eleição) (Ef 1.3,4); no presente: (Redenção) (Ef 1.7); no futuro: (Posse definitiva da vida eterna) (Ef 1.12-14).

 

As bênçãos que nos são dadas são espirituais (pa/sh eu)logi/a pneu)=matikh=|) (“toda sorte de benção espiritual”). Ou seja, elas procedem do Espírito Santo, sendo comunicadas à nossa alma. Devemos estar atentos ao fato de que tudo que temos provém de Deus, por intermédio de Cristo, sendo comunicado pelo Espírito. De modo especial o texto destaca algumas dessas bênçãos: a eleição (4-5), a redenção (7), o selo do Espírito (13-14). Portanto, comenta Calvino, “é uma tentação muito grave, ou seja, avaliar alguém o amor e o favor divinos segundo a medida da prosperidade terrena que ele alcança”.[4]

 

O mesmo Espírito que nos abençoa, orienta-nos em nossa adoração, a fim de que ofereçamos a Deus “hinos e cânticos espirituais” (Ef 5.19), conforme acentuou Old: “Os hinos e salmos que são cantados na adoração são músicas espirituais, isto é, elas são as músicas do Santo Espírito (Atos 4.25; Ef 5.19)”.[5] (Ver: Cl 3.16).

 

Como vimos, Paulo ao meditar sobre a extensão da obra do Deus triúno de eternidade a eternidade efetuando a nossa eleição, bendiz a Deus. Os eleitos bendizem a Deus pelo que Ele é e pelo que Ele fez por nós. A gratidão deve nortear o nosso relacionamento com Deus. “Não há um caminho mais direto (à gratidão), do que o de tirarmos nossos olhos da vida presente e meditar na imortalidade do céu”, adverte-nos Calvino.[6]

 

            Deus deve ser sempre o alvo de nossa adoração sincera, resultante de um coração consciente e agradecido, que reconhece a Sua Glória e os Seus atos salvadores e abençoadores (2Ts 2.13/Ef 5.20). Comentando o Salmo 6, Calvino assim se expressa: “Depois de Deus nos conceder gratuitamente todas as coisas, ele nada requer em troca senão uma grata lembrança de seus benefícios”.[7]

 

O estudo desta doutrina não deve servir de pretexto para o nosso exercício de lógica ou de nossa capacidade de argumentação e persuasão, mas sim, de gratidão, num ato de adoração reverente.

 

A Igreja em sua caminhada terrena, apresenta-se ao Seu Senhor como oferta voluntária e total, na qual está expressa uma atitude de adoração, gratidão e consagração: Adoração pelo que o Senhor é; Gratidão pelo que Deus fez (eleição, regeneração, justificação, adoção) e continua fazendo (santificação); Consagração, como testemunho de que o Deus adorado é o seu Deus. Assim, a Igreja vivencia a sua natureza litúrgica (Rm 12.1).

 

“O culto é a essência e o coroamento da atividade cristã”, escreve Moule (1908-2007).[8] Por isso, é que podemos fazer coro à declaração de Boanerges Ribeiro (1919-2003) de que, “Adorar a Deus é a nossa mais alta atividade pois coloca o espírito humano em comunicação com Deus eterno. Atividade tão essencial que é o próprio Deus quem busca adoradores”.[9]

 

Agostinho (354-430), de forma poética, mostra que o nosso louvor a Deus é o fruto do trabalho do Agricultor em nós. Embora o nosso louvor nada acrescente a Deus, nós crescemos quando sinceramente bendizemos o Senhor atestando o resultado de Sua obra em nós:

 

Quando Deus nos abençoa, nós crescemos, e quando bendizemos ao Senhor, também crescemos; ambas as coisas são para o nosso proveito. Ele nada ganha quando o bendizemos, nem diminui por nossas maldições. (…) A bênção do Senhor vem-nos em primeiro lugar, e por consequência também nós bendizemos ao Senhor. A primeira é a chuva, e esta é o fruto. Por isso estamos entregando a Deus, o agricultor, que nos manda a chuva e nos cultiva, o fruto que produzimos. Cantemos estas palavras com devoção, mas não estéril, nem só de voz, mas com um coração sincero.[10]

 

11.9. Certeza da vitória em Cristo

A nossa salvação é certa; somos vencedores por meio de Cristo Jesus. Nada pode nos separar do Seu amor. Ninguém pode impedir a consumação do propósito glorioso de Deus em nós. Por isso, devemos viver na paz, que é o resultado da segurança que Deus nos comunica (Ap 17.14/Rm 8.33-39; 1Co 15.57,58; 2Co 2.14).

 

Se a nossa salvação dependesse de nós, de nossa vontade, poder e fidelidade, certamente fracassaria. Graças a Deus que a nossa salvação é toda ela obra do Deus soberano que nos elege, nos chama e preserva até o fim.[11]

 

Calvino (1509-1564), comentando o texto de 2Tm 2.19, diz: “A despeito de toda a fraqueza da carne, os eleitos, não obstante, não correm esse risco, porque não estão firmados em sua própria capacidade, mas estão fundados em Deus”.[12]

 

Teresina, 30 de maio de 2019

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa.

 

 *Leia esta série completa aqui.

 


[1] Na Septuaginta, a única vez que a palavra é usada para referir-se ao homem é em Gênesis 24.31.

[2]Ver: R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul´s Epistles to the Ephesians, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1998, (Ef 1.3), p. 349.

[3]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 72.

[4] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 17.14), p. 346.

[5]Hughes Oliphant Old, Worship: That Is Reformed According to Scripture, Atlanta: John Knox Press, 1984, p. 6.             Agostinho (354-430), comentando de forma belíssima o salmo 148, diz: “Sabeis o que é hino? É um cântico com louvor a Deus. Se louvas a Deus sem canto, não é hino. Se cantas e não louvas a Deus, não é hino; se louvas outra coisa não pertencente ao louvor de Deus, apesar de cantares louvores, não é um hino. O hino, pois, consta de três coisas: canto [canticum], louvor [laudem], de Deus. Portanto, louvor a Deus com cântico chama-se hino” (S. Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/3), 1998, (Sl 148.17), v. 3, p. 1142).

[6]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 73.

[7]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 6.5), p. 129. Por sua vez, “os ímpios e hipócritas correm para Deus quando se veem submersos em suas dificuldades; mas assim que se veem livres delas, olvidando seu libertador, se regozijam com frenética hilaridade” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 28.7), p. 608).

[8] C.F.D. Moule, As Origens do Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1979, p. 45.

[9]B. Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, São Paulo: O Semeador, 1989, p. 46-47.

[10] S. Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, 1997, v. 1, (Sl (65) 66.1), p. 361.

[11] “Deus nos elegeu para sermos seu povo peculiar, a fim de fazer notório seu poder nos preservando e nos defendendo” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 46.7), p. 335). Vejam-se:  D. M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 90; D. M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 137; John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, p. 98.

[12]J. Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.19), p. 239. De modo semelhante, declara Spurgeon: “O sangue é o símbolo, o sinal, a garantia, a segurança e o selo do concerto da graça para você. Ele pode ser considerado um telescópio através do qual cada um consegue ver as distâncias espirituais. Com seu olho natural ninguém pode ver sua eleição, mas através do sangue de Cristo pode enxergá-la com nítida clareza. Ponha sua confiança no sangue, pobre pecador, e chegará a descobrir que o sangue do pacto eterno constitui uma prova de que você é um herdeiro do céu” (C.H. Spurgeon, Sermões no Ano do Avivamento, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 59-60).

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