Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (63)
11.4. Humildade
“Aquele que deriva cada coisa tão-somente da fonte da divina mercê nada encontra em si mesmo digno de recompensa aos olhos de Deus”, comenta Calvino.[1]
A nossa salvação é obra exclusiva e total de Deus. Todos nós, sem exceção, somos inteiramente dependentes da graça de Deus; por isso, não há lugar para vanglória e arrogância, e sim, humildade.[2]
A humildade começa pela contemplação da majestade e santidade de Deus. Como decorrência disso, podemos perceber a triste e concreta condição na qual nos encontramos por causa de nosso pecado. Desse modo, compreendemos de forma real o quanto dependemos de Deus e de Sua misericórdia.
A fé que é o meio pelo qual recebemos a salvação, é um dom da graça de Deus (Ef 2.8). O motivo de nos gloriar está em Deus, Quem, por graça, nos conduziu ao caminho da fé.[3] Nada há em nós a partir do qual possamos derivar qualquer atitude soberba e arrogante. Deus é a nossa glória (Sl 3.3).
A nossa humildade sincera diante de Deus se revela em nossa atenção e submissão à Palavra e, também, caracterizará o modo de todas as nossas relações sociais.[4]
C.H. Spurgeon (1834-1892), infere conclusivamente: “Desconheço qualquer outra coisa que nos possa humilhar tão profundamente quanto a doutrina bíblica da eleição (…). Aquele que se sente orgulhoso de sua eleição, é porque não é um dos eleitos do Senhor”.[5] (Ef 2.9; 1Co 4.7; 2Co 3.5).
11.5. Santificação
A fé que não envolve uma influência santificadora sobre o caráter da pessoa não é melhor que a fé dos demônios. Antes, é uma ‘fé morta, por estar sozinha’. Não é o dom de Deus. Não é a fé dos eleitos de Deus. Em suma, onde não há a santificação da vida, não há fé real em Cristo. A verdadeira fé opera através do amor. Ela constrange o homem a viver para o Senhor, movido por profundo senso de gratidão pela redenção recebida. – J.C. Ryle (1816-1900).[6]
Conforme já tratamos, Paulo em lugares diferentes relaciona a santificação com o propósito salvador de Deus decorrente de nossa eleição eterna:
Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor. (Ef 1.4).
Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade. (2Ts 2.13).
Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição. (1Ts 4.3).
A santificação não é opcional, antes, algo projetado por Deus para os obedientes filhos da família da fé (1Pe 1.14-16/Hb 10.16), já que a Trindade é santa e Jesus Cristo se constitui no modelo ao qual todos devemos seguir.
A obra trinitária envolve os fins e os meios. Deus nos restaura à Sua comunhão por meio do Filho e, pelo Espírito nos habilita a prosseguir em nossa santificação até a consumação de Sua obra em nós. A glorificação futura é tão certa que podemos falar dela como já tendo sido concretizada. “Aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.30).[7]
Como fica claro biblicamente, o propósito de nossa eleição é que sejamos santos e irrepreensíveis diante de Deus (Ef 1.4; Jd 24). Por isso, a consciência de nossa eleição, deve nos conduzir de forma imperativa a um crescimento espiritual por intermédio do conhecimento de Cristo. Deus nos elegeu para Ele, a fim de que vivamos neste mundo transitório e mutável, com os valores eternos, tendo como modelo permanente, a imagem de Cristo (Rm 8.29).
Spurgeon (1834-1892), acentuou corretamente que “Deus escolhe o Seu povo para que seja crente e santo (…). Você pode aproximar-se de Jesus Cristo como um pecador, mas não pode aproximar-se dEle como uma pessoa eleita enquanto sua santidade não for visível”.[8]
Em outro lugar, acrescenta: “De que maneira, pois, as pessoas podem manifestar gratidão para com Aquele que se ofereceu em sacrifício a não ser pela santificação? Agora, motivados pelo sacrifício redentor, somos avivados para o zelo intenso e a devoção”.[9]
A eleição longe de servir de pretexto à licenciosidade e à frouxidão moral,[10] é um forte estímulo à santificação. A advertência de Agostinho serve como referência: “Não presumas de tua justiça para alcançar o reino, não presumas da misericórdia de Deus para continuar a pecar”.[11]
A nossa real justificação tem implicações éticas. A santificação é a grande evidência de nossa nova relação com Deus. A nossa justificação (subjetiva) nos dá o status de filhos. Como tais, salvos para sempre (Ef 1.5,13-14).[12] O desafio para nós hoje é viver em harmonia com a nossa nova natureza e condição, andando, conforme vimos, nas obras preparadas por Deus para nós (justificação demonstrativa) (Ef 2.8-10).[13]
A santificação é o processo por meio do qual nós, filhos de Deus, vamos aprendendo a andar como tais. A Palavra é poderosa neste objetivo à medida que a vamos compreendendo e praticando. Santificação é o processo de assunção da nossa identidade como autênticos filhos de Deus.
O ato eterno de nossa glorificação está fundamentado em nossa eleição e, o futuro da santificação é a nossa glorificação. O decreto eletivo de Deus envolve a nossa santificação. A boa obra de Deus em nós será concluída conforme determinada na eternidade (Fp 1.6).
Todos os eleitos, santos em Cristo, se santificam progressivamente rumo à glória final, à semelhança de Jesus Cristo, o nosso irmão mais velho (Rm 8.29-30).
Assim sendo, esse crescimento se findará na Segunda Vinda de Cristo, quando seremos transformados definitivamente na Sua imagem, conforme escreveu Calvino:
Agora começamos a exibir a imagem de Cristo, e somos transformados nela diária e paulatinamente; porém, esta imagem depende da regeneração espiritual. Mas, depois, seremos restaurados à plenitude, quer em nosso corpo, quer em nossa alma; o que agora teve início será levado à completação, e alcançaremos, em realidade, o que agora apenas esperamos.[14]
Teresina, 29 de maio de 2019
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa.
*Leia esta série completa aqui.
[1]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 25.6), p. 544.
[2] Veja-se: J. Calvino, As Institutas, III.21.1. Lutero, falando sobre a Predestinação, escreveu: “Duas coisas obrigam à pregação da predestinação. A primeira é a humilhação do nosso orgulho e o reconhecimento da graça de Deus; e a segunda é a natureza da fé Cristã em si mesma” (Martin Luther, De Servo Arbitrio. In: E. Gordon Rupp; Philip S. Watson, eds. Luther and Erasmus: Free Will and Salvation, Philadephia, The Westminter Press, 1969, p. 137).
[3] Cf. S. Agostinho, A Graça (II), p. 110.
[4] Veja-se, em especial: Jerry Bridges, A Vida Frutífera, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 40-45.
[5]C.H. Spurgeon, Eleição, São Paulo: FIEL, 1984, p. 30. “Nenhuma doutrina irá expulsar o narcisismo da autoajuda de nossas igrejas e púlpitos tão bem como essa. Nenhuma doutrina é mais adequada para fazer com que a graça justificadora de Deus em Cristo seja mais central. Nenhuma doutrina é melhor sucedida em colocar o homem em seu devido lugar e ver a Deus em seu” (Michael Horton, As Doutrinas da Maravilhosa Graça, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 87). Packer nos adverte entretanto, que, “O ensino bíblico sobre a eleição visa tornar os crentes humildes, confiantes, alegres e ativos, mas essa doutrina pode ser asseverada e propagada de uma maneira que os torna orgulhosos, presunçosos, complacentes e preguiçosos” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 144).
[6] J.C. Ryle, Santidade, São José dos Campos, SP.: FIEL, 1987, p. 40.
[7]“Essa esperança é uma certeza, pois a sentença justificadora é uma decisão judiciária do último dia, trazida ao presente: é um veredito final, que jamais será revertido. ‘E aos que justificou, a esses também glorificou’ (Rm 8.30). Observemos que Paulo usa o verbo ‘glorificar’ no passado. Aquilo que Deus decidiu fazer é como se já o tivesse feito!. De acordo com isso, a pessoa justificada pode ter a certeza de que coisa alguma jamais a separará do amor de seu Salvador e de seu Deus (Rm 8.35ss.)” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 128).
[8]C.H. Spurgeon, Eleição, São Paulo: FIEL, 1984, p. 25.
[9]C.H. Spurgeon, Batalha Espiritual, Paracatú, MG.: Sirgisberto Queiroga da Costa, editor, 1992, p. 56.
[10] “É uma atitude ímpia dissociar a santidade de vida da graça da eleição” (João Calvino, Efésios, (Ef 1.4), p. 26).
[11]S. Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, 1997, v. 1, Sl 31, “II. Sermão ao Povo”, p. 350.
[12]“5 nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, (…) 13 em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; 14 o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef 1.5,13-14).
[13]“8Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; 9 não de obras, para que ninguém se glorie. 10 Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.8-10).
[14]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 15.49), p. 488.
Para mim simplicidade advém da falta de informação mas, humildade é um consentimento e reverenciamento involuntário do espírito à Deus.
Para mim simplicidade advém da falta de informação mas, humildade é um reverenciamento à Deus.