Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (24)

2. Uma vida Irrepreensível

Paulo diz que fomos escolhidos em Cristo antes da fundação do mundo para que sejamos “irrepreensíveis” (Ef 1.4).

 

a)/mwmoj,[1] sem mancha, imaculado, sem nódoa, inocente. Essa palavra, comum no ritual judaico, era empregada para indicar os animais usados para o sacrifício; eles não podiam ter defeito (Ex 29.1; Lv 1.3,10; 3.1,6).[2] A palavra descreve uma pureza ética. A ideia predominante é a ausência de qualquer coisa que se constituiria em corrupção diante de Deus. Ela denota, portanto, o que o cristão deve ser diante de Deus. A)/mwmoj concebe toda a vida humana – em suas multifárias dimensões –, como uma oferenda a Deus.

 

As Escrituras declaram que foi assim que Jesus Cristo Se ofereceu vicariamente por nós (Hb 9.14; 1Pe 1.19), sem mancha, sem pecado. O Cordeiro de Deus foi imolado por nós (1Co 5.7), a fim de nos tornar sem mácula, nem ruga, nem impureza alguma (Ef 5.25-28), cumprindo, assim, parte do objetivo da nossa eleição eterna (Ef 1.4). “A genuína santidade e irrepreensibilidade se encontram unicamente nele [em Cristo]”, enfatiza Calvino.[3]

 

A nossa reconciliação teve também esse propósito: “….vos reconciliou no corpo da sua carne, mediante a sua morte, para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis (a)/mwmoj) e irrepreensíveis (Cl 1.22).

 

O desafio da Igreja é de se esforçar por viver assim no meio de uma geração pervertida e corrupta:

 

Fazei tudo sem murmurações nem contendas, para que vos torneis irrepreensíveis (a)/memptoj)[4] e sinceros (a)ke/raioj),[5] filhos de Deus inculpáveis (a)/mwmoj) no meio de uma geração pervertida (Skolio/j)[6] e corrupta (diastre/fw),[7] na qual resplandeceis como luzeiros (fwsth/r)[8] no mundo. (Fp 2.14-15).

 

Paulo diz então, que o nosso comportamento deve refletir como estrelas no firmamento (Gn 1.14).

O nosso consolo é que Deus pelo Seu poder nos preservará assim para o encontro com o Senhor Jesus: “Aquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados (a)/mwmoj) diante da sua glória” (Jd 24).

 

Se dependesse unicamente de nossos poderes, diante da glória de Deus jamais a Igreja poderia ser vista como imaculada; No entanto, é Deus mesmo Quem nos apresentará assim em Cristo. Deus nos preserva intocáveis, para que possamos ser apresentados diante do Senhor Jesus, na manifestação da Sua glória. Ninguém tem do que nos acusar; fomos justificados por Cristo (Rm 8.31,33). A exultação de Deus será a nossa alegria para sempre.

 

Paulo diz que a avaliação de nossa santidade e vida irrepreensível, será feita por Cristo. Devemos ser santos e irrepreensíveis perante ele, “aos olhos de Deus”, como diz Calvino[9] ou, na “presença dele” (katenw/pion[10] au)tou =) (Ef 1.4/Cl 1.22). Jesus Cristo conhece os nossos corações, as nossas motivações e intenções. Por isso, tudo deve ser feito na presença de Deus, sob o critério de Cristo. Portanto, o que de fato importa, não é o que somos aos olhos dos homens, mas, o que de fato somos aos olhos de Deus.

 

3. Uma vida de obediência e serviço: Ef 2.10/2Tm 2.21; 1Pe 1.2.

 

Deus nos elegeu com o propósito de que sejamos obedientes à Sua Palavra e O sirvamos no uso dos talentos que Ele mesmo nos concedeu. A eleição, corretamente entendida, longe de servir de pretexto à inércia, é um estímulo teocêntrico ao serviço de Deus.

 

Na Palavra, temos os ditames de Deus para a vida do Seu Povo. “Portanto, em nosso curso de ação, deve-se-nos ter em mira esta vontade de Deus que Ele declara em Sua Palavra. Deus requer de nós unicamente isto: o que Ele preceitua. Se intentamos algo contra o Seu preceito, obediência não é; pelo contrário, contumácia e transgressão”, exorta-nos Calvino.[11]

 

A nossa fidelidade concernente ao propósito da eleição, será avaliada em cada um de nós pelo escrutínio perfeito de Deus; nada permanecerá encoberto. (Ef 1.4/Rm 2.16; 1Co 4.5).

 

 

Maringá, 18 de abril de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Leia esta série completa aqui.

 


[1] Ef 1.4; 5.27; [Fp 2.15. Aqui há uma variante textual, que indica um sinônimo, a)mwmhta/ (amômêta), talvez por seguir a LXX, Dt 32.5];Cl 1.22; Hb 9.14; 1Pe 1.19; Jd 24; Ap 14.5.

[2] Em todos esses textos, a LXX usa a)/mwmoj.

[3] João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 7.26), p. 199.

[4] * Lc 1.6; Fp 2.15; 3.6; 1Ts 3.13; Hb 8.7.

[5] * Mt 10.16; Rm 16.19; Fp 2.15.

[6]*Lc 3.5; At 2.40; Fp 2.15; 1Pe 2.18. Skolio/j, Sentido literal: “torto”, “encurvado”. Sentido figurado: perverso, malvado, desonesto, inescrupuloso.

[7] * Mt 17.17; Lc 9.41; 23.2; At 13.8,10; 20.30; Fp 2.15. Diastre/fw, Sentido literal: “entortar”. Sentido figurado: Pervertido, depravado, distorcido, dividido. Denota uma situação anormal. Os filipenses deveriam ter uma vida singular no meio de uma sociedade dissimulante, com uma ética tortuosa e, por isso mesmo, perversa.

[8] Fwsth/r (*Fp 2.15; Ap 21.11). A palavra é proveniente de Fw+j. Fwsth/r, estrela, esplendor, radiância, brilho, luminário. O tempo presente indica a ação contínua. A palavra originalmente está associada ao brilho do sol (Ap 22.5), à luz das lâmpadas (Lc 8.6; 11.33; 15.8; At 16.29), ao calor da fogueira (Mc 14.54; Lc 22.56). [Em todos esses exemplos, as palavras empregadas são Fw+j ou Fwto/j. (Ver: H. C. Hahn; Colin Brown, Luz: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 101-107).

[9]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, (Hb 10.7), p. 259.

[10] katenw/pion, “na presença de” (*Ef 1.4; Cl 1.22).

[11]João Calvino, As Institutas, I.17.5.

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