O Ser, as pessoas e as coisas: ontologia, epistemologia e ética (14)

A banalização da verdade

            Alan Bloom (1930-1998) em estudo que faz uma ressonância do ensino das Universidades americanas em meados dos anos de 1980, a certa altura, fala de forma irônica da certeza de que os professores universitários podem ter quanto aos seus alunos: “Quase todos os estudantes que entram na universidade acreditam, ou dizem acreditar, que a verdade é relativa”. Continua: “A verdade relativa não é uma concepção teórica, mas um postulado moral, uma condição para toda sociedade livre”.[1]

            Dentro da perspectiva “pós-moderna” há uma crise epistemológica forjada – este forjar é resultante da verdadeira crise epistemológica ocorrida com a queda –[2] que gera a concepção de que a verdade, se existe, é inacessível. Por isso o abandono da procura pela verdade e, consequentemente, a carência de ensino sobre a importância da verdade e sobre valores considerados verdadeiros.

            Assim, procurando evitar o perigo de um agnosticismo absoluto – que, como mencionamos, seria um suicídio intelectual e da própria tese – admite-se a verdade dentro do universo singular de cada indivíduo. Deste modo, a sua verdade é sua, e não tem nenhum valor objetivo, portanto, não há nada nela de universalizante. Dessa maneira, de posse de minha verdade procuro vivê-la dentro das dimensões de minha subjetividade e nada mais.

            O educador Paul Spears observa que “o treinamento de alunos sobre como chegar à verdade pela razão é algo que já foi abandonado porque, a ideia de que alguém pode ter realmente acesso à verdade absoluta parece tolice”.[3]

            Quando a verdade é considerada, tem apenas um sentido local e circunstancial: “minha verdade”, “sua verdade”, “verdade de cada um”, “verdade para aquela época”, “verdade para aquele povo”, etc. Já observaram como no campo das ciências sociais evita-se emitir juízo de valor? Fala-se de “fenômeno”; deste modo, foge-se da questão do certo e errado; verdade e mentira. Apenas descrevo o “fenômeno”, palavra mágica, que faz-me dizer o “fato” como se manifesta dentro de minha percepção – que como sabemos não é pura –, e mais nada. Atitude ingênua! Como se fosse possível ter percepção sem uma gama enorme de valores que a referenciam dentro de meu universo epistemológico.[4]

            Partindo dessa perspectiva, a verdade passou a ser simplesmente construída. Deste modo, não há lugar para absolutos. “Os pós-modernistas rejeitam totalmente a verdade objetiva. A verdade não é uma descoberta feita a partir do mundo externo. Antes, a verdade é uma construção”, comenta Veith Jr.[5]

            Imaginemos uma cena: Você está em um aeroporto, os voos estão atrasados. Devido à instabilidade meteorológica  alguns voos foram cancelados… O aeroporto está lotado. O sistema de som está um tanto inaudível devido ao barulho ambiente e muitas e truncadas informações de várias companhias…

Uma coisa eu sei: todas as vezes que o sistema de som for acessado, em geral precedido por um ruído grave, você interrompe o que está fazendo, faz uma certa careta para “ajudar” a sua audição; talvez até coloque uma das mãos atrás da orelha desejando fazer uma espécie de concha acústica para ouvir possivelmente a respeito de seu voo… Nada mais natural. Essas informações podem ser vitais. A partir delas você se dirige a um portão para embarque, a um balcão para cancelamento, remarcação, voucher para lanche, hotel, ou simplesmente voltar para casa. Ciente dessas  informações algumas atitudes deverão ser tomadas em geral envolvendo o nosso celular….

            Imaginemos outra cena: Você está na igreja como agora e não consegue entender o que está sendo dito. O sistema de pensamento é um tanto complexo. Quando é de seu interesse você gosta de se sentir um “coitado”. Por sua vez, você deseja ouvir o que já sabe e, lá no fundo, carrega o pressuposto que vem ao culto para relaxar um pouco e rever alguns amigos…

O que você faz? Se desliga, mexe no celular, talvez faça um carinho no filho ou na esposa… Por que isso? Porque você simplesmente julga irrelevante o que não entendeu. Talvez possa até se orgulhar de sua ignorância. Afinal, se não entendi a culpa é do outro e, também, nada de importante foi dito.

            Essa possível compreensão é porque não levamos a Palavra de Deus a sério. Por isso, a compreensão a respeito de seus ensinamentos é irrelevante. Não estamos interessados em suas verdades porque, talvez, não creiamos mais em verdades absolutas.

As Escrituras tratam de verdade absoluta

            No entanto, as Escrituras nos falam de verdade absoluta, acessível verificável e vivenciável. A Palavra de Deus nos desafia a conhecer a verdade e a praticá-la como testemunho de fé, certos de que o propósito de Deus para o homem é sempre perfeito, a sua vontade é boa, perfeita e agradável, conforme escreve o Apóstolo: E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2).

            Devemos estar profundamente comprometidos com a verdade. Ela deve ser defendida, e proclamada de forma amorosa e humilde,[6] quer pela palavra, quer, principalmente, pela nossa perspectiva do mundo que se materialize em nossas ações. 

            Portanto, não podemos simplesmente ignorar as influências de nosso meio, como sabiamente nos alerta MacArthur:

A igreja jamais manifestará seu poder na sociedade, se não recuperar um amor ardente pela verdade e aversão à mentira. O verdadeiro crente não pode fechar os olhos ou negligenciar as influências anticristãs em seu meio, esperando desfrutar das bênçãos de Deus.[7]

Maringá, 01 de julho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Alan Bloom, O Declínio da Cultura Ocidental, 3. ed. São Paulo: Best Seller, 1989, p. 29.

[2]Veja-se o instrutivo texto de Mohler. R. Albert Mohler Jr., O modo como o mundo pensa: Um encontro com a mente natural no espelho e no mercado. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 44-61.

[3]Paul Spears, Introdução à Filosofia. In: Paul Spears, et. al. Fundamentos Bíblicos e Filosóficos da Educação, São Paulo: Associação Internacional de Escolas Cristãs-Brasil, 2004, p. 13.* “Ao criar uma crise epistemológica, os questionamentos pós-modernistas rejeitam até a possibilidade da verdade, histórica ou qualquer outra” (Clyde P. Greer, Jr., Refletindo honestamente sobre a história: In: John F. MacArthur, Jr. ed. ger. Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, p. 411).

[4]Ver: Hermisten M.P. Costa, Raízes da teologia contemporânea, São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

[5]Gene Edward Veith, Jr., De todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 55-56.

[6]Veja-se: Joshua Harris, Ortodoxia humilde: defendendo verdades bíblicas sem ferir as pessoas, São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 21.

[7]John F. MacArthur Jr. Introdução do Editor: In: John F. MacArthur Jr. ed. Ouro de Tolo? Discernindo a Verdade em uma Época de Erro, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2006, p. 11.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *