O Jardim do Éden e a sua condição paradisíaca sem a mulher

Não foi feita da sua cabeça, como para ter domínio sobre ele, nem de seus pés, como para não ser pisoteada por ele, senão de seu lado, para ser igual a ele, de debaixo de seu braço para ser protegida, e de junto ao coração para ser amada. – Matthew Henry.[1]

 

A mulher foi criada para ser companheira do homem. Deste modo percebe-se a ideia de complemento. O homem sozinho estaria no paraíso. Contudo permaneceria só, sem uma companheira. O paraíso sem a mulher seria um paraíso incompleto, insatisfatório. No céu, seremos como os anjos, não nos casaremos (Mt 22.30). Adão, no seu estado terreno, felizmente ainda precisa do auxílio de uma esposa.[2]

 

Visto que a mulher completaria o homem, ela tornar-se-ia da mesma forma incompleta se não cumprisse a missão a ela conferida. Vemos então, aqui, que somente os dois juntos, tornando-se uma só carne, se encaminham para a plenificação como imagem e semelhança de Deus por meio da geração de filhos, a proliferação da raça humana, e o uso de seus talentos de forma criativa e construtiva.[3]

 

O rabino Cassuto (1883-1951) colocou esse evento de forma poética: “Assim como a costela se encontra no lado do homem e lhe é anexa, da mesma forma a boa esposa, a costela de seu esposo, fica a seu lado para ser sua auxiliar-sósia, e sua alma faz fronteira com a dele”.[4]

 

1. Auxiliadora idônea

   “Far-lhe-ei uma auxiliadora (rz<[e) (‘ezer)[5] que lhe seja idônea (dg<n<) (neged) (Gn 2.18), é a solução encaminhada por Deus.

 

A) Auxiliadora

(rz<[e) (‘ezer): “Auxiliadora”, “ajudadora”. Esta palavra que nos tempos modernos é com frequência olhada como se fosse uma diminuição da mulher, tem na realidade um tom extremamente significativo. Ela é empregada especialmente para descrever a ação de Deus que vem em socorro do homem.

 

Em sentido lato, Deus mesmo é o ajudador dos pobres (Sl 72.12), dos órfãos (Sl 10.14/Jó 29.12); daqueles que não podem contar com mais ninguém (Sl 22.11). Por isso, podemos contar com ele nos momentos de enfermidade (Sl 28.7); nas opressões de inimigos (Sl 54.4) e em períodos de grande aflição (Sl 86.17). Aqueles que vivem fielmente, buscando seu amparo nele, podem ter a certeza do seu cuidado (Sl 37.40/Sl 89.21), sendo a sua lei e as suas mãos os seus auxílios (Sl 119.173,175).[6] Por isso, os servos de Deus suplicam a sua ajuda na batalha e nas aflições (Dt 33.7/Sl 20.2; 30.10; 79.9; 109.26; 119.86). O rei Uzias tornou-se famoso internacionalmente porque, por trás de todos os seus empreendimentos, estava a maravilhosa ajuda de Deus (2Cr 26.15). Por outro lado, quando Israel deixou de confiar no sustento de Deus e buscou aliança com os egípcios para a sua proteção, Deus diz que isso de nada adiantaria contra a Babilônia (Is 30.5,7; 31.3/Os 13.9).

 

Somos desafiados então, a confiar em Deus, porque ele cuida de nós, é o nosso amparo (Sl 33.20; 70.5; 72.12; 115.9-11; 124.8; Is 44.2): de Deus vem o nosso socorro (Sl 121.1-2). Israel é feliz porque tem a Deus como aquele que o socorre (Dt 33.26,29). Felizes são todos aqueles que têm a Deus por auxílio (Sl 146.5).

 

Devido ao seu socorro, devemos entoar louvores ao seu nome (Sl 28.7). Dentro das profecias messiânicas de Isaías, vemos a confiança do Ungido do Senhor. Certo do socorro do Senhor, sabe que não será envergonhado (Is 50.7,9).

 

Harriet e Gerard fazem uma bela e real aplicação: “Que papel importante Deus dá a mulher. Ela se coloca ao lado do seu marido como auxiliadora, assim como Deus se coloca ao lado de seu povo”.[7]

B) Idônea

(dg<n<) (neged): “Idônea”, tem o sentido de “correspondente a ele”, “conforme”, “aquilo que corresponde”, “sua contrária”. Significa também, “estar em frente”, “defronte” (Êx 19.2; Js 3.16; 6.5,20; Dn 6.11).

 

A mulher foi formada como uma “contraparte” do homem. É uma semelhança perfeita dele, ainda que lhe seja oposta, no sentido de complemento. O homem aprovou a criação de Deus, porque pode perceber a mulher “não como sua rival, mas como sua companheira, não como uma ameaça, mas como a única capaz de realizar seus desejos íntimos”.[8]

 

Robertson analisa:

O propósito da existência do homem como ser criado não é ser um auxílio para a mulher no casamento. Mas o propósito da existência da mulher como ser criado é glorificar a Deus sendo um auxílio para o homem.

…. A mulher deve ser, na verdade, uma auxiliadora do homem. Mas deve ser auxiliadora ‘correspondente a ele’. O todo da criação de Deus serviria de auxílio ao homem de uma ou outra maneira. Mas em parte alguma da criação poder-se-ia achar um auxiliar ‘correspondente’ ao homem (Gn 2.20). Somente a mulher como ser criado do homem correspondeu a ele de tal maneira que fez dela o auxílio adequado de que ele necessitava.

Este traço distintivo da mulher indica que ela não é menos significativa do que o homem com respeito à pessoa dela. De maneira igual ao homem, ela traz em si mesma a imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27). Somente como igual em pessoalidade podia a mulher ‘corresponder’ ao homem.[9]

 

2. A igualdade entre o homem e a mulher

 

Os textos também revelam a prioridade social e governamental do homem, não a sua superioridade essencial (Ef 5.22; 1Co 11.3-12; 1Pe 3.6,7).[10] É preciso que não confundamos a primazia e liderança com o domínio tirânico.

 

Ortlund, Jr., escreve:

 

A masculinidade e a feminilidade identificam seus respectivos papéis. Conforme Deus determinou, o homem, em virtude de sua masculinidade, é chamado a liderar. E a mulher, em virtude de sua feminilidade, é chamada para ajudar. (…) Mas, observe: dominação masculina é uma falha pessoal e moral, não uma doutrina bíblica.[11]

 

Deus, ao criar a mulher, não a fez inferior. Ela também foi feita conforme à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27). A ordem divina quanto ao povoar, dominar, guardar e cultivar a terra é responsabilidade de ambos. Os dois partilham dos deveres e responsabilidades conferidos por Deus. Sozinhos, ambos são insuficientes para cumprirem o propósito de Deus em suas vidas.

 

Harriet e Gerard comentam:

 

A passagem [Gn 1.26-31] claramente indica que na sua origem a fêmea foi criada da mesma substância do macho; ela não é inferior quanto ao seu ser ou pessoa. Ela não é inferior como portadora da imagem, representante ou espelho de Deus na vida diária. A mulher é uma pessoa tanto quanto o homem. Assim como o macho é, a fêmea é feita à imagem e semelhança do Deus triúno e consequentemente tem o seu próprio relacionamento pessoal e espiritual com Deus. Neste particular ela é absolutamente igual ao homem. Ela também recebeu o mesmo mandato que o seu marido recebeu. Ela deveria cultivar o jardim com ele, dominar sobre ele e com o marido, ser frutífera e povoar a terra. No capítulo 2 ela, juntamente com o seu marido, recebeu o mandato espiritual de continuar a andar com Deus. Ela e o seu marido são proibidos de comer do fruto da árvore. Ambos recebem o mandato social de serem frutíferos.[12]

 

O paraíso sem a mulher seria solitário e, de certa forma, menos alegre. Deus retardou a criação da mulher para, entre outras coisas, mostrar ao homem, a sua importância e necessidade de complemento.

 

Agradeçamos a Deus por nossas mães, esposas e filhas, como representativas de todas as mulheres, criadas como nós, homens, à imagem de Deus, tendo como propósito mútuo, amadurecer em nossa fé conforme a imagem de Cristo, o modelo absoluto para todos nós (Rm 8.29-30).

 

 

São Francisco do Sul, 7 de março de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa.

 


 

[1]Matthew Henry, “Commentary on The Whole Bible,” The Master Christian Library, (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Sofware, 2000), v. 1, (Gn 2.21-25), p. 58-59.

[2]Cf. Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 574-575.

[3] Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 587-589.

[4] Apud Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, (Gn 2.21), p. 105.

[5] A Septuaginta traduz por bonqo\n, proveniente de bonqoj, “útil”, “auxiliador”, “ajudador” (*Hb 13.6).

[6] 173Venha a tua mão socorrer-me, (rz:[‘)(‘azar) pois escolhi os teus preceitos. (…) 175 Viva a minha alma para louvar-te; ajudem-me (rz:[‘)(‘azar) os teus juízos” (Sl 119.173, 175).

[7]Harriet; Gerard van Groningen, A Família da Aliança, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 99.

[8] Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade, p. 39.

[9] O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1997, p. 69.

[10] Veja-se: Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, (Gn 2.18), p. 104.

[11] Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade, p. 40.

[12]Harriet; Gerard van Groningen, A Família da Aliança, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 94. Veja-se também: Gerard van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 86.

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