O Choro Bem-Aventurado: Uma emoção Contracultural (Mt 5.4) (10) (FINAL)

Algumas aplicações

 

1) As aflições, por vezes, se constituem em meios de nos aproximar mais de Deus por meio das orações.

 

       2) A tristeza, proporcionada pela disciplina de Deus, produz arrependimento e nosso retorno à alegria da comunhão com Ele: Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação (2Co 7.10). O consolo de Deus para com os que choram de arrependimento é o perdão. Não há nada mais consolador do que ser restaurado à comunhão com o nosso Senhor.

 

3) Faço aqui uma digressão: Com entusiasmo tenho assistido há algumas décadas um crescente interesse pela teologia e pensamento Reformados no Brasil.[1] Sei que esse fenômeno não é apenas uma peculiaridade da igreja brasileira.[2] Sei também que em um período de euforia e, por vezes, de triunfalismo, é comum haver pouca reflexão e, portanto, adesão e rejeição de uma “onda” sem a avaliação mais demorada e consistente dos fenômenos. Obviamente tais comportamentos geram dificuldades.

 

Alegro-me em ver em todas as partes do país, jovens, em sua grande maioria, com grande e intenso interesse pelas obras de Calvino, dos Puritanos, teólogos contemporâneos e apologetas do século XX e XXI. Isso é muito encorajador. Não é para menos. Basta lembrar que a primeira obra de Calvino só foi traduzida para o português em 1985.[3]

 

Com crescimento de traduções dessas obras, o surgimento de gerações de teólogos comprometidos com as Escrituras e seu fiel ensinamento tem sido uma constante. Isso não é de pouca monta. Deus tem abençoado a igreja brasileira.

 

Contudo, é preciso que nós teólogos, especialmente os mais maduros, não se infantilizem com a publicidade, se bestializando, assumindo atitudes pueris, com preocupações exóticas, criando grandes questões em cima de assuntos irrelevantes ou queiram ser maiores do que a mensagem que deveriam levar. Popularidade não é necessariamente sinônimo de fidelidade e, triunfalismo teológico certamente não é o caminho bíblico para o ensino da verdade. Por vezes, e não poucas, a verdade tem permanecido com o remanescente fiel. A verdade não é construída nem destruída, antes ela permanece porque toda verdade pertence a Deus. Por isso, só permanece na condição de verdadeiro o que é verdade. A verdade, por proceder de Deus, é eterna.

 

É preciso que cultivemos o espírito de gratidão a Deus e grande temor diante de nossa responsabilidade como cooperadores do Reino.

 

A infantilidade tem sua graça na infância. Na mocidade, em alguns casos, pode até ser tolerada. Mas, na vida adulta é lamentável. Ainda mais se essa imaturidade for influenciadora de dezenas de pessoas na sua imaturidade natural fruto de sua infância espiritual.

 

Por vezes, no desejo orgulhoso e pecaminoso de permanecer em evidência, corremos o risco de fazermos concessões com a verdade a fim de sermos bem aceitos dentro dos moldes contemporâneas, com a sua ética e estética tão bem definidas sob a designação sagrada de “politicamente correto”.

 

Quando o gosto e a preferência pessoal assumem preponderância sobre a verdade, temos de fato o grave problema do pragmatismo teológico e eclesiástico. Nesse contexto, a verdade torna-se indiferente e irrelevante.[4]

 

Os líderes e mestres da igreja são responsáveis dentro de sua esfera de competência por conduzir com integridade o rebanho. A superficialidade na condução do povo de Deus por meio da Palavra é quase tão grave quanto o ensino estranho às Escrituras.

 

       Uma teologia que vise destruir seu oponente, fomentar debate pelo debate e ostentar uma suposta superioridade intelectual e um cinismo arrogante, nada tem a ver com o propósito de uma genuína teologia bíblica, que é nos conduzir ao conhecimento pessoal e redentivo de Deus que redunde em Sua glória.

 

Sabemos que toda afirmação envolve negação. A verdade sempre envolverá antíteses. Aqui não temos escolhas. Dizer “sim” é dizer “não”. Convicção e firmeza não são sinônimas de pretensão arrogante.

 

A verdade revelada nas Escrituras é a realidade como Deus a percebe. Deus percebe as coisas como são. Somente Deus, e mais ninguém, tem um conhecimento objetivo da realidade. As coisas são como são porque de alguma forma Deus as sustenta. Antes de atribuirmos valor à verdade, ela já o tem porque foi Deus quem a criou e lhe confere significado. A verdade é uma expressão de Deus em Si mesmo e na Criação. Deus é a verdade, opera por meio da verdade e nos conduz à verdade. A graça de Deus opera pela verdade e, nesta verdade que foi ouvida e compreendida, frutificamos (Cl 1.6).

 

“A verdade é aquilo que é consistente com a mente, a vontade, o caráter, a glória e o ser de Deus. Sendo mais preciso: a verdade é a autoexpressão de Deus”.[5] Por isso, a verdade é sempre essencial. O Cristianismo não se sustenta amparado em aparências, circunstâncias e ambiguidades, antes, ele proclama a verdade e se dispõe a ser examinado à luz da verdade. Ou a sua mensagem é verdadeira, ou não há mensagem relevante a ser proclamada. “Como sempre, verdade é a questão essencial. Onde uma noção clara da verdade está ausente, o cristianismo torna-se mais uma atitude do que um sistema de crenças. Contudo, a crença sempre pressupõe uma verdade que pode e deve ser conhecida”.[6]

 

A teologia como a sistematização do que nos foi revelado na Palavra, visa tornar mais compreensível a plenitude da revelação.[7] A teologia, portanto, nada tem a dizer além das Escrituras. Ela não a substitui nem a completa, antes, deve ser a sua serva. A teologia brota dentro da intimidade da fé daqueles que cultuam a Deus e comprometem-se com a edificação da igreja.

 

A nossa teologia é sempre limitada e finita. Nunca é um edifício completo em todas as suas partes.[8] Antes, é uma tentativa humana de aproximação fiel das Escrituras, rogando a indispensável assistência do Espírito (Sl 119.18) e, por isso mesmo, sempre aberta à correção e aperfeiçoamento proveniente do estudo das Escrituras acompanhada pela essencialidade da iluminação do Espírito.

 

Nesse propósito, ela apresenta uma direção humilde para os peregrinos que vivem no mundo de Deus buscando compreender e vivenciar de forma autêntica as etapas de sua jornada até que cheguem ao seu destino (Rm 8.29-30),[9] e, o Senhor Jesus volte para nos conduzir em absoluta segurança para o lugar que Ele mesmo foi-nos preparar. (Jo 14.1-6).

 

O maravilhoso mistério a respeito de Deus aumenta em nossa compreensão à medida que mais O conhecemos.[10] A douta ignorância faz parte essencial da fé genuína e sincera.[11] O conhecimento de nossa limitação não é inato, antes é precedido pela revelação.  É no encontro significativamente pessoal com Deus que tomamos conhecimento de nossas limitações.[12] O nosso conhecimento poder ser real e genuíno, porém é fragmentado e limitado.[13] Contudo, devemos nos alegrar em poder conhecer. O Senhor não exigirá mais do que nos foi dado. Mas, o Senhor exige a nossa fidelidade no muito e no pouco.[14]

 

Talvez aqui devêssemos nos arrepender e chorar pelo fato de nem sempre termos esses propósitos em vista, nos tornando arrogantes e negligentes, confiando em nossa capacidade ou barateando a graça por meio de nossa ociosidade e inépcia.

 

Que o Senhor nos console com o seu perdão, nos imbuindo de maior fidelidade, humildade e piedade.

 

       4) O consolo que temos está na cruz junto ao Senhor crucificado, o nosso Consolador. Na vitória do Filho na cruz, temos o nosso definitivo consolo.

 

       5) A Igreja, no presente tempo, ainda que já usufruindo parcialmente da alegria do Reino comunicada pelo Messias,[15] geme aguardando o regresso triunfante de Cristo, quando ela estará para sempre com o seu Senhor:

 

23 E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. 24 Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? 25 Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos. (Rm 8.23-25).

 

       6) No final dos tempos, quando Deus consumar a sua obra, ele mesmo enxugará de nossos olhos todas as lágrimas (Ap 7.17; 21.4). A tristeza da Igreja Militante se converterá na alegria da Igreja Triunfante: “Em verdade, em verdade eu vos digo que chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará; vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria” (Jo 16.20). Na glorificação futura, teremos para sempre e de forma plena, a bem-aventurança prometida.

 

Sproul (1939-2017) comenta com sensibilidade bíblica:

 

Bem-aventurança é o que nós buscamos.

A bem-aventurança nunca é uma realização. Não podemos ganhá-la em troca de algo nem manipulá-la. Ela é fruto da graça divina, um presente que somente o próprio Deus é capaz de nos conceder. Embora tenhamos a capacidade de recebê-la, somos incapazes de produzi-la. Embora sejamos ativos em buscá-la, somos passivos em recebê-la. Bem-aventurança é algo que Deus faz por nós, para nós e em nós.

Bem-aventurança é um assunto que envolve um processo gradual. Ela atinge seu auge no complemento final de nossa santificação por parte de Deus, que a Bíblia chama de glorificação.

A etapa final da bem-aventurança é a glorificação.[16]

 

       7) O Catecismo de Heidelberg (1563), à pergunta nº 1, “Qual é o teu único conforto na vida e na morte?”, responde:

 

     É que eu pertenço ‒ corpo e alma, na vida e na morte ‒ não a mim mesmo, mas a meu fiel Salvador, Jesus Cristo, que com o seu precioso sangue pagou plenamente todos os meus pecados e me libertou completamente do domínio do Diabo; que Ele me protege tão bem, que sem a vontade de meu Pai no céu nenhum cabelo pode cair da minha cabeça; na verdade, que tudo deve adaptar-se ao seu propósito para a minha salvação. Portanto, pelo seu Santo Espírito, Ele também me garante a vida eterna e me faz querer estar pronto, de todo o coração, a viver para Ele daqui por diante”.

 

À pergunta 52, “Que conforto a volta de Cristo ‘para julgar os vivos e os mortos’ te oferece?”, responde:

 

     Que em toda aflição e perseguição posso esperar, de cabeça erguida, o verdadeiro Juiz do céu, que já se submeteu ao julgamento de Deus por mim e de mim removeu toda a maldição; que Ele lançará todos os seus e os meus inimigos na condenação eterna, mas, juntamente com todos os eleitos, me tomará para si mesmo na alegria e glória celestial.[17]

 

Maringá, 01 de fevereiro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Este artigo faz parte de uma série. Confira aqui a série completa.

 


 

[1] Escrevi um pouco sobre isso na introdução do texto: João Calvino: uma coletânea de escritos, São Paulo: Vida Nova, 2017, p. 9-12.

[2] Vejam-se algumas perspicazes anotações em: Iain H. Murray, John MacArthur, Servo da Palavra e do Rebanho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2012, p. 233-248.

[3]Em outubro de 1985 houve o lançamento no Seminário Presbiteriano do Sul de dois dos quatro volumes das Institutas de Calvino. Os outros dois seriam publicados apenas em 1989.

[4] Veja-se: William L. Craig,  Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 11.

[5] John F. MacArthur, A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 30.

[6]Albert Mohler, O Desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 11-12.

[7] “A teologia representa a tentativa humana de colocar ordem nas ideias das Escrituras, organizando-as e ordenando-as para que a relação mútua entre elas possa ser melhor entendida”   (Alister McGrath, Teologia para Amadores, São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 32). “A teologia consiste em associar muitas passagens sobre diversos assuntos e organizá-las em um conjunto inteligível” (Gordon H. Clark, Em Defesa da Teologia, Brasília, DF.: Monergismo, 2010, p. 20).

[8] “A teologia deve sempre ser submetida à reforma. O entendimento humano é imperfeito. Embora as construções sistemáticas de alguma geração ou grupo de gerações possam ser arquitetônicas, sempre há a necessidade de correção e reconstrução de modo que a estrutura possa vir a uma aproximação mais íntima das Escrituras e a reprodução possa vir a ser uma transcrição ou reflexo mais fiel do exemplar divino” (John Murray, O Pacto da Graça: Um Estudo Bíblico-Teológico,  São Paulo: Editora Os Puritanos, 2001, p. 8).

[9] “O objetivo da boa teologia é humilhar-nos diante do Deus trino de majestade e graça. (…) Os antigos teólogos da Reforma e da pós-Reforma estavam tão convictos que suas interpretações estavam muito distantes da majestade de Deus que eles chamavam seus resumos e sistemas de ‘nossa humilde teologia’ e ‘uma teologia para peregrinos no caminho’” (Michael Horton, Doutrinas da fé cristã,  São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 15). Vejam-se: João Calvino, Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.6), p. 93; John M Frame, A doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 97; Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 45.

[10] “O verdadeiro mistério só pode ser entendido como  um mistério genuíno mediante a revelação” (Emil Brunner,  Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157).

[11] Ver: João Calvino, As Institutas, III.21.2; III.23.8. Na edição de 1541, escrevera: “E que não achemos ruim submeter neste ponto o nosso entendimento à sabedoria de Deus, aos cuidados da qual Ele deixa muitos segredos. Porque é douta ignorância ignorar as coisas que não é lícito nem possível saber; o desejo de sabê-las revela uma espécie de raiva canina” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3 (III.8), p. 53-54).

[12] Ver: Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157, 159ss.

[13] Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 98, 110.

[14] Veja-se: Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 10.

[15]“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; 2 a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram 3 e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado; a fim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo Senhor para a sua glória” (Is 61.1-3/Lc 4.16.19). “Na pessoa de Jesus Cristo o futuro se torna presente” (Herman N. Ridderbos, O Testemunho de Mateus acerca de Jesus Cristo: o Rei e o Reino, Patrocínio, MG.: Ceibel, 1980, p. 24).

[16]R.C. Sproul, A Alma em Busca de Deus: Satisfazendo a fome espiritual pela comunhão com Deus, São Paulo: Eclesia, 1998, p. 170.

[17] Ver também: Catecismo Maior de Westminster, Perg. 90.

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