Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (18) – A Reforma e os seus Credos (3)

Este artigo é continuação do: Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (17) – A Reforma e os seus Credos (2)

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Confissão de Augsburgo

Em 1530, Carlos V, Imperador da Alemanha, convoca a Dieta de Augsburgo. Objetivo: unificação político-religiosa dos seus domínios. Daqui saiu a Confissão de Augsburgo, redigida por Ph. Melanchthon (1479-1560), o “preceptor da Germânia”,[1] com a aquiescência de Lutero (1483-1546), que fez um comentário ambíguo a respeito da sua leveza…. Esta Confissão foi lida, em latim e alemão, pelo Chanceler Christian Beyer, da Saxônia Eleitoral, perante toda a Dieta, no dia 25 de junho de 1530, às 15 horas. Mesmo o Imperador não a aceitando, e proibindo a sua divulgação, ela em pouco tempo foi propagada em toda Alemanha.[2]

 

Calvino entende que a divergência em questões secundárias não deve servir de pretexto para a divisão da Igreja; afinal, todos, sem exceção, estão envoltos de “alguma nuvenzinha de ignorância”.

 

São palavras do Apóstolo: “Todos quantos somos perfeitos sintamos o mesmo; se algo entendeis de maneira diferente, também isto vos haverá de revelar o Senhor” (Fp 3.15). Não está ele, porventura, a suficientemente indicar que o dissentimento acerca destas cousas não assim necessárias não deve ser matéria de separação entre cristãos? Por certo que estará em primeira plana que em todas as cousas estejamos em acordo; mas, uma vez que ninguém há que não esteja envolto de alguma nuvenzinha de ignorância, impõe-se que ou nenhuma igreja deixemos, ou perdoemos o engano nessas cousas que possam ser ignoradas não somente inviolada a suma da religião, mas também aquém da perda da salvação.

Mas, aqui, não quereria eu patrocinar a erros, sequer os mais diminutos, de sorte que julgue devam ser fomentados, com agir com complacência e ser-lhes conivente.[3] Digo, porém, que não devemos por causa de quaisquer dissentimentozinhos abandonar irrefletidamente a Igreja, em que somente se retenha salva e ilibada essa doutrina, mercê da qual se mantém firme a incolumidade da piedade e conservado é o uso dos sacramentos instituído pelo Senhor.[4]

Não vejo, porém, nenhuma razão por que uma igreja, por mais universalmente corrompida, desde que contenha uns poucos membros santos, não deva ser denominada, em honra desse remanescente, de santo povo de Deus.[5]

Contanto que a religião continue pura quanto à doutrina e ao culto, não devemos deixar-nos abalar em demasia ante os erros e pecados que os homens cometem, como se com isso a unidade da Igreja fosse dilacerada. Entretanto, a experiência de todas as épocas nos ensina quão perigosa esta tentação se torna quando vemos a Igreja de Deus, que deve prosseguir isenta de toda e qualquer mancha poluente e resplandecer em incorruptível pureza, nutrindo em seu seio um grande número de hipócritas ímpios ou pessoas perversas. (…) Mas Cristo, em Mateus 25.32, com justa razão alega ser seu, com toda propriedade, o ofício peculiar de separar as ovelhas dos cabritos; e por isso nos admoesta que devemos suportar os maus, e que não está em nosso poder corrigi-los, até que as coisas se tornem amadurecidas e chegue o tempo próprio de purificar a Igreja. Ao mesmo tempo, os fiéis são aqui intimados, cada um em sua própria esfera, a empregar todos os seus esforços para que a Igreja de Deus seja purificada das corrupções que nela ainda persistem.

(…) O sagrado celeiro de Deus não estará perfeitamente purificado antes do último dia, quando Cristo, em sua vinda, lançará fora a palha. Mas Ele já começou a fazer isso através da doutrina do seu Evangelho, que chama crivo de joeirar. Não devemos, pois, de forma alguma ser indiferentes acerca desse assunto; ao contrário, devemos antes mostrar-nos absolutamente sérios, para que todos nós que professamos ser cristãos possamos levar uma vida santa e imaculada. Acima de tudo, porém, o que Deus aqui declara com respeito a toda injustiça deve ficar indelevelmente impresso em nossa memória; ou seja, que Ele os proíbe de entrar em seu santuário, e condena sua ímpia presunção em irreverentemente intrometer-se na sociedade dos santos.[6]

Todavia, ainda quando a Igreja seja remissa em seu dever, não por isso será direito de cada um em particular a si pessoalmente assumir a decisão de separar-se”.[7]

Há tanta rabugice em quase todos esses indivíduos que, estando em seu poder, de bom grado fariam para si suas próprias igrejas, porquanto se torna difícil acomodarem-se aos modos das demais pessoas.[8]

É indubitável que a nós compete cultivar a unidade da forma a mais séria, porque Satanás está bem alerta, seja para arrebatar-nos da Igreja, ou para desacostumar-nos dela de maneira furtiva.[9]

 

Na sua concepção a humildade se constitui num primeiro passo para alcançar a unidade. Continua:

 

Donde procede a impudência, a soberba e as injúrias lançadas contra os irmãos? Donde procede as questiúnculas, os escárnios e as exprobrações, a não ser do fato de cada um amar excessivamente a si próprio e de querer agradar em demasia a si próprio? Aquele que se desfaz da arrogância e cessa de agradar a si próprio se tornará manso e acessível. E quem quer que persista em tal moderação ignorará e tolerará muitas coisas nos irmãos.(…) Será inútil ensinar a mansidão, a menos que tenhamos iniciado com humildade.[10]

 

Portanto, “devemos ser unidos, não apenas em uma parte, mas no corpo e na alma”.[11]

 

Em 19 de agosto de 1561, na Dedicatória de seu comentário do Profeta Daniel, Calvino fala de seu esforço por manter a paz – o que nem sempre tem sido possível –, e, ao mesmo tempo, estimula seus irmãos a não ultrapassarem determinados limites. Escreve:

 

Mais ainda, é vossa incumbência, amados irmãos, tomar prudente cuidado para que a verdadeira religião possa novamente readquirir uma posição sã; isto é, até onde cada um tiver o poder e a vocação. Não é necessário dizer o quanto tenho lutado para remover toda e qualquer ocasião geradora de tumultos até agora. Clamo aos anjos e a vós para testemunhardes diante do supremo juiz que não é de minha responsabilidade que o progresso do reino de Cristo não tenha sido calmo e inofensivo. De fato, julgo ser em decorrência de meu cuidado que pessoas particulares ainda não passaram dos limites.[12]

 

 

São Paulo, 5 de dezembro de 2018.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

[1]Cf. Herrlinger e Max Landerer, Melanchthon: In: Philip Schaff, ed. Religious Encyclopaedia: or Dictionary of Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, v. 2, p. 1461; Paul Monroe, História da Educação, 11. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976, p. 179 e Lorenzo Luzuriaga, História da Educação Pública, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959, p. 8. Monroe, diz que Melanchthon, por ter redigido em 1528, os Regulamentos Escolares da Saxônia, “tornou-se o fundador do sistema escolar do Estado moderno.” (P. Monroe, História da Educação, p. 180). Na presidência da Universidade de Wittenberg, ele “exigiu que os professores ensinassem de acordo com o Credo Apostólico, o Credo de Nicéia, o Credo de Atanásio e a Confissão de Augsburgo” (Hayward Armstrong, Bases da Educação Cristã, Rio de Janeiro: JUERP., 1992, p. 62).

[2] Vejam-se: Martin Dreher em Introdução à Confissão de Augsburgo, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1980, p. 7-11; J.M. Drickamer, Confissão de Augsburgo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, v. 1, p. 328-329.

[3] “Paulo, pois, nos ensina (Ef 5.11) que, quando não reprovamos os maus, essa é uma espécie de comunhão com as obras infrutíferas das trevas. É certamente um modo de agir muito perverso quando certas pessoas, buscando alcançar o favor humano, indiretamente desdenham de Deus; e todos são coniventes em fazer com que seus negócios sejam do agrado dos perversos. Davi, contudo, sente deferência, não tanto pela pessoa do perverso, mas pelas suas obras. O homem que vê o perverso sendo honrado, e pelos aplausos do mundo se torna ainda mais obstinado em sua perversidade, e que de bom grado dá seu consentimento ou aprovação, com isso não estará enaltecendo o vício, em vez da autoridade, e o envolvendo de soberano poder?” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 15.1), p. 293).

[4] J. Calvino, As Institutas, IV.1.12. Em outro lugar: “Onde se professava o Cristianismo, se adorava um único Deus, se praticavam os Sacramentos e se exercia algum gênero de ministério, ali permaneciam as marcas da Igreja. Nem sempre encontramos nas igrejas tal pureza como era de se desejar. Ainda a mais pura tem suas máculas, e algumas têm não só umas poucas manchas aqui e ali, mas são quase que completamente deformadas. Não devemos ficar tão desconcertados pelo ensino e vida de alguma sociedade que, se não ficamos satisfeitos com tudo o que se procede ali, então prontamente negamos ser ela uma igreja” (João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 1.2), p. 25).

[5] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 50.4), p. 401.

[6] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 15.1), p. 287-289.

[7] J. Calvino, As Institutas, IV.1.15. Em outro lugar Calvino diz: “Deus só é corretamente servido quando sua lei for obedecida. Não se deixa a cada um a liberdade de codificar um sistema de religião ao sabor de sua própria inclinação, senão que o padrão de piedade deve ser tomado da Palavra de Deus” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 1.1), p. 53).

[8] João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 10.25), p. 272.

[9]João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 10.25), p. 273.

[10]João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.1), p. 108.

[11]João Calvino, Efésios, (Ef 4.1-4), p. 109.

[12]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, p. 26.

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