Eu lhes tenho dado a tua Palavra (Jo 17.1-26) (94)

6. É o meio eficaz para nos conduzir a Cristo 

“Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra” (Jo 17.20)

Esta oração tem em seu cerne uma implicação evangelística. Está implícita a responsabilidade dos discípulos proclamarem a mensagem do Evangelho e de que eles o façam levando a Palavra de Deus.

Jesus Cristo nos fala do agente do anúncio que são seus discípulos, o conteúdo, que é a Palavra de Deus e o alvo, crê em Jesus Cristo. Aqui temos aspectos fundamentais da evangelização. A Igreja ensina a Palavra de Deus para que os eleitos possam ouvi-la e crerem em Jesus Cristo, nosso Senhor, tendo seus pecados perdoados, constituindo-se assim na Igreja de Cristo.

Analisemos alguns destes aspectos:

6.1. A Igreja como proclamadora do Evangelho

A fé é procedente do ouvir porque a pregação externa dos homens é o instrumento pelo qual Deus nos atrai à fé. – João Calvino.[1]

A existência da Igreja determina a sua missão. Por sua vez, a sua missão, como não é algo acidental e periférico, indica a sua própria essência. A igreja foi constituída por Deus para glorificar-lhe em sua existência. E, de fato, o Senhor é glorificado quando a Igreja Lhe obedece. (Jo 17.4).

A Igreja tem como razão de sua constituição o culto a Deus. Ela manifesta-se como povo de Deus em ato de culto: o povo redimido que narra a obra vitoriosa de Cristo, sendo esta obra o testemunho concreto do poder amoroso e misericordioso de Deus. O ato de culto, portanto, é um ato também de proclamação.

A evangelização, corretamente entendida, é uma atitude de culto por meio da qual testemunhamos quem é Deus e o que Ele tem feito e pode fazer conforme as suas promessas. Por isso que toda proclamação cristã envolve em si mesma um desafio para que os nossos ouvintes, por graça, respondam com fé ao nosso testemunho que nada mais é do que o anúncio do Evangelho.

No culto a igreja compartilha a graça da qual ela é beneficiária. Isto é algo maravilhoso: o culto a Deus é prestado pelos redimidos que anunciam a misericórdia manifestada em sua redenção, convocando a todos a que se rendam a Deus e passem a também tributar-lhe glória.

Piper, escrevendo sobre Missões, inicia o seu livro de forma surpreendentemente objetiva:

As missões não representam o alvo fundamental da igreja, a adoração sim. As missões existem porque não há adoração, ela sim é fundamental, pois Deus é essencial e não o homem. Quando esta era se encerrar e os incontáveis milhões de redimidos estiverem perante o trono de Deus, não haverá mais missões. Elas representam, no momento, uma necessidade temporária. Mas a adoração permanece para sempre.

A adoração é, portanto, o combustível e a meta das missões. É a meta das missões porque nelas simplesmente procuramos levar as nações ao júbilo inflamado da glória de Deus. O alvo das missões é a alegria dos povos na grandiosidade de Deus (Sl 97.1; 67.3-4).

As missões começam e terminam com a adoração.

Se a busca da glória de Deus não for colocada acima da busca do bem do homem nas afeições do coração e nas prioridades da igreja, o homem não será bem servido e Deus não será devidamente honrado. Não estou pleiteando por uma diminuição de missões, mas pela exaltação de Deus. Quando a chama da adoração arder com o calor da verdadeira excelência de Deus, a luz das missões brilhará para os povos mais remotos da terra. Eu anseio para a chegada desse dia!

Onde a paixão por Deus é fraca, o zelo pelas missões será fraco.[2]

As missões não são a meta suprema de Deus, a adoração, sim.[3]

A razão mais importante para a adoração ser o alvo das missões é porque ela é a meta de Deus.[4]

Calvino comentando Gálatas 4.26,[5] diz: “A Igreja enche o mundo todo e é peregrina sobre a terra. (…) Ela tem sua origem na graça celestial. Pois os filhos de Deus nascem, não da carne e do sangue, mas pelo poder do Espírito”. Continua: “Eis a razão por que a Igreja é chamada a mãe dos crentes.[6] E, indubitavelmente, aquele que se recusa a ser filho da Igreja debalde deseja ter a Deus como seu Pai. Pois é somente através do ministério da Igreja que Deus gera filhos para si e os educa até que atravessem a adolescência e alcancem a maturidade”.[7]

A peregrinação da Igreja tem um sentido missionário (“Até os confins da terra”) e escatológico (“Até a consumação do século”): Enquanto ela caminha, confronta os homens com a mensagem do Evangelho, conclamando a todos ao arrependimento e fé em Cristo Jesus até que Ele volte.

Nós somos o meio ordinário estabelecido por Deus para que o mundo ouça a mensagem do Evangelho. Jesus Cristo confiou à Igreja a tarefa evangelística. A Igreja é “o agente por excelência para a evangelização”.[8] Nenhum homem será salvo fora de Cristo, mas para que isto aconteça, ele tem que conhecer o Evangelho da Graça.[9] Como crerão se não houver quem pregue? (Rm 10.13-15).Como vimos, “O evangelismo pelo qual Deus leva os seus eleitos à fé é um elo essencial na corrente dos propósitos divinos”.[10]

Maringá, 10 de julho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 17.20), p. 199.

[2]John Piper, Alegrem-se os Povos: a supremacia de Deus em missões, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 13-14.

[3]John Piper, Alegrem-se os Povos: a supremacia de Deus em missões, p. 17.

[4]John Piper, Alegrem-se os Povos: a supremacia de Deus em missões, p. 18.

[5] Mas a Jerusalém lá de cima é livre, a qual é nossa mãe (Gl 4.26).

[6]“A Igreja é a mãe comum de todos os piedosos….” (João Calvino, Efésios,(Ef 4.12), p. 125).

[7]João Calvino, Gálatas,São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 4.26), p. 144. Veja-se: As Institutas,IV.1.1.

[8]R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 220. (Veja-se, todo o capítulo, p. 220-226).

[9]“Deus não pode ser devidamente invocado senão por aqueles aos quais a Sua bondade e a Sua clemência tenham sido proclamadas pela pregação do Evangelho” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 99).

[10]J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São Paulo: FIEL, 1994, p. 146.

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