“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (16)


  Retornando à questão, vejamos alguns motivos que caracterizam a importância do reconhecimento do Filho como enviado do Pai:

1) No envio do Filho Deus demonstra ser o Senhor que dirige a História

Aqui devemos afirmar basicamente o cuidado de Deus conosco. O nosso Deus não é o Deus dos deístas,[1] distante de nós, como se o mundo fosse apenas um relógio que funcionasse autonomamente.[2] Antes, Jesus Cristo nos diz que seus discípulos creram no seu testemunho que atestava que o Pai o enviou ao mundo. Deus age na história e o maior de todos os eventos foi a vinda de Cristo.

Paulo indicando o pleno e total controle de Deus sobre a história e a relação pré-existente do Filho com o Pai, resume: “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou (e)caposte/llw) seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei”(Gl 4.4).

“A plenitude do tempo” (Plh/rwma tou= xro/nou) (Gl 4.4) assinala o momento em que o “cronos[3] está completo; o tempo atingiu a sua plena medição: é o tempo preciso.

            Por isso, é que sem a Pessoa de Cristo, a História permanece como um enigma para todos nós. Jesus Cristo é o centro não apenas do calendário. Ele é de fato o centro significativo da História, assinalando que o grande evento, o evento central da História aconteceu: deu-se o cumprimento absoluto do tempo.[4] “Jesus Cristo é o centro para onde tudo converge. Quem O conhece, conhece a razão de todas as coisas”, enfatiza Pascal (1623-1662).[5] O clímax do plano de Deus se cumpriu.[6]

     O evento de Cristo como fato inconteste dá significado histórico ao nosso hoje existencial; à esperança dos que O antecederam em sua peregrinação histórica (Hb 11) e, à nossa esperança, que se fundamenta na vida, morte e ressurreição de Cristo, conforme o registro inspirado do Evangelho (1Co 15.1-19). A expectativa do futuro está fundamentada nos eventos do passado que, hoje, fazem uma diferença qualitativa na nossa perspectiva de vida. 

2) No envio do Filho vemos o amor salvador do Pai

Jesus Cristo é a prova mais evidente de que Deus nos ama. Leiamos alguns textos bíblicos:

Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou (a)poste/llw) o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. (Jo 3.16-17).

Nisto se manifestou (fanero/w) o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado (a)poste/llw) o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou (a)poste/llw) o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. (1Jo 4.9-10).

E nós temos visto e testemunhamos que o Pai enviou (a)poste/llw) o seu Filho como Salvador do mundo. (1Jo 4.14).

Crer na procedência do Filho significa aceitar o amor do Pai.

Maringá, 15 de fevereiro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Palavra que parece ter sido usada pela primeira vez no século XVI pelos socinianos objetivando distinguirem-se dos ateus (Cf. Deísmo: In: A. Lalande, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 236). É neste sentido que o teólogo calvinista, amigo e correspondente de Calvino, Pierre Viret (1511-1571) usou a expressão em 1564 em sua principal obra: “Há vários que confessam que acreditam que existe um Deus e uma Divindade, como os Turcos e os Judeus. Ouvi dizer que há nesse bando aqueles que se chamam Deístas, uma palavra totalmente nova que eles querem opor ao Ateísmo” (P. Viret, Instruction Chrétienne. Apud  Deísmo: In: A. Lalande, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, p. 236). Para um estudo detalhado do emprego que Viret fez da expressão, veja-se: C.J. Betts, Early Deism in France: From the so-called `deistes’ of Lyon (1564) to Voltaire’s `Lettres philosophiques’ (1734), Netherlands:  Martinus Nijhoff Publishers, © 1984, p. 6ss.  Para uma leitura mais resumida e acessível, consulte: Piland, Tiffany E., “The Influence and Legacy of Deism in Eighteenth Century America” (2011). Master of Liberal Studies Theses. 8, p. 4-5.  http://scholarship.rollins.edu/mls/8. (Consulta feita em 15.02.2020, às 20h10). A respeito do emprego da palavra ateísmo, veja-se também: R. Albert Mohler Jr., Ateísmo Remix: um confronto cristão aos novos ateístas, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2009, p. 21-22).

[2]O deísmo é uma denominação genérica das doutrinas filosófico-religiosas que surgiram em meados do século XVII, as quais, contrapondo-se ao “ateísmo”, afirmavam a existência de Deus; entretanto, negavam a Revelação Especial, os milagres e a Providência. Esse Deus é concebido preliminarmente como a causa motora do universo. Uma das ideias predominantes era a de que um Deus transcendente criou o mundo dotando-o de leis próprias e retirou-se para o seu ócio celestial, deixando o mundo trabalhar conforme as leis predeterminadas. Uma figura comum ao deísmo do século XVIII era a do relógio de precisão que seria o equivalente ao universo, que trabalha sozinho depois de se lhe dar corda (Figura usada no século XIV por Nicolaus de Oresmes [Cf. J.W. Charley, Deísmo: In: Wilton M. Nelson, ed. ger. Diccionario de Historia de la Iglesia, Miami, Florida: Editorial Caribe, 1989, p. 332]). Neste caso, Deus seria uma espécie de relojoeiro distante, apenas observando a sua criação sem “intervir” em suas questões cotidianas. A conclusão chegada pelos deístas, é a que as leis que regem o universo são imutáveis. O deísmo consequentemente atribui à Criação a capacidade de se sustentar e se governar por si mesma. Temos aqui um naturalismo autônomo.

            Desta forma, Deus é um proprietário ausente, que não age diretamente sobre a Criação; a única relação existente entre o Criador e a Criação, são as Suas leis deixadas, as quais regem o universo de forma determinista (Vejam-se: Destino: In: Voltaire, Dicionário Filosófico, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 23), 1973, p. 154-155; N.L. Geisler; P.D. Feinberg, Introdução à Filosofia, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 218ss.; William J. Wainwright, Deísmo: In: Robert Audi, dir., Dicionário de Filosofia de Cambridge, São Paulo: Paulus, 2006, p. 212). Deus seria regente do universo “apenas de nome”.

              É significativa a observação de Schaeffer sobre Voltaire e o Deísmo (Veja-se: Francis A. Schaeffer, Como Viveremos, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 77).

[3]xro/noj = Tempo, período de tempo. Esta palavra grega – de onde vem “cronômetro”, “cronologia” –, enfatiza a expansão quantitativa e sequencial do tempo. Ocorre 54 vezes. É traduzida quase que impreterivelmente por “tempo”. Algumas das exceções: “Vezes”: Lc 8.29; “Prazo”: Lc 20.9; “Demora”: Ap 10.6

[4] Veja-se: A.A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 27; Herman Ridderbos, El Pensamiento de Apóstol Pablo, Buenos Aires: Ediciones Certeza; Editorial Escaton, 1979, v. 1, p. 55-60.

[5]Blaise Pascal, Pensamentos, Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 16), 1973, VIII, 556. p. 178.

[6] Ver: James D.G. Dunn, A Teologia do Apóstolo Paulo, São Paulo: Paulus, 2003, p.183, 525-526.

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