“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26)(14)


2) Positivamente Considerando

a) Conhecer a Deus é partilhar da intimidade de ser também conhecido. Jesus, o Sumo pastor declara:  “Eu sou o bom pastor; conheço (ginw/skw)  as minhas ovelhas, e elas me conhecem (ginw/skw) a mim,  assim como o Pai me conhece (ginw/skw) a mim, e eu conheço (ginw/skw) o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas” (Jo 10.14-15).

          Conhecer envolve um relacionamento pessoal e afetivo. Jesus Cristo conhece pessoal e afetivamente o Seu povo. O conhecimento de Deus em relação ao Seu povo sempre denota uma relação íntima e amorosa pela qual Ele distingue os seus.[1]  Ele conhece os que lhe pertencem: “O firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece (ginw/skw) os que lhe pertencem. E mais: Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor” (2Tm 2.19).

          O Senhor sabe que há ovelhas que ainda não fazem parte deste aprisco, mas, que, no momento certo, serão reunidas por Ele mesmo, o Bom Pastor:  

Eu sou o bom pastor; conheço (ginw/skw) as minhas ovelhas, e elas me conhecem (ginw/skw) a mim,  assim como o Pai me conhece (ginw/skw) a mim, e eu conheço (ginw/skw) o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor.(Jo 10.14-16).  (Vejam-se também: Ex 33.17; Am 3.2; Mt 7.23; 1Co 8.3).

 b) Conhecer envolve discernimento e atitude de obediência: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço (ginw/skw), e elas me seguem” (Jo 10.27). Elas o seguem por o identificarem como o seu pastor.

          Aos fariseus que criticam os discípulos de Jesus por colherem espigas de milho para comer no sábado, Jesus lhes diz: “Mas, se vós soubésseis (ginw/skw) o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes”(Mt 12.7). (Ver: Mt 9.13; Os 6.6).

Jesus  revela conhecer o Pai guardando a Sua Palavra. “Entretanto, vós não o tendes conhecido (ginw/skw); eu, porém, o conheço. Se eu disser que não o conheço, serei como vós: mentiroso; mas eu o conheço e guardo (thre/w) a sua palavra” (Jo 8.55).

 c) Conhecer o Filho é o mesmo que conhecer o Pai: É impossível alguém conhecer de fato a Deus Pai sem crer (conhecer) em Jesus Cristo.

          Jesus Cristo afirmara: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.  Se vós me tivésseis conhecido (ginw/skw), conheceríeis (ginw/skw) também a meu Pai. Desde agora o conheceis (ginw/skw) e o tendes visto”(Jo 14.6-7).

          Na sequência, Filipe, seu discípulo, ainda não entendendo perfeitamente o que Jesus dissera, suplica: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta” (Jo 14.8). Obtém, então, a resposta: “…. Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido (ginw/skw)? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai?  Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras”(Jo 14.9-10).

          Portanto, é impossível alguém conhecer a Deus de fato  não reconhecendo a Cristo como o Deus encarnado, conforme escreve Owen (1616-1683): “Sem Cristo, nunca veríamos a Deus por nenhum momento quer aqui ou na eternidade (…). Somente Ele torna conhecida a anjos e seres humanos a glória do Deus invisível”.[2]

Destaquemos alguns pontos:

      1. O nosso conhecimento pode ser adequado, porém, limitado. Todo conhecimento é fé. Todo conhecimento é graça. Na glória conheceremos perfeitamente o que nos for dado conhecer por graça. O conhecimento de Deus é sempre precedido pela graça, nunca um desvelar-se pela nossa perspicácia intelectual ou “profundidade” espiritual.[3]  Devemos continuar progredindo no conhecimento de Deus.[4] “Antes, crescei na graça e no conhecimento  (gnw=sij)de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 3.18). A graça sempre antecede e possibilita o real conhecimento do Senhor.

      2. O genuíno conhecimento de Deus envolve necessariamente a compreensão de sua Palavra: “Agora, eles reconhecem (ginw/skw)que todas as coisas que me tens dado provêm de ti; porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram  (ginw/skw)que saí de ti, e creram que tu me enviaste” (Jo 17.7-8).[5]

3. Conhecer a Deus é essencial para o nosso relacionamento com Ele: “Unicamente aquele que recebeu o verdadeiro conhecimento de Deus por meio da Palavra do Evangelho pode chegar a ter comunhão com Cristo”, escreve Calvino.[6] Nós não servimos a um Deus desconhecido.

4. O nosso conhecimento de Deus manifesta-se em obediência:[7] “Aquele que diz: Eu o conheço (ginw/skw) e não guarda (thre/w) os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade” (1Jo 2.4).

5. O conhecimento de Cristo é preventivo contra o pecado: “Todo aquele que permanece nele não vive pecando; todo aquele que vive pecando não o viu, nem o conheceu (ginw/skw)(1Jo 3.6).

6. Enquanto o oráculo na ilha de Delfos[8] recomendava como máxima“Conhece-te a ti mesmo” (gnwqiseauto/n). Jesus Cristo nos dá a sua Palavra para que possamos conhecer o Pai e, a partir daí sim, possamos conhecer todas as coisas.[9]

7. Conforme já expusemos, reconhecemos a Deus pelo entendimento que o Senhor Jesus Cristo nos dá: “Também sabemos que o Filho de Deus é vindo e nos tem dado entendimento (dia/noia) para reconhecermos o verdadeiro); e estamos no verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eternal” (1Jo 5.20).  Por isso, toda a nossa meditação na Palavra deve vir acompanhada de oração (Sl 119.18). “Os que conhecem Deus melhor são os que falam mais com Ele”, resume Lloyd-Jones.[10]

Maringá, 13 de fevereiro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Vejam-se: ‘A.W. Pink,  Os Atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 23ss.; João Calvino,  Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.29), p. 295.

[2] John Owen, A Glória de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 17.

[3] “O nosso presente conhecimento é deveras obscuro e débil em comparação com a gloriosa visão que teremos de Cristo em seu último aparecimento”(João Calvino, Exposição de Segunda Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995,  (2Co 3.18), p. 79).

[4] “Verdadeiramente sábio é aquele que sabe quão longe se acha do perfeito conhecimento. Mas devemos progredir em nossa cultura, a fim de não ficarmos sempre no conhecimento rudimentar. (…) É mister que nos esforcemos para que nosso progresso corresponda ao tempo que nos é concedido. (…) No entanto, poucos são aqueles que se disciplinam a fazer um balanço do tempo passado, ou que se preocupam com o tempo por vir. Portanto, somos justamente castigados por nossa negligência, visto que a maioria de nós dissipa sua vida nos estágios elementares, como crianças” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 5.12), p. 140). “O conhecimento dos santos nunca é suficientemente puro, senão que alguns problemas turvam seus olhos, e a obscuridade os impede a que vejam com clareza” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.16), p. 40).

[5] “O evangelho não começa com as minhas dores e penas, minha necessidade de orientação, minha aflição. Não, começa com conhecer a Deus (…) O objetivo do cristianismo é levar-nos ao conhecimento de Deus como Deus, e ao conhecimento do Senhor Jesus Cristo” (D. Martyn Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 127).

[6]John Calvin, Golden Booklet of the True Christian Life, 6ª ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1977, p.16.

[7] “Conhecer a Deus é experimentar seu amor em Cristo, e devolver esse amor em obediência” (C.H. Dodd, Apud William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, (I,II,III Juan y Judas), Buenos Aires: La Aurora, 1974,  v. 15, p. 52).

[8] Onde havia o templo dedicado a Apolo.

[9]“Não se pode duvidar de que um dos mais tormentosos pecados e tentações que assediam o cristão mediano é a tendência de examinar-se de maneira errada. (…) Você é introspectivo quando passa o tempo todo olhando para si mesmo, olhando para dentro de si e preocupado única e supremamente consigo mesmo” (D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 86). “Tudo quanto os filósofos têm inquirido sobre o summum bonum  revela estupidez e tem sido infrutífero, visto que se limitam ao homem em seu ser intrínseco, quando é necessário que busquemos felicidade fora de nós mesmos. O supremo bem humano, portanto, se acha simplesmente na união com Deus, Nós o alcançamos quando levamos em conta a conformidade com sua semelhança” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 4.10), p. 105). Para uma perspectiva biblicamente adequada do “autoconhecimento”, consulte: J.I. Packer,  O Plano de Deus para Você, 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005, p. 191-205. Vejam-se também: João Calvino, As Institutas, I.1.1-3; I.6.1-I.9.1-3; David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004,  p. 47-48, 194; R.K. McGregor Wright,  A Soberania Banida: Redenção para a cultura pós-moderna,  São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 15.

[10] D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 33.

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