“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (11)


3.2. Receber (lamba/nw) (Jo 17.8)

     “…. e eles as receberam (lamba/nw)….” (Jo 17.8).

  Receber significa também, tomar (Mt 13.31,33; 14.19); trazer (Mt 16.7); agarrar (Mt 21.35,39); levar (Mt 25.4); assumir (Fp 2.7; Ap 11.17); aceitar (Jo 3.11) etc.Os discípulos receberam a Palavra de Deus conforme transmitida por Jesus Cristo e a assumiram como norma autoritativa de seu procedimento. Analisemos alguns textos:

3.2.1. Receber a Cristo

     “Mas, a todos quantos o receberam (lamba/nw), deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome”(Jo 1.12). É no ato de receber a Cristo pela fé, por intermédio da Palavra anunciada, que se concretiza a nossa filiação. Fomos regenerados. Assim, nos tornamos filhos de Deus. Aqui somos feitos membros da família de Deus.

3.2.2. Aceitar o testemunho de Cristo

    “Em verdade, em verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e testificamos o que temos visto; contudo, não aceitais (lamba/nw) o nosso testemunho” (Jo 3.11/Jo 3.32; Jo 5.43).

Tendemos a ser dominados por números e estatísticas. Eles não são maus em si. Contudo, quando se tornam o único parâmetro avaliativo do progresso do Evangelho, certamente nos encantaremos com miragens estatísticas ou, nos frustraremos em nossa visão megalomaníaca eclesiástica.[1]

O certo, é que a Palavra de Deus sempre encontrará rejeição e aceitação. Sabemos, contudo, que Ela permanece sendo o que é: imperecível. Mais: a sua aceitação não indica superioridade intelectual ou sensorial, antes, a graça de Deus. A sua rejeição, por sua vez, não significa, necessariamente, a condição final do pecador. Deus tem seus propósitos e tempo determinado.  Ele um dia também nos alcançou conforme a sua determinação e graça.

Portanto, continuemos a anunciar o Evangelho certos dessas verdades.

a) Somente quem aceita o testemunho de Jesus Cristo poderá certificar-se da veracidade de Deus e da sua Palavra

“Quem, todavia, lhe aceita (lamba/nw) o testemunho, por sua vez, certifica (sfragi/zw)[2] que Deus é verdadeiro” (Jo 3.33). A fé cristã não é um simples teste, um jogo, uma brincadeira com Deus. Não posso brincar com Deus; fazer de conta que aceito para testá-lo.

Para nos “certificar” de Deus temos que aceitar o testemunho de Cristo; e isto é graça. Somente os que aceitam o testemunho, a Palavra de Cristo, poderão, em sua obediência, se certificar de quão verdadeiro Deus é em majestade e em Suas promessas.

b) As pessoas tendem a valorizar a palavra do homem em detrimento da Palavra de Deus

“Eu vim em nome de meu Pai, e não me recebeis (lamba/nw); se outro vier em seu próprio nome, certamente, o recebereis (lamba/nw). Como podeis crer, vós os que aceitais (lamba/nw) glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único?”(Jo 5.43-44).

Não há problema algum em acreditarmos no que nos dizem. Sem dúvida, de acordo com as implicações disso e do que teremos que fazer a partir daí, é necessário maior cautela. A questão levantada por Jesus é que os seus ouvintes não se preocupavam com a essência do que foi dito, as evidências e, a sua procedência, mas, se lhes era agradável aos olhos e ouvidos.

O exame crítico é  costumeiramente desejável. Muitas vezes nos aprofundamos na compreensão de um conceito porque exercitamos um justo ceticismo cristão. A partir dessa compreensão, podemos avaliar o quão importante foi-nos dito e, também, a loucura do que quiseram nos fazer passar por verdade. Todavia, um problema comum a nós, é que tendemos a avaliar criticamente –  quando o fazemos -, apenas o que não apreciamos de imediato. O que nos soa agradável aos olhos e ouvidos, não carece de verificação. Confundimos exame crítico com má vontade e, interesse pelo que foi dito, com simplicidade acéfala.[3]

            Ouvidos e olhos vaidosos são péssimos conselheiros. Como nos alerta o livro de Jó:  “Porque o ouvido prova (!x;B’)(bahan)(examina, testa prova) as palavras, como o paladar, a comida” (Jó 34.3/Jo 12.11).

No texto, Jesus Cristo recrimina seus ouvintes, porque eles apreciavam a momentânea, enganosa e transitória glória de homens, rejeitando a genuína e imarcescível glória que provém de Deus.  Em síntese, eles não amavam a Deus nem criam nas Escrituras (Jo 5.47).

A palavra de Cristo não lhes parecia gloriosa porque não vinha com as cores e os sons que desejavam naquele momento. A mensagem de Cristo não era um novo evangelho, mas, um convite a um exame criterioso das Escrituras, onde encontrariam a vida eterna por meio dele, para quem toda ela apontava . Como nos chama atenção Hendriksen (1900-1982), o problema não foi falta de evidências, mas, falta de amor. (Jo 5.31-40).[4]

No entanto, eles, ao longo da história seriam enganados. (At 5.36-37).[5] E assim continuará para aqueles que rejeitam o testemunho de Cristo, sendo seduzidos por Satanás, o grande enganador. Satanás  como imitador de Deus,[6] procura realizar obras semelhantes às de Deus a fim de confundir os homens. Durante o tempo que lhe é permitido, tem sido bastante bem sucedido (2Ts 2.8-10).[7]    

Glória futura? Quem quer saber disso, quando estamos saudáveis e temos aparentemente tudo sob controle? Quando a nossa glória se limita a essa vida, o Reino celestial é mera utopia que empurramos para um lugar e tempo distantes do nosso agora, com seus afazeres tão urgentes. Por isso, inclusive, os judeus rejeitaram a mensagem do Senhor da Glória (Jo 1.11-12/1Co 2.8).

            A maioria das pessoas que conviveu com Jesus Cristo durante o seu ministério terreno não conseguia perceber que aquele homem tão doce e acessível, amado e odiado, reverenciado e temido, era o próprio Deus encarnado. O Deus, o Senhor da glória.[8] Paulo escreve aos coríntios mostrando a nulidade do conhecimento humano diante da sublimidade de Cristo, o Senhor: “Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor (ku/rioj) da glória” (1Co 2.8/Tg 2.1/Jo 17.1-5; Ef 1.6,12).[9]

             Ele fez-se pobre por amor do Seu povo: “Pois conheceis a graça de nosso Senhor (ku/rioj) Jesus Cristo, que, sendo rico (plou/sioj), se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos (ploute\w) (2Co 8.9).

Maringá, 10 de fevereiro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Veja-se:  João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.11), p. 125-127.

[2] A palavra tem o sentido de “atestar”, “confirmar”, “selar”. Ela é especialmente usada para se referir ao selo do Espírito (2Co 1.22; Ef 1.13; 4.30).

[3]“Minha resposta a esta questão é que a doutrina de Deus não está sujeita ao juízo humano, senão que a tarefa do homem é simplesmente julgar, por meio do Espírito de Deus, se é sua Palavra que está sendo declarada, ou se, usando esta como pretexto, os homens estão erroneamente exibindo o que eles mesmos engendraram” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 14.29), p. 432).

[4] “A falta de amor sempre provoca cegueira. Não foi a falta de evidências, mas a falta de amor, que levou esses homens a rejeitarem a Cristo” (William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, (Jo 5.44), p. 279).

[5]36 Porque, antes destes dias, se levantou Teudas, insinuando ser ele alguma coisa, ao qual se agregaram cerca de quatrocentos homens; mas ele foi morto, e todos quantos lhe prestavam obediência se dispersaram e deram em nada.  37 Depois desse, levantou-se Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e levou muitos consigo; também este pereceu, e todos quantos lhe obedeciam foram disperses” (At 5.36-37).

[6] “Não me passa despercebido que Satanás é em muitos aspectos um imitador de Deus, a fim de, mediante enganosa similaridade, melhor insinuar-se à mente dos símplices” (J. Calvino,  As Institutas, I.8.2). “Satanás pode imitar muitos dos dons do Espírito Santo”   (D.M. Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade,  São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 92).

[7] “Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia (e)ne/rgeia) de Satanás, com todo poder (du/namij), e sinais (shmei=on) e prodígios (te/raj) da mentira” (2Ts 2.9). Neste texto fica claro que Satanás se vale de todos os recursos a ele disponíveis, contudo, como não poderia ser diferente, amparado na “mentira”,  já que ele é seu pai (Jo 8.44).

[8] Veja-se: R.C. Sproul, A Glória de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 1997.

[9]“Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (1Co 2.8). “Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas” (Tg 2.1). “Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti, assim como lhe conferiste autoridade sobre toda a carne, a fim de que ele conceda a vida eterna a todos os que lhe deste. E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo” (Jo 17.1-5).

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