“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (1)

Introdução – Testemunhos verdadeiros

     A mensagem de Cristo consistiu num testemunho fidedigno e eloquente a respeito de si mesmo e do Pai: Ele anunciava a Palavra de Deus, sem mistura, omissões ou acréscimos.

     João Batista assinala que Jesus Cristo “testifica o que tem visto e ouvido; contudo, ninguém aceita o seu testemunho”(Jo 3.32). O seu testemunho não soava falso, não era carente de sentido ou, distante da realidade. Contudo, não era aceito. Como explicar isso?

     Esta não aceitação era devido ao próprio pecado de seus ouvintes: “O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam”(Jo 1.10-11).

     Mas, o fato é que quem não cria no testemunho do Filho, também não aceitava o testemunho do Pai a respeito de seu Filho, tornando-o mentiroso. Temos um problema muito sério aqui. É isso que nos diz João:

Se admitimos o testemunho (marturi/a) dos homens, o testemunho (marturi/a) de Deus é maior; ora, este é o testemunho (marturi/a) de Deus, que ele dá acerca de seu Filho. Aquele que crê no Filho de Deus tem, em si, o testemunho (marturi/a). Aquele que não dá crédito a Deus o faz mentiroso, porque não crê no testemunho (marturi/a)que Deus dá acerca do seu Filho. (1Jo 5.9-10).

            O próprio Jesus diante de Pilatos reivindicou a veracidade do seu testemunho: “Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade (a)lh/qeia). Todo aquele que é da verdade (a)lh/qeia) ouve a minha voz”(Jo 18.37).

            Tendo uma compreensão correta deste testemunho, no Apocalipse, Jesus é chamado de “a fiel testemunha” (Ap 1.5).[1] Portanto, o seu testemunho é verdadeiro.

            Quando dizemos que o testemunho de Jesus Cristo é verdadeiro, falamos do seu caráter, como sendo fiel e digno. Todavia, esta compreensão que por certo é de altíssima relevância, nada nos diz a respeito da sua mensagem, do significado dela. Alguém poderia chegar para nós neste momento e dizer:

  • “Você sabia que a Terra é redonda?” ou:
  • Você sabia que 2 + 2 é igual a 4?” ou ainda:
  • “Você sabia que fórmula da composição da água é H2o?”.

            Observem que todas estas afirmações são verdadeiras; a questão, entretanto, seria:

  • Qual a importância disso para nós agora, neste instante?
  • Qual o seu significado concreto?

            Teríamos de admitir, talvez um tanto constrangidos, que agora, neste momento, nada significam de relevante, embora sejam verdades em nada descartáveis.

Adentremos ao texto.

            Na véspera da sua autoentrega, Jesus Cristo se despede de seus discípulos, falando do Consolador e das tribulações pelas quais passariam (Jo 13-16).

Há aqui uma transição muito importante e significativa: O Senhor após falar de seu sofrimento, considera-o como algo vencido. Isso deve servir de estímulo aos seus discípulos: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33).

A cruz, símbolo de vergonha, humilhação, dor e aparente derrota, faz parte essencial de sua vitória. Sem a cruz, a encarnação e a ressurreição ficam fora de contexto. Aliás, todo o seu ministério, envolvendo o seu nascimento, ressurreição, ascensão e retorno glorioso, encontra o seu sentido na cruz.

A cruz revela a gravidade de nossa ofensa ao Deus santo, a santa majestade de Deus e, também, a grandeza incomensurável e incompreensível de seu amor.

A cruz não foi um acidente ou fatalidade. O seu ministério terreno caminhou para ela de forma irrevogável e contínua.

Stott (1921-2011) enfatiza: “Desde a infância de Jesus, deveras desde o Seu nascimento, a cruz lança sua sombra no Seu futuro. Sua morte se encontrava no centro de Sua missão. E a igreja sempre reconheceu essa realidade”.[2]

            Jesus agora faz esta oração intercessória por todos os seus discípulos; tanto por aqueles imediatos, como também por nós (Jo 17.20-21).

Esta oração está relacionada a todas as promessas anteriores. É, portanto, a conclusão natural de sua conversa com os discípulos.[3] João mesmo faz a transição: “Tendo Jesus falado estas cousas levantou os olhos ao céu” (Jo 17.1).[4] Aqui há um sentido espiritual. Ele ora ao Pai que está nos céus. Os discípulos são testemunhas desta oração extremamente pessoal e intransferível de seu Senhor.

Nesta oração, vemos de forma indelével a realidade da divindade e humanidade de Jesus Cristo. Ele tem a perfeita consciência disto. Ora ao Pai como qualquer ser humano pode fazer. No entanto, o que diz, somente Ele poderia de fato dizer. Jesus Cristo é perfeitamente o Deus Encarnado.  

            O nosso Senhor tinha diante de si a perfeita compreensão e domínio de sua missão e do tempo certo. Ele conhecia perfeitamente a sua agenda porque, na realidade, era o senhor dela. Sabia a sua hora: “Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti” (Jo 17.1).

Nas Bodas de Caná, dissera a Maria: “Ainda não é chegada a minha hora”(Jo 2.4).

Em outros contextos, demonstrara a mesma percepção. Depois da entrada triunfal em Jerusalém: “É chegada a hora de ser glorificado o Filho do Homem”(Jo 12.23).

Em seguida: “Agora, está angustiada a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito vim para esta hora” (Jo 12.27).

Próximo à Páscoa, “Ora, antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”(Jo 13.1).

            Em João 17.14 relata ao Pai: “Eu lhes tenho dado a Tua Palavra”. A Palavra que Cristo transmitira era fiel; isto nós sabemos. O que pretendemos analisar neste texto, é o significado desta Palavra ensinada.

Maringá, 28 de janeiro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa



[1] “E da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados” (Ap 1.5).

[2] John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, Miami: Editora Vida, 1991, p. 11.

[3] Ver: Marcus Dods, John: In: W. Robertson Nicoll, ed. The Expositor’s Bible, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 2000), Parte 2, Capítulo 16.

[4] “A oração pode ser vista como a consumação dos discursos. Ela mostra que a base sólida e firme de todos os fundamentos de conforto, admoestação e predições está no céu. Ela liga todas as promessas ao trono de Deus. Aqui tudo é garantido. O capítulo não contém nenhuma sentença condicional” (William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004,(Jo 17), p. 751).

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