A Trindade e a nossa salvação

É uma grande bênção ter um Deus que não é uma Pessoa senão três. Constitui uma Trindade abundante. Porque não só um Pai que nos ama e cuida de nós, senão também um Cristo que trouxe salvação e intercede por nós e um Espírito Santo que mora dentro de nós e aplica a salvação à nossa vida. – Edwin H. Palmer.[1]

 

“É somente sob a direção do Espírito que tomamos posse de Cristo e de todos os seus benefícios”.[2] O Espírito é chamado de “Espírito da Graça” (Hb 10.29/Zc 12.10), porque é ele quem aplica a graça de Deus aos pecadores eleitos, conduzindo-os progressivamente à conformação da imagem de Cristo.

 

O Espírito é “comunicador da graça”.[3] Este ministério tem início, quando o Espírito nos leva a aceitar a mensagem de perdão dos nossos pecados. O Espírito anuncia que chegou o tempo da salvação, o qual é caracterizado pelo perdão para todos aqueles que se arrependem de seus pecados. Portanto, quando tratamos deste assunto, não estamos simplesmente especulando, antes, mostrando como esta doutrina (Trindade) está amparada nas Escrituras e como ela tem uma relação direta com a experiência do cristão resultante da sua salvação em Cristo.[4]

 

Sem as obras da Trindade, jamais seríamos salvos pela graça. A graça de Deus, que é personificada em Cristo, é apenas um lado das obras redentoras do Deus Triúno. Toda a Trindade está comprometida na salvação do Seu povo, tendo cada uma das Pessoas da Santíssima Trindade, conforme o Conselho trinitário, um papel fundamental.

 

A obra do Espírito é distinta da obra do Pai e do Filho, porém, não é independente. A Trindade opera conjuntamente, tendo o mesmo propósito eterno: a glória do próprio Deus por intermédio da salvação do Seu povo (Is 43.7/Ef 1.6; 1Pe 2.9,10).[5] A Teologia Reformada, fiel aos ensinamentos das Escrituras, ensina esta verdade. J. I. Packer, comentando este ponto, disse:

 

Deus – O Jeová Triúno, Pai, Filho e Espírito Santo; três pessoas trabalhando em conjunto, em sabedoria, poder e amor soberanos, a fim de realizar a salvação de um povo escolhido. O Pai escolhendo, o Filho cumprindo a vontade do Pai de remir, o Espírito executando o propósito do Pai e do Filho mediante a renovação do homem.[6]

 

É precisamente isto que estamos dizendo quando declaramos que a nossa salvação é por Deus: O Deus Triúno é o Autor e o executor da nossa salvação; do princípio ao fim, a salvação é obra do Deus da graça. Paulo estimulando os filipenses, inspirado por Deus, fala de sua convicção inabalável: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).[7]

 

A Obra do Espírito torna efetivo em nós aquilo que Cristo realizou definitivamente por nós. Podemos afirmar, que sem as operações do Espírito, o Ministério Sacrificial de Cristo não teria valor objetivo para os homens, visto que os méritos redentores e salvadores de Cristo não seriam comunicados aos pecadores. Calvino (1509-1564) afirmou corretamente que é necessário que Cristo habite em nós para que compartilhe conosco o que recebeu do Pai. Ele conclui dizendo que: “O Espírito Santo é o elo pelo qual Cristo nos vincula efetivamente a Si”.[8] Em outro lugar declara: “Sabemos que nosso bem, nossa alegria e repouso é estar unido ao Filho de Deus.[9]

 

Cristo cumpriu perfeitamente as demandas da Lei e adquiriu todas as bênçãos que envolvem a salvação. A Obra do Espírito consiste em aplicar os merecimentos de Cristo aos pecadores, capacitando-os a receberem a Graça da salvação.[10] Somente através do Espírito “recebemos todos os bens e dons que nos são dados em Jesus Cristo”.[11] É Ele quem derrama sobre nós as bênçãos da graça, obtidas pela obra eficaz de Cristo. Desta forma, podemos dizer que o Ministério soteriológico do Espírito se baseia nos feitos de Cristo e que o Ministério Sacrificial de Cristo reclama a ação do Espírito (Jo 7.39/Jo 14.26; 16.13-14).[12] “A obra do Espírito na aplicação da redenção de Cristo é descrita como tão essencial quanto a própria redenção”.[13] “A condição prévia indispensável para a outorga do Espírito é a obra de Cristo”.[14]

 

A Palavra nos ensina que o Espírito Santo é o Espírito de Cristo (Gl 4.6; Fp 1.19);[15] por isso, a presença do Espírito em nós é a presença do Filho (Rm 8.9).[16] Quando evangelizamos, o fazemos confiantes de que Deus, pelo Espírito, aplicará os méritos de Cristo no coração do Seu povo. Portanto, aí está a nossa responsabilidade e o nosso conforto, conforme bem observou Billy Graham (1918-2018):

 

O Espírito Santo é o grande comunicador do Evangelho, usando como instrumento pessoas comuns como nós. Mas é dele a obra. Assim, quando o Evangelho é fielmente proclamado, o Espírito Santo é quem o envia como dardo flamejante aos corações dos que foram preparados.[17]

 

Portanto, desprezar esta doutrina bíblica equivaleria a perder o significado do Evangelho,[18] sustentando uma fé indefinida e, por isso mesmo, superficial, não condizente com a plenitude da revelação bíblica.

 

Lembremo-nos: “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece, não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem assim o Pai, como o Filho” (2Jo 9).

 

 

São Paulo, 13 de dezembro de 2018.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


 

[1] Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, (s.d.), Edição Revista, p. 14.

[2] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 13.13), p. 271.

[3] A.W. Pink, Os Atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 74.

[4] Ver: Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 378.

[5] Veja-se: Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 54.

[6]J.I. Packer, O “Antigo” Evangelho, São Paulo: Fiel, 1986, p. 9.

[7] “A graça começa, continua e termina a obra da salvação no coração de uma pessoa.” (C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 45). “… Em sua inteireza a nossa salvação procede do Senhor. É sua realização. Ele mesmo apresenta Sua noiva a Si mesmo por que ninguém mais pode fazê-lo, ninguém mais é competente para fazê-lo. Somente Ele pode fazê-lo. Ele fez tudo por nós, do princípio ao fim, e concluirá a obra apresentando-nos a Si mesmo com toda esta glória aqui descrita.” (D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, (Ef 5.27), p. 137). Do mesmo modo acentua Murray: “A salvação é do Senhor, tanto em sua aplicação como em sua concepção e realização” (John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 98).

[8] João Calvino, As Institutas, III.1.1.

[9]Juan Calvino, Sermones Sobre La Obra Salvadora De Cristo, Jenison, Michigan: T.E.L.L. 1988, “Sermon nº 2”, p. 23.

[10] “De fato a graça reina, mas uma graça reinante à parte da justiça não é apenas inverossímil, mas também inconcebível” (John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, p. 19).

[11] Catecismo de Genebra, (1541/2), Perg. 91.

[12]“Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado” (Jo 7.39). “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13-14).

[13] Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 390.

[14]Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 179.

[15]“E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.6). “Porque estou certo de que isto mesmo, pela vossa súplica e pela provisão do Espírito de Jesus Cristo, me redundará em libertação” (Fp 1.19).

[16] “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9).

[17] Billy Graham, Por que Lausanne?: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, São Paulo; Belo Horizonte, MG.: ABU; Visão Mundial, 1982, p. 30. A consciência de que os “resultados” da Evangelização dependem do Deus soberano, traz como implicação a nossa ousada confiança em Deus, não em nossos métodos. Packer analisou bem este ponto, fazendo aplicações complementares: “Se esquecermos que a prerrogativa de Deus é produzir resultados quando o evangelho é pregado, acabaremos pensando que é nossa responsabilidade assegurá-los. E, se nos esquecermos de que somente Deus pode infundir fé, acabaremos pensando que a conversão, em última análise, depende não de Deus, mas de nós, e que o fator decisivo é a maneira como evangelizamos. E essa linha de pensamento, coerentemente seguida, nos fará desviar em muito” (J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 22).

[18] Ver: Albertus Pieters, Fundamentos da Doutrina Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1979, p. 179-180.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *