A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (17)

4.9. Vence as tentações do mundo

 

Na vida cristã é necessária vigilância. Os Cânones de Dort, mesmo nos confortando com a graça de Deus que nos faz perseverar, alerta quanto à necessidade de vigilância em nossa vida:

 

O poder de Deus, pelo qual ele confirma e preserva os verdadeiros crentes na graça, é tão grande que isto não pode ser vencido pela carne. Mas os convertidos nem sempre são guiados e movidos por Deus, e assim eles poderiam, em certos casos, por sua própria culpa, desviar‑se da direção da graça e ser seduzidos pelos desejos da carne e segui‑los. Devem, portanto, vigiar constantemente e orar para que não caiam em tentação. Quando não vigiarem e orarem, eles podem ser levados pela carne, pelo mundo e por Satanás para sérios e horríveis pecados. Isto ocorre também muitas vezes pela justa permissão de Deus. A lamentável queda de Davi, Pedro e outros santos, descrita na Sagrada Escritura, demonstra isso.[1]

 

Precisamos estar atentos à exortação bíblica, nos valendo dos recursos que Deus coloca à nossa disposição para o nosso crescimento espiritual (2Pe 1.3)[2]:

 

12 Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes,[3] não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; 13 porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. 14 Fazei tudo sem murmurações nem contendas, 15 para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo, 16 preservando a palavra da vida, para que, no Dia de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão, nem me esforcei inutilmente (Fp 2.12-16).

 

A graça de Deus que opera por meio da fé, torna-nos vitoriosos já nesta vida, a partir do aqui e do agora. Por intermédio da fé, podemos viver neste mundo sem sermos dominados pelas suas agendas e praxes. Os nossos ditames são celestiais. (1Jo 5.4,5/1Pe 5.8,9).[4]

 

Um dos aspectos fundamentais da vida cristã é esse: Não somos mais do mundo. Ele não mais é o senhor de nosso pensar, idealizar e agir.[5]

 

Ter uma mente mundana significa pensar de forma tal que Deus e a sua Palavra sejam eliminados, desconsiderados na forma como planejamentos a nossa vida e nos relacionamos com todas as facetas da realidade.[6]

 

McGrath está correto ao afirmar:

 

Permitir que novas ideias e valores tornem-se controlados por qualquer coisa ou pessoa que não a autorrevelação de Deus na Escritura é adotar uma ideologia, em vez de uma teologia; é tornar-nos controlados por ideias e valores cujas origens se acham fora da tradição cristã – e potencialmente tornar-nos escravizados por eles.[7]

 

Uma das prisões mais sutis com a qual nos deparamos e, com frequência, sem perceber nela estamos, é a prisão de nossa mente: uma forma direcionada de pensar, cativa de determinados valores com os quais somos bombardeados diariamente e fortalecidos pelo próprio meio em que vivemos, sem que tenhamos necessariamente um filtro adequado para selecionar de modo crítico o que vemos e ouvimos. Assim, sem que nos demos conta, estamos assimilando valores que nos aprisionam, tornando-nos “escravos” de uma maneira de pensar e, consequentemente, de agir. Determinando, portanto, o nosso modo de ver a realidade, nos relacionar, criar nossos filhos, tratar nossos irmãos, trabalhar, estudar, nos divertir e, no nosso caso específico, de ler, aplicar e expor ou não a Palavra. Deste modo, sem que percebamos, temos, em nome da liberdade de pensamento, uma mente estruturalmente cativa.

 

Lloyd-Jones (1899-1981) coloca a questão nestes termos:

 

A maior tirania que temos que enfrentar nesta vida é a perspectiva mundana. Ela se insinua em nosso pensamento em toda parte, e nós a recebemos imediatamente após nascermos.[8] (…) O mundo tende a controlar o nosso pensamento, a nossa perspectiva e a nossa mentalidade.[9]

 

Outro aspecto que quero destacar, é que Deus permite que passemos por provações para que, mediante o Seu sustento, possamos nos fortificar em nossa fé, nos apegando mais confiantemente a Ele, frutificando em toda boa obra, crescendo em nossa vida espiritual, reconhecendo que a nossa sustentação provém de Deus, que nos capacita a resistir em todos os embates. Deve ser dito que nós não nos alegramos com o sofrimento, mas sim, com o proveito espiritual que podemos pela graça tirar dele (Ver: 1Pe 4.12-19).[10] Calvino (1509-1564) chega a dizer que “tanto ao Diabo, quanto aos ímpios todos, Deus os arma para o embate e toma assento, como se fora um mestre de liça, para que nos exercite a paciência”.[11]

 

4.10. Uma vida transformada por meio da Palavra

 

Uma das maiores evidências da fé salvadora, é um testemunho que reflita uma vida transformada pelo poder de Deus que age por intermédio da Palavra. Contra isto não há argumentos. Podemos argumentar contra uma teoria, mas não contra uma vida digna (Vejam-se: 1Sm 12.1-5; Jo 8.46; 2Co 5.21).[12]

 

A fé envolve a nossa mente, aquece o nosso coração e se plenifica em nossas mãos. A Palavra de Deus age eficazmente em nós produzindo frutos. Por isso, o fundamento de nossa integridade espiritual está no apego incondicional à poderosa Palavra de Deus (Cl 1.4-6;[13] 1Ts 2.13/Js 1.8; Sl 1.2; Tg 1.22-25).

 

Maringá, 04 de março de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

 

*Este post faz parte de uma série. Acesse aqui a série completa

 

 

[1] Os Cânones de Dort, São Paulo: Cultura Cristã, (s.d.), V.4.

[2] “Visto como, pelo seu divino poder (du/namij), nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3).

[3] Veja-se: F.F. Bruce, Filipenses, Florida: Editora Vida, 1992, (Fp 2.12-13), p. 90.

[4]4 porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.  5 Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê ser Jesus o Filho de Deus?” (1Jo 5.4-5). 8 Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar;  9 resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão-se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo” (1Pe 5.8-9).

[5]Veja-se: D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 25. “Ser do mundo pode ser assim resumido – é vida, imaginada e vivida, separadamente de Deus. Noutras palavras, o que decide definitiva e especificamente se eu e vocês somos do mundo ou não, não é tanto o que podemos fazer em particular como a nossa atitude fundamental. É uma atitude para com todas as coisas, para com Deus, para com nós mesmos, e para com a vida neste mundo; em última análise, ser do mundo é ver todas estas coisas separadamente de Deus (…).

“Ser do mundo – e isso é repetido pelos apóstolos – significa que somos governados pela mente, pela perspectiva e pelos procedimentos deste mundo no qual vivemos” (D. Martyn Lloyd-Jones, Seguros mesmo no Mundo, p. 28-29).

[6]Vejam-se: William G. Tullian Tchividjian, Fora de Moda, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 37; D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 28-29.

[7]Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 53.

[8]Conforme já citamos no início de nossos estudos, “a menos que Deus mude a maneira de pensarmos – o que Ele faz em alguns pelo milagre do novo nascimento – nossas mentes sempre nos dirão para nos virarmos contra Deus – o que é precisamente o que fazemos” (James M. Boice, O evangelho da Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 111).

[9]D. M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 28 e 29.

[10]Vd. Charles Hodge, Commentary on the Epistle to the Romans, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1994 (Reprinted), (Rm 5.3-4), p. 134-135.

[11]João Calvino, As Institutas, I.17.8. Em outro lugar: “O Senhor prontamente e ao mesmo tempo encoraja nossa fé e subjuga nossa carne. Ele deseja que nossa fé permaneça serena e repouse como se estivesse em segurança num sólido abrigo. Ele exercita nossa carne com várias provas a fim de que ela não se precipite na indolência” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.4-6), p. 154).

[12]Na literatura grega, encontramos o testemunho de     Xenofonte (c. 430-355 aC.), historiador e general grego, a respeito de seu mestre, Sócrates (469-399 aC.), talvez o mais admirável filósofo da Antigüidade. Xenofonte escreveu: “Sei que Sócrates era para seus discípulos modelo vivo de virtuosidade e que lhes administrava as mais belas lições acerca da virtude e o mais que ao homem concerne” (Xenofonte, Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 2), 1972, I.2.17. p. 44).

[13]4Desde que ouvimos  da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos; 5por causa da esperança que vos está preservada nos céus, da qual antes ouvistes  pela palavra da verdade do evangelho, 6 que chegou até vós; como também, em todo o mundo, está produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre vós, desde o dia em que ouvistes e entendestes a graça de Deus na verdade” (Cl 1.4-6).

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