A prática do suborno e a sua gravidade espiritual e social

 

O que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno (= presente, dádiva, incentivo) contra o inocente. Quem deste modo procede não será jamais abalado” (Sl 15.5).

O que é suborno?

Tomo como parâmetro, ainda que de forma genérica, a seguinte definição: “A essência do conceito de suborno é a presença de um incentivo que influencia indevidamente o desempenho de uma função pública, destinada a ser exercida gratuitamente” (John T. Noonan, Jr, Subornos, Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989, Introdução, p. XI). O suborno consiste na doação de algum bem material ou não com vistas à obtenção de um julgamento oposto ao que é justo à luz da lei. Todo suborno envolve cinco elementos: 1) O doador; 2) o receptor; 3) a doação, 4) o propósito da doação e, 5) a causa a ser julgada.

O suborno, uma prática tão comum na antiguidade, recebe tratamento diferente nas páginas do Antigo Testamento. O fundamento desta perspectiva jaz em Deus, Aquele que é justo e reto, não sendo subornável (Dt 10.17-18).

Josafá quando nomeia juízes em Judá, os instrui mostrando que eles eram agentes de Deus, devendo, portanto, obedecer ao padrão de Deus. (2Cr 19.6-7)

O fato é que os princípios éticos de um povo nunca estarão em um nível superior ao da sua religião. A religião como produto cultural expressará sempre os limites subjetivos do real e, consequentemente, os anseios de um povo.

A fé cristã, no entanto, parte de um Deus transcendente, pessoal e que se revela. O Deus que fala e age, sendo o seu agir uma forma do seu falar. Este Deus é santo. Por meio de Sua Palavra Ele exige de seu povo santidade. A justiça é uma das expressões da santidade. Por isso, Deus instrui aos juízes a fim de que não fossem passionais e interesseiros na formulação de seus juízos, o que os impediriam de enxergar com clareza a causa proposta.

O suborno corrompe o que o homem tem de mais íntimo, sendo a sede de sua razão, emoção e vontade: seu coração (Ec 7.7).

O suborno perverte a própria essência da prática da justiça, fazendo com o que o subornado, avance ainda mais, elaborando discursos para justificar os seus atos (Ex 23.8). De fato, quão difícil é julgar a matéria em si, sem outros interesses e “estado de espírito”. O presente dado a quem julga pode ser um elemento extremamente eloquente a respeito da culpabilidade de quem o oferece; do baixo conceito sustentado a respeito de quem julga e, também, a ingênua vulnerabilidade de quem o recebe. Ainda que não tratando de vulnerabilidade pecaminosa, Calvino faz menção da dificuldade que enfrentamos ao termos de julgar: “Não há nada mais difícil do que pronunciar juízo com total imparcialidade, de modo a evitar a demonstração de favoritismo injusto, ou dar margem a suspeitas, ou deixar-se influenciar por notícias desfavoráveis, ou ser excessivamente radical, e em toda causa nada considerar senão a matéria em mãos. Só quando fechamos nossos olhos a considerações pessoais é que podemos pronunciar um juízo equitativo” (As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 5.21), p. 153).

Em Deuteronômio a mesma instrução de Êxodo é repetida (Dt 16.19). Notemos que sempre os prejudicados são os “justos”, o “inocente”, o “órfão” e as “viúvas”, símbolos de pobreza e desamparo.

Os filhos de Samuel que também foram constituídos juízes, são acusados deste pecado, ignorando a lei de Deus e a integridade de seu pai tão bem conhecida (1Sm 8.3). Samuel teve que ouvir quieto, com tristeza e frustração os anciãos se aproveitando das circunstâncias (1Sm 8.5).

Deus atende ao pedido pecaminoso do povo (1Sm 8.7-9,22; 10.17-24/Os 13.9-11). Após uma batalha vitoriosa liderada por Saul contra os arrogantes amonitas, num clima de grande alegria, Saul é aclamado o primeiro rei de Israel. Na despedida de Samuel, depois de ter conduzido a Israel durante tantos anos, corajosa e serenamente, dá testemunho de sua integridade (1Sm 12.1-3) A resposta do povo atestou a absoluta integridade de Samuel: “Em nada nos defraudaste, nem nos oprimiste, nem tomaste coisa alguma das mãos de ninguém” (1Sm 12.4). Em Samuel temos um exemplo magnífico de integridade reconhecido ao longo das Escrituras (Jr 15.1; At 3.24; 13.20/1Sm 3.20; 13.11-13).

No entanto, o ato de subornar é bastante prático e eficaz em seus objetivos pecaminosos (Pv 17.8).

O piedoso Asa, rei de Judá, em situação difícil por causa das guerras constantes contra Israel, compra a lealdade de Ben-Hadade, rei da Síria, em oposição a Baasa, rei de Israel (1Rs15.19-20). Do mesmo modo procedeu o pragmático Acaz em relação à Tiglate-Pileser, rei da Assíria, quando se viu em apuros diante da Síria e de Israel (2Rs 16.7-8).

O homem perverso tem prazer em torcer o juízo; ele não se compraz no que é direito (Pv 17.23).

Por meio de Isaías e Miquéias, Deus demonstra como no VIII século a.C, a moralidade tornara-se baixa em Israel, estando os príncipes, juízes e sacerdotes, todos agindo por interesses, corrompendo a prática da justiça (Is 1.23/Is 5.23).

Os líderes além de só pensarem nos seus interesses, blasfemavam o nome de Deus, demonstrando nenhum respeito para com Ele e à sua Lei. Todo o sistema religioso e jurídico estava corrompido. (Mq 3.11). A consequencia seria o cativeiro (2Rs 18.11-12).

A prática do suborno confere ao homem a sensação de ser senhor da história. Na pressuposição de que todo homem tem seu preço, posso reger o meu destino. Deste modo, meus recursos se constituem em meu Deus por meio do qual manipulo quaisquer situações adversas. O meu poder de persuasão, sedução, barganha e compra é a minha lei. A soberania de Deus é banida; o seu trono e cetro me pertencem. Desta forma, pensa poder dizer: “As minhas mãos dirigem meu destino”. Fútil e perigosa ilusão. Deus continua no controle. Vê todas as coisas, e não se agrada dessa prática.

 

Considerações Finais

O que Deus condena está tão bem sedimentado e, às vezes, até mesmo legalizado em nossa sociedade que nós já até consideramos tais práticas em nossos planejamentos e expectativas.

De fato, o caminho do mal sempre parece ser mais eficaz e rápido. Ele tende a nos fascinar pelo resultado mais fácil e imediatamente compensador.

No entanto, Deus nos propõe caminhos de vida, de integridade, honestidade e princípios (Is 33.15). O sucesso não pode ser considerado apenas à luz do tempo breve ou longo, antes, a partir da eternidade. A instrução preventiva de Deus contra tais tentações e, ao mesmo tempo, como expressão de confiança e amadurecimento na fé, é-nos transmitida por Jesus Cristo (Mt 6.31-33).

Deus nos fornece princípios que permanecem e, que serão considerados parcialmente aqui, contudo, se tornarão plenamente evidentes na eternidade. Se quisermos habitar na casa do Senhor sigamos as normas, os princípios e os mandamentos deste mesmo Senhor. O usufruir da graça sem a busca da obediência é menosprezo para com a obediência de Cristo (2Co 6.1; Ef 2.8-10; Fp 2.5-8). “Se desejamos que a obediência de Cristo nos seja proveitosa, então devemos imitá-la” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 5.9), p. 138).

A Palavra deve nos orientar em nossas decisões. Oremos, analisemos e votemos.

São Paulo, 21 de outubro de 2018.
Rev. Hermisten M.P. Costa

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