A Pessoa e Obra do Espírito Santo (85)

1) O sentido de educar (Continuação)

Retornando ao ensino bíblico, perguntamos: E nós, que tipo de homens somos?. Que tipo de formação temos dado aos nossos filhos? Que tipo de formação a Igreja tem proporcionado à infância e à juventude? Que modelo temos apresentado? Notemos, que Paulo nos diz: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino (didaskali/a), para a repreensão, para a correção, para a educação (paidei/a) na justiça”(2Tm 3.16).

    É neste sentido que Salomão diz: “O temor do Senhor é o princípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino (LXX: paidei/a) (Pv 1.7; Vd. Pv. 9.10; 15.33; Sl 111.10).“Ouvi o ensino (LXX: paidei/a), sêde sábios, e não o rejeites” (Pv 8.33).

    A educação significa também “disciplina”. Deus muitas vezes usa este recurso para nos educar, a fim de que sejamos salvos. Paulo diz: “Mas, quando julgados, somos disciplinados (paideu/w)pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (1Co 11.32).

    Na educação divina (disciplina), vemos estampada a sua graça, não necessariamente a sua ira,[1] que atua de forma pedagógica: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos (paideu/w)para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente” (Tt 2.11-12) –; e o seu amor.

    Jesus disse: “Eu repreendo (e)le/gxw) e disciplino (paideu/w) a quantos amo. Sê, pois, zeloso, e arrepende-te”(Ap 3.19). Aqui, como em outros textos, percebemos a ligação entre a repreensão e a disciplina (= educação) operada por Deus naqueles a quem Ele ama.

    Moisés, compreendendo bem a “didática” de Deus, diz ao povo:

Recordar-te-ás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar (hfnf(),[2] para te provar, para saber o que estava no teu coração (לבב) (lebab), se guardarias ou não os seus mandamentos. Ele te humilhou (hfnf(), e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conheceste, nem teus pais o conheceram, para te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do Senhor, disso viverá o homem.(Dt 8.2-3. Do mesmo modo, Dt 8.16)(Vejam-se: Sl 102.23; Is 64.12; Lm 3.33).

    O salmista narra a sua experiência: “Foi-me bom ter eu passado pela aflição (hfnf(), para que aprendesse  (למד) (lâmad) os teus decretos” (Sl 119.71). As aflições corretamente compreendidas podem ser instrumentos utilíssimos para a prevenção e correção de nossos desvios espirituais.

    O que a Palavra de Deus nos mostra, e por certo temos confirmado isto em nossa experiência, é que buscamos a Deus mais intensamente em meios às aflições: “Estou aflitíssimo (hfnf(), vivifica-me, Senhor, segundo a tua palavra” (Sl 119.107).“Antes de ser afligido (hfnf(), andava errado, mas agora guardo a tua palavra”(Sl 119.67).

    O coração contrito – demonstra Moisés – aprende com a disciplina do Senhor e se alegra por Deus tê-lo afligido:“Alegra-nos por tantos dias quantos nos tens afligido (hfnf(), por tantos anos quantos suportamos a adversidade” (Sl 90.15).

O desejo de Deus é a restauração de seus filhos. Neste sentido, Paulo recomenda ao jovem Timóteo como deveria agir com aqueles que se opunham à mensagem do Evangelho:

Disciplinando (paideu/w = “ensinando”, “instruindo”) com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele, para cumprirem a sua vontade. (2Tm 2.25-26).

Morton faz um quadro comparativo relevante, mostrando porque os grandes sistemas educacionais da Antiguidade fracassaram, enquanto o de Israel não:

Pode-se dizer que o sistema de Esparta apontou para a destruição do indivíduo no serviço ao estado. Pode-se dizer que o sistema de Atenas apontou para treinar  o indivíduo no serviço da cultura. Em Roma, o treinamento do indivíduo foi no serviço do estado. O objetivo de Israel foi treinar o indivíduo no serviço de Deus. O objetivo em Roma, Esparta e Atenas malogrou em um nível moral. O sistema deles não continha a fé capaz de desafiar indiferença e superficialidade. Portanto, eles perderam  senso de direção e falharam. (…) A educação judaica nunca perdeu seu senso de direção. A sua intenção não era educação em conhecimento acadêmico e técnico, mas educação em santidade (Lv 19.2). Apesar do povo de Israel frequentemente esquecer os ideais, sempre houve sacerdotes, profetas, escribas, sábios, rabinos e professores para relembrá-los. Deus era o centro e não homem; retidão era o alvo e não o interesse próprio (Ex 19.6).[3]

Maringá, 21 de dezembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Veja-se: Augustus N. Lopes, Ensinar e Aprender em Paulo. In: Fides Reformata, (Edição Especial: Educação) São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 13/2 (2008) 113-122, p. 120.

[2] A palavra hebraica (hfnf() (‘ãnãh) tem o sentido de “aflito”, “oprimido”, com o sentimento de impotência, consciente de que o seu resgate depende unicamente da misericórdia de Deus. Esta palavra é contrastada com o orgulho, que se julga poderoso para resolver todos os seus problemas, relegando Deus a uma posição secundária, sendo-lhe indiferente.

            hfnf( (‘ãnãh) apresenta também a ideia de ser humilhado por outra pessoa: (Gn 16.6; 34.2; Ex 26.6; Dt 22.24,29; Jz 19.24; 20.5).

[3]A.W. Morton, Educação nos Tempos Bíblicos: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 263.

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