A Pessoa e Obra do Espírito Santo (499)

b) Piedade (2Pe 3.11)

Eu)se/beia ,[1] pode ser traduzida por piedade, respeito, reverência. A palavra caracteriza a atitude correta para com Deus, englobando, temor, reverência, adoração e obediência. Ela é a palavra para a verdadeira religião.[2] A palavra envolve as ideias de: a) Reverência; b) Submissão e, c) Obediência a Deus. Paulo diz que a piedade para tudo é proveitosa (1Tm 4.8); por isso Timóteo deveria exercitá-la com a perseverança de um atleta (gumna/zw) (1Tm 4.7)[3] e segui-la como alguém que persegue um alvo e a convicção e o zelo com os quais o próprio Paulo perseguia a Igreja de Deus (diw/kw) (1Tm 6.11).[4] O tempo presente do verbo, indica a progressividade que deve caracterizar essa busca pela piedade.

            É possível forjar uma aparente piedade – conforme os falsos mestres o faziam pensando em obter lucro (1Tm 6.5) –; no entanto, esta carece de poder e da alegria resultantes da convicção de que Deus supre as nossas necessidades (2Tm 3.5/1Tm 6.6).

            Todo o conhecimento cristão deve vir acompanhado de piedade (1Tm 3.16/1Tm 6.3;[5] Tt 1.1).

            A piedade deve estar associada a diversas outras virtudes cristãs a fim de que seja frutuosa no pleno conhecimento de Cristo (2Pe 1.6-8).[6] A nossa certeza é que Deus nos concedeu todas as coisas que nos conduzem à piedade. Ele exige de nós, os crentes, “o uso diligente de todos os meios exteriores pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da salvação”[7] e que não negligenciemos os “meios de preservação”.[8] Portanto, devemos utilizar de todos os recursos que Deus nos forneceu com este santo propósito: “Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade (e)use/beia), pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3).[9]

            Beeke e Jones resumem:

O cultivo da piedade está preeminentemente ligado aos meios de graça. Em suma, piedade significa ter a experiência da santificação como uma obra divina e graciosa de renovação, expressada em arrependimento e justiça que progride por meio de conflitos e adversidades, seguindo o modelo de Cristo durante toda a vida do crente, na expectativa do dia quando a piedade se tornará perfeita na santificação eterna no céu.[10]

            Calvino comenta: “Ela (a doutrina) só será consistente com a piedade se nos estabelecer no temor e no culto divino, se edificar nossa fé, se nos exercitar na paciência e na humildade e em todos os deveres do amor”.[11]

            A piedade não é restritiva, antes se revela e se fortalece associada à fraternidade e ao amor (2Pe 1.6-7). Barclay, (1907-1978), resume esse ponto: “O cristão não convive com Deus a fim de evitar o seu próximo, mas, pelo contrário, a fim de se tornar mais capaz de solucionar o problema do convívio”.[12]

            A piedade que é resultado de nosso relacionamento com Deus, deve ter o seu reflexo concreto dentro de casa, sendo revelada através do tratamento que concedemos aos nossos pais e irmãos (1Tm 5.4).

            Nunca o nosso trabalho, por mais relevante que seja, poderá se tornar num empecilho para a ajuda aos nossos familiares. A genuína piedade é caracterizada por atitudes condizentes para com Deus (reverência) e para com o nosso próximo (fraternidade). Curiosamente, quando o Novo Testamento descreve Cornélio, diz que ele era um homem “piedoso (Eu)sebh/j) e temente a Deus (…) e que fazia muitas esmolas ao povo e de contínuo orava a Deus”(At 10.2).

            A piedade é, portanto, uma relação teologicamente orientada do homem com Deus em sua devoção e reverência e, a sua conduta biblicamente ajustada e coerente com o seu próximo. A piedade envolve comunhão com Deus e o cultivo de relações justas com os nossos irmãos. “A obediência é a mãe da piedade”, resume Calvino.[13]

            A piedade é desenvolvida por meio de nosso crescimento na graça. Como temos insistido ao longo deste texto, a graça de Deus é educativa: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos (paideu/w) para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente (eu)sebw=j)” (Tt 2.11-12).

            A piedade autêntica, por ser moldada pela Palavra, traz consigo os perigos próprios resultantes de uma ética contrastante com os valores deste século: “Ora, todos quantos querem viver piedosamente (eu)sebw=j)[14] em Cristo Jesus serão perseguidos” (2Tm 3.12). No entanto, há o conforto expresso por Pedro às Igrejas perseguidas: “O Senhor sabe livrar da provação [peirasmo/j = “tentação”] os piedosos (eu)sebh/j)(2Pe 2.9).

            Toda a ética cristã tem como ingrediente fundamental a certeza da volta de Cristo, que se constitui em seu princípio orientador: O Senhor vem!

            Resumindo este tópico, devemos enfatizar que a Igreja demonstra o seu desejo pela volta do Senhor vivendo em “santo procedimento e piedade”(2Pe 3.11).

São Paulo, 08 de junho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]*At 3.12; 1Tm 2.2; 3.16; 4.7,8; 6.3,5,6,11; 2Tm 3.5; Tt 1.1; 2Pe 1.3,6,7; 3.11.

[2] Ver: William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, p. 73-80.

[3]Gumna/zw, é aplicada ao exercício próprio de atleta. No Novo Testamento a palavra é usada metaforicamente, indicando o treinamento que pode ser utilizado para o bem ou para o mal (*1Tm 4.7; Hb 5.14;12.11; 2Pe 2.14).

[4] Diw/kw é utilizada sistematicamente para aqueles que perseguiam a Jesus, os discípulos e a Igreja (Mt 5.10-12; Lc 21.12; Jo 5.16; 15.20). Lucas emprega este mesmo verbo para descrever a perseguição que Paulo efetuou contra a Igreja (At 22.4; 26.11; 1Co 15.9; Gl 1.13,23; Fp 3.6), sendo também a palavra utilizada por Jesus Cristo quando pergunta a Saulo do porquê de sua perseguição (At 9.4-5/At 22.7-8/At 26.14-15). Paulo diz que prosseguia para o alvo (Fp 3.12,14). O escritor de Hebreus diz que devemos perseguir a paz e a santificação (Hb 12.14). Pedro ensina o mesmo a respeito da paz (1Pe 3.11).

[5]“Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” (1Tm 3.16). “Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.3-5). (Destaques meus).

[6]“Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade (e)use/beia); com a piedade (e)use/beia), a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Pe 1.5-8).

[7] Catecismo Menor de Westminster,Perg. 85.

[8] Confissão de Westminster,XVII.3.

[9]Ver: Hermisten M.P. Costa, A Palavra e a Oração como Meios de Graça: In: Fides Reformata,São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-48.

[10]Joel R. Beeke; Mark Jones, orgs. Teologia Puritana: Doutrina para a vida,  São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 1201.

[11]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.3), p. 164-165. Em outro lugar: “Visto que todos os questionamentos supérfluos que não se inclinam para a edificação devem ser com toda razão suspeitos e mesmo detestados pelos cristãos piedosos, a única recomendação legítima da doutrina é que ela nos instrui na reverência e no temor de Deus. E assim aprendemos que o homem que mais progride na piedade é também o melhor discípulo de Cristo, e o único homem que deve ser tido na conta de genuíno teólogo é aquele que pode edificar a consciência humana no temor de Deus” (João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.1), p. 300).

[12] William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, p. 80.

[13] John Calvin, Commentaries of the Four Last Books of Moses,v. 1, (Dt 12.32), p. 453.

[14] Este advérbio só ocorre em dois textos do Novo Testamento: 2Tm 3.12; Tt 2.12.

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