A Pessoa e Obra do Espírito Santo (494)

6. Não negligenciar a manifestação profética (Continuação)

Ouvintes satisfeitos

Os pregadores não visam satisfazer homens, antes estão comprometidos com Deus: “Quem quer falar retamente, de acordo com Deus, tem que ter os olhos fechados quanto à complacência dos homens. (…) Se nos distraímos olhando as criaturas ao ponto de não poder falar com a devida liberdade, acaso não estamos desonrando a Deus?”.[1]

Considerando isso, a Igreja deve se deixar dirigir pelo seu pastor: “(Visto) que foi aos pastores incumbida a pregação da doutrina celeste; vemos que todos, a uma, estão sujeitos à mesma disposição, de sorte que se permitam ser dirigidos, com espírito brando e dócil, pelos mestres criados para esta função”.[2]

Calvino orienta os crentes quanto à submissão devida à Palavra de Deus: “Quando virmos para escutar um sermão não tragamos aqui essa soberba de aborrecer-nos com Deus se somos admoestados por nossos pecados. Não tragamos nenhuma amargura, para que não fiquemos aborrecidos quando nos põem o dedo na ferida”.[3]

A pregação é todos, independentemente de classes sociais

A pregação é para todos: “Se somos reis e príncipes, nos corresponde inclinar nossas cabeças para receber o jugo de Deus; porque toda soberba tem que ser desfeita….”.[4]

Continua:

Aqueles que estão em posição elevadas saibam que ainda que fossem mais que reis deveriam humilhar-se ante à pregação da verdade de Deus. E por quê? Porque têm que ser conscientes disto. Que senhor ou patrão enviou aquele que prega? É precisamente aquele que tem domínio soberano sobre toda a humanidade e a quem todos deveriam estar sujeitos.[5]

            Portanto, ricos e pobres, todos devem vir “para escutar a Palavra de Deus com toda humildade e modéstia, sabendo que neste sentido nossa obediência tem que ser provada, e que ninguém deve ser eximido, senão que as faltas sejam expostas com toda liberdade, tal como corresponde”.[6]

Reverência e senso crítico

No entanto, essa atitude não significa mero formalismo ou a negação do exercício de uma santa análise crítica. Devemos submeter o nosso entendimento à Escritura, buscando a iluminação do Espírito, não simplesmente a ensinos que supostamente procedem das Escrituras.

Os fiéis não têm que ser deliberadamente tão estúpidos de receber tudo o que se lhes diz, senão, que, pelo contrário, examinem se a doutrina provém de Deus ou não. E por isso é que se nos manda provar os espíritos. E isto tem que ser notado cuidadosamente. (…) Deus quer que pensemos e que tenhamos a prudência para não ser enganados nem seduzidos por doutrinas falsas que as pessoas nos trazem. Como ocorrerá isso? Certamente não devemos ter a pretensão de julgar a verdade de Deus conforme nosso juízo ou imaginação, antes, o nosso raciocínio e entendimento têm que estar sujeitos a Ele, como o mostram as Escrituras. Não obstante, temos que orar a Deus que se digne em conceder-nos prudência para assim discernir se o que se nos propõe é ou não bom e reto. Além do mais, que com toda humildade não pretendamos outra coisa que ser governados por Ele, e estar sob Sua mão, com a certeza de que desta maneira seremos capazes de saber se há retidão ou não nas declarações que se nos propõem.[7]

Sobre a possível crítica aos homens de estarem julgando a doutrina de Deus, responde:

Minha resposta a esta questão é que a doutrina de Deus não está sujeita ao juízo humano, senão que a tarefa do homem é simplesmente julgar, por meio do Espírito de Deus, se é sua Palavra que está sendo declarada, ou se, usando esta como pretexto, os homens estão erroneamente exibindo o que eles mesmos engendraram.[8]

Somos iluminados pelo Espírito para recebermos a verdade, mas que somos igualmente equipados com o espírito de discernimento a fim de não vivermos suspensos pela dúvida entre a verdade e a falsidade, mas para sermos capazes de decidir o que devemos evitar e o que devemos seguir.[9]

Contudo, deve ser ressaltado: “Um homem só julga corretamente e com segurança pelo prisma de seu novo nascimento e segundo a medida da graça a ele concedida – e nada mais!”.[10] Nenhum homem é senhor total da interpretação da Palavra de Deus. Portanto, Calvino dá uma palavra aos mestres: “Ninguém está isento da crítica de outrem, mas para que todos ouçam, com a condição de que seu ensino seja, ao mesmo tempo, exposto à crítica”.[11]

Em outro lugar, continua estimulando o senso santamente crítico:

Então, temos que inquirir sempre sobre a intenção do homem que fala. Porque se vemos que o fim perseguido é que Deus seja glorificado[12] e que tenha domínio sobre todos os homens, já não deve haver disputas a respeito; temos que dar-nos por totalmente satisfeitos. (…) Deste modo então, tenhamos sempre esta pedra de toque quando viermos para provar alguma doutrina. Então saberemos se é reta ou distorcida, verdadeira ou falsa, pura ou corrupta e mesclada, conforme à verdadeira retidão que Deus nos há mostrado.[13]

            Esse exame criterioso do que é ensinado, deve ser feito com humildade e, em oração. Essa deve ser uma característica daquele que deseja obedecer a Deus:

Temos que examinar a doutrina, e não com orgulho, não pensando que somos suficientemente sábios por nós mesmos, senão orando a Deus, suplicando que Ele Se digne em governar-nos mediante seu Santo Espírito, para que possamos seguir a doutrina que Ele nos tem mostrado. (…) Aquele que está preparado para obedecer a Deus, nem por isso deixará de abrir seus olhos para considerar como distinguir entre o falso e o verdadeiro.[14]

Em outro lugar: “É um inestimável benefício que haja alguns que sejam experimentados em julgar, a fim de que não se permita seja a sã doutrina corrompida pelas formas enganosas de Satanás, ou seja arruinada, de uma forma ou de outra, por futilidades ridículas”.[15]

São Paulo, 02 de junho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 203.

[2] João Calvino, As Institutas,IV.1.5.

[3] Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 204.

[4] Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 204.

[5] Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 204.

[6]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 205.

[7]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 206-207.

[8]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 14.29), p. 432.

[9]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 2.15), p. 94-95.

[10]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 2.15), p. 95.

[11]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.32), p. 434. Isto se torna mais claro na sequência do seu comentário.

[12]“Concordo que a glória de Deus deve estar, para nós, acima de nossa salvação….” (J. Calvino, As Pastorais,(Tt 1.2), p. 301). “Não busquemos nossos próprios interesses, mas antes aquilo que compraz ao Senhor e contribui para promover sua glória”. (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 30). “A glória de Deus deve resplandecer sempre e nitidamente em todos os dons com os quais porventura Deus se agrade em abençoar-nos e em adornar-nos. De sorte que podemos considerar-nos ricos e felizes nele, e em nenhuma outra fonte” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 48.3), p. 356).

[13]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 207.

[14] Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 212.

[15]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 14.29), p. 432. “Gostaria que isso fosse levado em conta por aqueles que estão sempre com a língua bem afiada, procurando polemizar em cada questão e sofismar em torno de uma única palavra ou sílaba. Mas eles são impulsionados pela ambição, a qual, como sei de experiência pessoal com alguns deles, às vezes é uma doença quase fatal. O que o apóstolo diz acerca da subversão daqueles que ouvem é plenamente comprovado pela observação diária. É natural que em meio às contendas percamos nossa apreensão da verdade, e Satanás faz mal uso das controvérsias como pretexto para subverter e destruir nossa fé” (João Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.14), p. 233). “Os que teimam contra a verdade procuram em cada sílaba matéria para as suas evasivas!” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.11), p. 178).

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