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A Pessoa e Obra do Espírito Santo (48) - Hermisten Maia

A Pessoa e Obra do Espírito Santo (48)

G. Senhor e Rei de toda Terra

O Senhor é Rei de toda a Terra. O reinado de Deus é uma declaração de fé que permeia todo o Antigo Testamento, especialmente nos Salmos.[1]

     O seu trono não depende da vontade humana ou de aclamação popular. Foi Ele mesmo quem o estabeleceu e sustenta (Sl 9.7).[2] Isso é motivo de admiração e temor.  Escreve o salmista: “Reina o SENHOR; tremam os povos. Ele está entronizado acima dos querubins; abale-se a terra” (Sl 99.1).

     Analisemos alguns aspectos do senhorio e reinado de Deus:

                                                                                                         1) Poderoso e sábio Criador

                                                                                                                                 A Criação de Deus é com frequência tomada como pressuposição do seu poder e realeza. O Senhor criou todas as coisas conforme sua deliberação e poder.

A doutrina da Criação nos fala do poder todo suficiente de Deus e de nossa total dependência daquele que nos criou e preserva. Somente Deus, pelo seu poder, pode do nada tudo criar e, ao mesmo tempo, no exercício de seu poder, preservar todas as coisas, visíveis e invisíveis, conhecidas e ignoradas por nós. A criação é a expressão do Deus que pensa e cria, sem inspiração alguma fora de si mesmo. Na criação vemos delineados aspectos do ser de Deus, de sua sabedoria, bondade e poder.[3]

Bavinck enfatiza: “A doutrina da criação a partir do nada ensina a absoluta soberania de Deus e a absoluta dependência humana. Se uma partícula não tivesse sido criada do nada, Deus não seria Deus”.[4]

     Fazendo eco à Bavinck e Kuyper, dizemos que não há um pedaço, um “cantinho” do universo que não tenha sido criado por Deus. Não há vida fora de Deus. Nele vivemos, nos movemos e existimos. (At 17.28).

     Portanto, um dos aspectos fundamentais da soberania de Deus repousa no fato dele, por meio do Espírito,  ter criado todo o universo e a nós conforme sua deliberação e graça. Vejamos a expressão dessa realidade em alguns salmos:

Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles. (Sl 33.6).

         Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou. (Sl 95.6).

Sabei que o SENHOR é Deus; foi ele quem nos fez, e dele somos; somos o seu povo e rebanho do seu pastoreio. (Sl 100.3).

Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas. (Sl 104.24).

         O meu socorro vem do SENHOR, que fez o céu e a terra. (Sl 121.2).

    A Bíblia atesta que Deus faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade (Ef 1.11), conforme o seu santo prazer e deliberação (Sl 115.3). Todos os seus atos, livres como são, constituem-se em manifestações do seu soberano poder e da sua infinita sabedoria (Pv 3.19; Rm 11.33).

     O salmista diz que a inteligência do Senhor é incomensurável: Grande (lAdG”) (gadol) é o Senhor nosso e mui poderoso; o seu entendimento (hn”WbT.)(tebunah) não se pode medir” (Sl 147.5).

E esta sabedoria se manifestou na criação: “Àquele que com entendimento (hn”WbT.)(tebunah) fez os céus, porque a sua misericórdia dura para sempre” (Sl 136.5).

     Jeremias escreve: “O Senhor fez a terra pelo seu poder; estabeleceu o mundo por sua sabedoria (hm’k.x’) (chokmah), e com a sua inteligência (!WbT’) (tabuwn (judiciosamente,[5] entendimento[6]) estendeu os céus” (Jr 10.12).

     No livro de Jó lemos: “Eis que Deus se mostra grande em seu poder!” (Jó 36.22/Jó 36.26).

     A Criação é resultado da vontade e do poder criador de Deus, revelando aspectos da sua majestade e grandeza. (Gn 1.1,26,27; Sl. 148.5; Is 44.24; Jr 32.17; Rm 1.20; 4.17; 2Co 4.6; Hb 11.3; Ap 4.11). “Toda a criação nada mais é do que a cortina visível por detrás da qual irradia a operação excelsa desse pensamento divino”, interpreta Kuyper.[7]

     Na criação em geral e na formação do homem em especial, encontramos a concretização precisa do decreto eterno de Deus. O homem é o produto da vontade de Deus: “Tudo quanto aprouve ao Senhor ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sl 135.6).

     Assim, o homem não foi criado por um insensível acaso, por uma catástrofe cósmica ou por uma complicada mistura de gases e matérias. O homem foi formado por Deus de acordo com a sua sábia e soberana vontade (Gn 2.7; Rm 11.33-36).[8]

     O salmista louva e convida os fiéis a louvarem a Deus considerando o seu poder na Criação: “Louvem o nome do Senhor, pois mandou ele, e foram criados” (Sl 148.5).[9]

     Na Criação nos deparamos já de início com o Deus que fala e age com poder. O seu poder “é a primeira coisa evidente na história da criação (Gn 1.1)”, destaca Charnock (1628-1680).[10] De fato, a criação do nada nos fala de seu infinito e incompreensível poder.[11]

     Davi contemplando a majestosa criação de Deus, escreveu: “Graças te dou, visto que por modo assombrosamente (arey”) (yare’) maravilhoso (hl’P’) (palah) me formaste; as suas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem”(Sl 139.14).[12]

     A doutrina da Criação nos fala do poder todo suficiente de Deus e de nossa total dependência daquele que nos criou e preserva. Somente Deus, pelo seu poder, pode do nada tudo criar.[13]

 A concepção cristã da Criação do homem encontra a sua base e fundamento na Palavra de Deus. Por isso, é essencial à nossa consideração, o que o Espírito Santo fez registrar no livro de Hebreus: “Pela fé entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das cousas que não aparecem” (Hb 11.3).

     Nesta passagem bíblica, subjazem algumas verdades que devem ser destacadas:

  1. Deus é o Ser eterno que antecede a toda criação. Não há simbiose. A matéria não é eterna (não ao materialismo). Deus se distingue da criação (não ao panteísmo).
  • A fé é que deve dirigir a nossa compreensão a respeito da criação. Calvino conclui: “É tão somente pela fé que chegamos a entender que o mundo foi criado por Deus”.[14]
  • A criação é um ato livre da vontade soberana de Deus. Não há pressões externas ou necessidades internas que o impulsionem a criar.[15] Deus fez o que fez, quando fez, e como fez, por sua livre determinação.[16] “A criação do mundo não foi um ato arbitrário, senão que serviu para fins elevados e dignos, e estes fins estiveram de acordo com a bondade e sabedoria infinitas do Criador”, enfatiza Machen (1881-1937).[17]
  • Nada pode existir sem que tenha sido criado por Deus (Jo 1.3), os Céus e a Terra são obras de Deus. Não há existência e independência fora de Deus.
  • A Palavra de Deus é o verbo criador. Deus, na força de seu poder em perfeita harmonia com a sua vontade, cria conforme fala:“Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir” (Sl 33.9).
  • A criação primária foi gerada do nada (creatio ex-nihilo),[18] sem existência prévia. A possibilidade de algo vir a existir fora de Deus eliminaria a Deus como Deus. Não há dualismo nem sinergismo na criação. Deus cria e tudo veio a existir. Aqui temos a confissão de um mistério, não a sua explicação.[19] Tudo o que porventura possa ter existido anterior à criação descrita em Gn 1, deve ser compreendido dentro da esfera da criação como todo, porque somente Deus tem poder para chamar “… à existência as coisas que não existem” (Rm 4.17).[20] “Um absoluto não-ser precedeu o ser do mundo, e nesse sentido nós podemos dizer que Deus fez o mundo do nada”, conclui Bavinck.[21]
  • A criação se distingue de Deus, não sendo sua emanação ou extensão, mas o resultado de sua vontade e poder.

Maringá, 14 de novembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se: Carl J. Bosma, Os Salmos: Porta de Entrada para as Nações. Aspectos da base teológica e prática missionária no Livro dos Salmos, São Paulo: Fôlego, 2009, p. 29ss.

[2]“Mas o SENHOR permanece no seu trono eternamente (~l’A[) (olam), trono que erigiu (!WK) (kun) para julgar (jP’v.mi)(mishpat)(Sl 9.7).

[3]Veja-se: Abraham Kuyper,  Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte,  Brasília, DF.: Monergismo, 2018, p. 35-39.

[4]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 427.

[5] Sl 49.4.

[6] Sl 136.5; 147.5.

[7]Abraham Kuyper, Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte,  Brasília, DF.: Monergismo, 2018, p. 38.

[8] “A origem da humanidade não é, de acordo com o nosso texto [Gn 1.26], o resultado de acontecimentos fortuitos que ocorreram por meio de eras prolongadas de tempo” (Gerard van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 76).

[9]Como indicativo histórico extra bíblico do conceito judeu referente à criação do mundo como sendo proveniente do nada, citamos o livro apócrifo de Macabeus, que diz: “Suplico-te, meu filho, que olhes para o céu e para a terra e para todas as coisas que há neles, e que penses bem que Deus as criou do nada, assim como a todos os homens” (2Mac 7.28).

[10]Stephen Charnock, Discourses Upon The Existence and Attributes of God,9. ed. Michigan: Baker Book House, 1989, v. 2, p. 36.

[11]Cf. Stephen Charnock, Discourses Upon The Existence and Attributes of God, v. 2, p. 38.

[12] “Ao único que opera grandes (lAdG”) (gadol) maravilhas (al’P’) (pala), porque a sua misericórdia dura para sempre” (Sl 136.4).

[13] “A doutrina da criação a partir do nada ensina a absoluta soberania de Deus e a absoluta dependência humana. Se uma partícula não tivesse sido criada do nada, Deus não seria Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 427).

[14] João Calvino,Exposição de Hebreus,São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.3), p. 298. “As mentes humanas são cegas a essa luz da natureza, a qual resplandece em todas as coisas criadas, até que sejam iluminados pelo Espírito de Deus e comecem a compreender pela fé, que jamais poderão entendê-lo de outra forma” (João Calvino, Exposição de Hebreus,São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.3), p. 299).

[15] Ver: J. Moltmann, Doutrina Ecológica da Criação,Petrópolis, RJ.: Vozes, 1993, p. 119.

[16] Ver: J. Moltmann, Doutrina Ecológica da Criação,p. 126ss.

[17] J. Gresham Machen, El Hombre: La Enseñanza Bíblica sobre el hombre,Lima: El Estandarte de la Verdad, 1969, p. 82.

[18] Excelente o comentário de Bavinck a respeito da expressão latina tardia não encontrada nas Escrituras (2Mc 7.28), mas, que faz jus ao sentido bíblico da criação como sendo o ato sábio e poderoso de Deus que traz à existência coisas que antes não existiam (Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 425-429).

[19] Ver: Criação: In: J.I. Packer, Teologia Concisa,Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1999, p. 19.

[20] Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 548.

[21]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 180.

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