A Pessoa e Obra do Espírito Santo (451)

6.4.12.2. Revelação e pleno conhecimento de Deus (17)

A verdade é tão grande, e a minha mente é tão pequena! Mas o Espírito de revelação nos dá entendimento. – D.M Lloyd-Jones.[1]

A despeito de nossas limitações e da loucura de nossa tentativa de pensar autonomamente, Deus, o Senhor glorioso e majestoso, torna-se conhecido a nós, paradoxalmente, não pelos nossos esforços, mas, porque Ele graciosamente se dá a conhecer de forma acessível à nossa capacidade.

            Conhecer a Deus pela fé[2]é se relacionar com Ele. Não é um conhecimento a respeito de Deus, antes, é uma relação pessoal, de confiança, obediência e amor. Este é um conhecimento único, diferente de todos os outros conhecimentos, porque Deus é único e singular.[3] É possível ter um conhecimento especial de algo comum, porém, conhecer a Deus é sempre algo especial, porque Deus é singular em sua essência, existência e revelação.

            Somente Deus é o Senhor! Portanto, nunca poderemos ter um conhecimento real e, ao mesmo tempo banal de Deus. Banalidade e majestade são termos que essencialmente se excluem quando tratamos de Deus. Aliás, só há majestade em Deus e, ao mesmo tempo, não há nada de comum e banal em nosso Glorioso Senhor.

            Por isso, poder conhecer a Deus é sempre uma iniciativa da graça divina,   que se manifesta no fato de Deus se revelar e de nos possibilitar conhecer.  Não somos nem nunca seremos o padrão de verdade. Os nossos pensamentos e as nossas supostas experiências concretas, por mais nobres que sejam, não têm poder autorreferentes, se constituindo em fundamento de nossas decisões e ensino,[4] antes, precisam sempre ser validados pela Palavra, que é a verdade (Jo 17.17).

            Só pensamos verdadeiramente quando pensamos à luz da Palavra. Por isso, é que conhecer a Deus é algo sem paralelo, porque somente Deus é soberano e, somente a partir dele podemos conhecê-lo.

Qualquer tentativa de analogia que pensemos em fazer para aplicar a Deus, é sempre tacanha, pobre e temerária. Por isso mesmo, a revelação de Deus sempre é uma autorrevelação consciente, majestosa e objetiva. Deus na expressão de sua natureza gloriosa, traz beleza variada e harmoniosa à Criação.

            Conhecer a Deus em sua soberania e beleza, portanto, é um dom da graça do soberano Deus. Este conhecimento, por sua vez, nos liberta para que possamos conhecer genuinamente a nós mesmos e as demais coisas da realidade, possibilitando-nos ter uma dimensão adequada de todas as coisas.

            Insistimos: Sem a revelação de Deus pelo Espírito nós jamais o conheceríamos. “Tudo quanto diz respeito ao genuíno conhecimento de Deus constitui um dom do Espírito Santo”, declara Calvino.[5]

            Como mais um ingrediente de cautela, devemos entender que o nosso conhecimento de Deus por meio de sua revelação é um “conhecimento-de-servo” delimitado pelo próprio Senhor, considerando, inclusive, o pecado humano.

Em outras palavras, resume Frame: “É um conhecimento acerca de Deus como Senhor, e um conhecimento que está sujeito a Deus como Senhor”.[6] O nosso conhecimento nunca é autorreferente com validade própria e por iniciativa nossa.[7] “Visto que somos seres finitos e não podemos enxergar o todo da realidade de uma vez, nossa perspectiva da realidade é necessariamente limitada por nossa finitude”, interpretam Geisler (1932-1919) e Bocchino.[8]  

            O reformador João Calvino sustentava que a revelação de Deus é um ato gracioso de sua condescendência para com o ser humano.[9] Ele entendia que Deus, na Sua Palavra, “se acomodava à nossa capacidade”,[10] balbuciando a sua Palavra a nós como as amas fazem com as crianças.[11] Deus se vale de analogias, recorrendo a metáforas – comparando-se a um leão, ao urso e ao homem – visando ser entendido por nós. “Deus não pode revelar-se a nós de qualquer outra maneira senão por meio de uma comparação com coisas que conhecemos”.[12] Assim, Deus adapta-se à linguagem humana e “ao nível humano de compreensão”.[13]

São Paulo, 06 de abril de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 347.

[2] “Todo conhecimento é fé” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília, DF.: Monergismo, 2013, p. 305).

[3] “Conhecer a Deus é uma coisa completamente única, singular, visto que Deus é único, é singular” (John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 25).

[4] Veja-se: Francisco L. Schalkwijk, Meditações de um peregrino, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 127.

[5] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.3), p. 373.

[6] John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 56.

[7]A respeito de um comportamento oposto, escreveu Lloyd-Jones: “Não há maior obra-prima do diabo do que seu sucesso em persuadir as pessoas de que é seu conhecimento superior que as leva a rejeitar o cristianismo. Mas exatamente o oposto é que é verdadeiro. O diabo as mantém na ignorância porque, enquanto permanecerem nela, elas farão o que ele manda. A partir do momento em que recebem a luz – o Evangelho é chamado de ‘luz’ – elas veem o diabo e o abandonam” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 68).

[8]Norman Geisler; Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores questionamentos contemporâneos sobre a fé cristã, São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 50.  Da mesma maneira, veja-se: Vern S. Poythress, Redimindo a filosofia: uma abordagem teocêntrica às grandes questões, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 74ss.

[9]Alister E. McGrath, Historical Theology: An Introduction to the History of Christian Thought, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1998, p. 210. A Confissão de Westminster fala também da “condescendência” de Deus em firmar um Pacto com o homem caído (Ver: Confissão de Westminster, VII.1).

[10]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 2.7), p. 82.

[11]“….Sabemos como Deus se acomoda à forma ordinária de linguagem em decorrência de nossa ignorância, e às vezes inclusive balbucia, se me for permitido usar a expressão” (João Calvino, Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 21.25), p. 327). “Os antropomorfitas são também facilmente refutados, os quais imaginaram um Deus dotado de corpo, visto que frequentemente a Escritura lhe atribui boca, ouvidos, olhos, mãos e pés. Pois quem, mesmo os de bem parco entendimento, não percebe que Deus assim fala conosco como que a balbuciar, como as amas costumam fazer com as crianças? Por isso, formas de expressão como essas não exprimem, de maneira clara e precisa, tanto o que Deus é, quanto lhe acomodam o conhecimento à pobreza de nossa compreensão. Para que assim suceda, é necessário que ele desça muito abaixo de sua excelsitude” (João Calvino, As Institutas, (2006),I.13.1).

[12]John Calvin, “Commentary on the Book of the Prophet Isaiah,” John Calvin Collection,[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Is 40.18), p. 64.

[13]John H. Gerstner, A Atitude da Igreja Perante a Bíblia: Calvino e os Teólogos de Westminster: In: Norman Geisler, org. A Inerrância Bíblica, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 477. Vejam-se também: John Calvin, Commentary on the Gospel According to John,Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, v. 18), 1996 (Reprinted), (Jo 21.25), p. 299; John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 22, (1Pe 1.21), p. 54; Alister E. McGrath, A Vida de João Calvino, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 154ss. Parker interpretando Calvino, diz: “…. Os pensamentos e a linguagem de Deus são incompreensíveis ao homem. Mas revelação só é revelação se ela for compreensível. Portanto, os pensamentos e a linguagem de Deus devem tornar-se compreensíveis, e isso acontece quando Deus, para dizer assim, os traduz em pensamentos e linguagem humanos” (T.H.L. Parker, Calvin´s New Testament Commentaries, 2. ed. Louisville, Kentucky: Wetminster; John Knox Press, 1993, p. 94).

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