A Pessoa e Obra do Espírito Santo (436)

6.4.11.1. Ação de graças: um espírito agradecido

Recordar os dons divinos é sempre deleitoso e estimulante às pessoas piedosas. − João Calvino.[1]

Paulo escreve: “Não cesso de dar graças por vós” (Ef 1.16).

            Algo que podemos observar com certa hilaridade é que como se a nossa distração – tornar desatento – não fosse por si só comum, criamos coisas para a nos distrair, atraindo a nossa atenção para outra coisa, nos desencaminhando, nos levando em várias direções.

            Independentemente da necessidade relativa que temos de distração, observamos que uma das grandes dificuldades na oração é a nossa falta de concentração: como somos puxados e conduzidos em diferentes direções, nos afastando do propósito inicial. Por vezes começamos a orar com fervor e, dentre em pouco, estamos divagando, meditando, planejando o nosso dia e, até mesmo, nos queixando num solilóquio irreverente e totalmente descompromissado com a genuína oração.

            O apóstolo, preso, tão distante de seus irmãos, ora por eles. Ele não se permite ser conduzindo e arrastado em direção a propósitos diferentes enquanto orava.[2] O seu amor para com os crentes era evidente.[3] Ao mesmo tempo em suas orações de ação de graças estava implícita a sua consciência de que tudo que temos provém de Deus. A fé em Deus e o amor para com todos os santos manifestados pela igreja é uma dádiva divina.[4]

            Se reconhecermos biblicamente a generosidade de Deus (Ef 1.3) e o quanto dele dependemos, deixaremos os queixumes amargos, lamentavelmente tão comuns em nossa vida,[5] e seremos conduzidos naturalmente à ação de graças.[6]

            Um dos nossos problemas, é que lá no fundo de nosso coração, tendemos a achar que conseguimos algo pela nossa sabedoria, capacidade, inteligência, esperteza, influência, etc. Apreciamos a ilusão de que podemos ser autônomos, vivendo por nós mesmos, como se Deus não existisse ou, que nos bastasse sem de nada depender.

            Assim pensando, a gratidão deve ser a nós mesmos; um tributo à nossa engenhosidade (2Co 3.5; 1Co.4.7). Gostamos de erguer bustos com a nossa efígie na praça de nosso coração e convidar por meio de uma propaganda bem- feita, pessoas a virem e a se encantar com a nossa efígie. O automarketing pode ser sutil, porém, bastante eficiente para satisfazer um eu egorreferente.

            Paulo sabe que a existência da igreja sempre será motivo de ação de graças, porque somente Deus pode chamar e constituir poderosa e eficazmente o seu povo. A fé e o amor dos efésios não eram a causa de sua eleição, antes os efeitos dos atos graciosos de Deus que remontam à eternidade.

            Deus deseja que a igreja se ocupe com esta santa meditação a respeito dos feitos Dele.[7] Quando a nossa imaginação navega sem rumo pode se alimentar de coisas fúteis, tornando-se instrumento de destruição como, por exemplo, para maquinar planos de vingança e calúnia. A nossa imaginação mal utilizada poderá criar estruturas mentais que se constituem em pressupostos concretos para o novo elaborar intelectual, nos conduzindo a um comportamento totalmente distante da realidade, cujo fundamento está em nossa imaginação pecaminosa que se alimentou de si mesma construindo um mundo fictício e, pior, destrutivo. Esta “petição de princípio” imaginativa certamente acarretará muita dor e ansiedade e, pior, sem nenhum fundamento concreto.

O que domina o nosso pensamento e a nossa imaginação tende a se materializar em nossos atos. O que ocupa a nossa mente?

Salomão nos instrui quanto ao perigo de invejarmos o ímpio e de desejarmos conviver com ele. Este homem é contagiante em suas maquinações para a violência as quais são verbalizadas para persuadir: “Não tenhas inveja dos homens malignos, nem queiras estar com eles, 2 porque o seu coração maquina (hg’h’) (hãgãh) violência, e os seus lábios falam para o mal” (Pv 24.1-2).

            Davi descrevendo seus inimigos que se aproveitam de sua fragilidade circunstancial, escreve: “Armam ciladas contra mim os que tramam tirar-me a vida; os que me procuram fazer o mal dizem coisas perniciosas e imaginam (hg’h’) (hãgãh) engano todo o dia” (Sl 38.12).[8]

            O apóstolo nos ensina em sua prática de vida:“Não cesso de dar graças por vós” (Ef 1.16).

            A ingratidão é resultante de nossa não consideração piedosa dos feitos de Deus: “…. a desconsideração quase universal leva os homens a negligenciarem os louvores a Deus. Por que é que tão cegamente olvidam as operações de sua mão, senão justamente porque nunca dirigem seriamente sua atenção para elas? Precisamos ser despertados para este tema”, insiste Calvino.[9]

             A vontade de Deus é que nos alegremos com os nossos irmãos na firmeza de sua fé, dando graças a Deus por isso. Devemos orar uns pelos outros, regozijando-nos ao perceber o fortalecimento espiritual de nossos domésticos da fé.

O apóstolo Paulo, em muitas de suas cartas, agradecia a Deus o testemunho fiel da Igreja. Cito dois exemplos:

Primeiramente dou graças a meu Deus mediante Jesus Cristo, no tocante a todos vós, porque em todo o mundo é proclamada a vossa fé (Rm 1.8).
Dou graças a meu Deus por tudo que recordo de vós (…), pela vossa cooperação no Evangelho, desde o primeiro dia até agora (Fp 1.3,5).[10]

   Maringá, 19 de março de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 1.3), p. 198.

[2]“Talvez não haja nenhum outro aspecto da nossa vida cristã que tantas vezes levante problemas nas mentes das pessoas como a oração. E é certo que seja assim, porque a oração é, afinal de contas, a mais elevada atividade da alma humana” (D.M. Lloyd-Jones, O supremo propósito de Deus: Exposição sobre Efésios 1.1-23, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 313).

[3] Veja-se: Russell Shedd, Tão grande salvação: Exposição bíblica de Efésios, São Paulo: ABU Editora, 1978, p. 20-22 (em especial).

[4]“Se todo homem fosse capaz de crer e ter fé de moto próprio, ou a pudesse obter por algum poder de si mesmo, o louvor disso não teria que ser dado a Deus. Porquanto seria apenas zombaria reconhecermo-nos devedores para com Ele por aquilo que obtemos, não dele, mas de outra parte. Porém, Paulo bendiz o nome de Deus por iluminar os efésios na fé e por moldar seus corações enternecendo a estes. Logo, tem de se concluir que tudo advém de Deus” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 132).

[5] “O mundo é deveras mísero e infeliz; vive cheio de maldições e de queixas. Entretanto o louvor, a ação de graças e o contentamento marcam o cristão e mostram que ele não é mais ‘do mundo’.” (D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 48).

[6] “Da Palavra de Deus, portanto, aprendemos que nosso único e eterno Deus é a fonte de toda vida, justiça, sabedoria, virtude, bondade e clemência. E, assim como todo o bem, sem exceção, procede dele, assim também o louvor deveria justamente voltar a Ele” (João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003,Cap. 3, p. 14).

[7] Cf. João Calvino, As Institutas, I.14.21.

[8] Para uma abordagem mais detalhada deste assunto, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A felicidade segundo Deus, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2016.

[9]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 66.5), p. 624. “Assim também não deixemos passar nenhum tipo de prosperidade que nos beneficie, ou que beneficie a outros, sem declarar a Deus, com louvor e ação de graças, que reconhecemos que tal bênção provém do Seu poder e da Sua bondade” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 136). “Os ímpios e hipócritas correm para Deus quando se veem submersos em suas dificuldades; mas assim que se veem livres delas, olvidando seu libertador, se regozijam com frenética hilaridade” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 28.7), p. 608). Veja-se: Sam Storms, Com um pé levantado: Calvino, a Glória da ressurreição final e o céu: In: John Piper; David Mathis, orgs. Com Calvino no teatro de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 93-110.

[10]Vejam-se também: 1Co 1.4; Cl 1.3,4,12; 1Ts 1.2,3; 2.13; 3.9; 2Ts 1.3; 2.13; Fm 4.

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