A Pessoa e Obra do Espírito Santo (428)

13) Sábio manejo da Palavra em seu anúncio perseverante  (Continuação)

Deus opera o nosso novo nascimento espiritual por meio da Palavra. Este é o testemunho que Paulo dá aos coríntios: “Porque, ainda que tivésseis milhares de preceptores em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; pois eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo Jesus” (1Co 4.15).

Portanto, manejar bem a Palavra significa proclamá-la conclamando os homens ao arrependimento e à fé em Jesus Cristo, instruindo os crentes no sentido de crescerem espiritualmente rumo ao modelo perfeito que é Jesus Cristo (Rm 8.29).

Dessa forma, a pregação envolve necessariamente a compreensão e transmissão de sua mensagem primária e a devida aplicação ao nosso tempo e, sempre que possível, ao contexto histórico mais específico de nossos ouvintes.

A aplicação sem compreensão gera superficialidade e exercício apenas de nossas opiniões. A compreensão sem aplicação propicia apenas informações que, por mais ricas e detalhadas que sejam, não edificam.

O ensino da Palavra é um privilégio responsabilizador; consiste em partilhar com o nosso próximo as riquezas que o Espírito tem nos concedido.

A consciência do apóstolo estava tranquila na certeza de ter cumprido a sua missão dentro do tempo que teve (At 20.25-27).Paulo sabia de sua responsabilidade. Como mestre cristão ele teria de prestar contas diante de Deus pelos que lhes foram confiados.

O ensino da Palavra é algo profundamente sério; por isso a advertência de Tiago: “Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo” (Tg 3.1).

Do mesmo modo, como vimos, na instrução de Hebreus aos crentes fiéis, há uma alusão à gravidade do ministério pastoral: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam (a)grupne/w) (= vigiar, permanecer alerta, estar acordado) por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros” (Hb 13.17).

            Paulo demonstra a sua seriedade ministerial: 25 Agora, eu sei que todos vós, em cujo meio passei pregando o reino, não vereis mais o meu rosto. 26 Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos” (At 20.25-26).

            Paulo emprega uma figura aplicando-a espiritualmente. Como temos enfatizado, o apóstolo tem consciência que anunciou perseverantemente o Evangelho, portanto, não se sentirá responsabilizado se algum daqueles irmãos se desviar da fé. Certamente em apenas três anos Paulo não pôde apresentar toda a doutrina bíblica detalhadamente. Contudo, ele se esforçou por ensinar, dentro das circunstâncias da época, considerando o tempo, o nível de compreensão de seus ouvintes e os desafios apresentados à medida que pregava e convivia com os efésios, todo o desígnio de Deus.

            É muito importante que estejamos atentos às circunstâncias de nossos ouvintes, consideremos os fatos cotidianos, os ensinamentos que vigoram e as inquietações próprias de nossa geração. A nossa leitura da realidade a partir da Escritura nos dará uma perspectiva mais abrangente do que qualquer manual de estudos sociais, por exemplo. A Escritura propicia uma avaliação profunda e real da natureza humana porque, entre outras coisas, leva em consideração a gravidade e universalidade do pecado. Sem a compreensão do terrível mistério do pecado na história humana, as nossas avaliações, também já viciadas, tenderão a ser ou muito pessimistas ou oti-mistas. Somente Deus nos mostra de fato quem somos, os segredos de nossos corações e, o que construímos, sempre com a marca do pecado. Ao mesmo tempo, nos mostra e nos capacita a seguir o caminho definitivo em Cristo, o Deus encarnado que nos chama a si e nos conduz ao Pai (Mt 11.28-30; Jo 14.6).

“Escutar com humildade é indispensável para a pregação relevante”, instrui Stott.[1] Por isso, devemos estar atentos à sociedade onde vivemos e, ao mesmo tempo, cultivarmos um estudo sério da Palavra a fim de ensinar com fidelidade, apresentando a mensagem de Deus a um mundo em constantes transformações e, por isso mesmo, carente de referenciais. O sermão é elaborado a partir do texto tendo como ingrediente fundamental, a sociedade dentro da qual estamos inseridos. Estes dois polos devem nos nortear em nossa elaboração e proclamação.[2]

            É extremamente estimulante ao pregador saber que os nossos sermões atendem às necessidades concretas de nossos ouvintes. Neste caso, “nossa vocação é estimulada a cada mensagem”.[3]

            A Palavra de Deus deve ser a nossa lente escrutinadora para que possamos saber ler a realidade e aplicar os ensinamentos bíblicos aos nossos ouvintes. Necessitamos, portanto, do estudo da Palavra e de oração, suplicando a Deus a sabedoria do alto para que apresentemos a doutrina bíblica de forma eficaz (Tg 1.5-6).[4] Sem oração jamais seremos competentes suficientemente.

            Antes de suas exposições bíblicas, Calvino costumava fazer a seguinte oração: “Conceda o Senhor que nos ocupemos em contemplar os mistérios de sua sabedoria celestial com devoção realmente crescente, para glória sua e edificação nossa. Amém”.[5]

            David M. Lloyd-Jones (1899-1981) certamente foi um dos expositores bíblicos mais influentes do século XX. Em certa ocasião, alguns homens comentando a respeito de seus dotes variados, ouviram de sua esposa, Bethan Lloyd-Jones (1898-1991): “Ninguém entenderá o meu marido enquanto não perceber que ele é primeiramente um homem de oração e, depois, um evangelista”.[6]

Piper, quem admite sua grande dívida para com Lloyd-Jones, apresentando sugestões para que os pregadores cultivem a seriedade e a alegria necessárias na pregação, entre outros preceitos, diz: “Somos chamados ao ministério da Palavra e da oração, porque sem oração o Deus de nossos estudos será o Deus que não assusta, que não inspira, oriundo de uma prática acadêmica ardilosa”.[7]

            Nós também, como pastores, não devemos omitir a verdade por medo de desagradar alguém ou, por temer as consequências do ensino da verdade. Temos de nos lembrar de que somos instrumentos da verdade e não o inverso. Não nos cabe manipular a verdade ao nosso alvitre; temos de pregar a Palavra fiel (1Tm 1.15) com integridade, pois sendo fiéis à Palavra, estamos sendo fiéis ao seu Autor: Deus. Não somos senhores do texto, antes, seus servos.[8] Somos chamados a expor as Escrituras em sua inteireza e profundidade, não as nossas opiniões.[9] Quando expomos a Palavra devemos estar solidamente convencidos de que aquela mensagem é proveniente do texto.

            O pregador não “compartilha” experiências, não simplesmente dá suas “opiniões” sobre o texto bíblico, nem faz uma paráfrase irreverente do texto, antes, prega a Palavra. Seu objetivo é expressar o que Deus disse por meio de seus servos.

Maringá, 26 de fevereiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Vida, 2003, p. 205.

[2] “O pregador não é um homem que vive numa redoma de vidro; não é alguém que está fora deste mundo. Como qualquer um, leio meus jornais e às vezes escuto o rádio e ligo minha televisão, e noto o que está acontecendo” (D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 92).

[3] Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 253.

[4]5 Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. 6Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento” (Tg 1.5-6).

[5] John Calvin, The Commentaries of John Calvin on the Prophet Hosea, Grand Rapids, MI.: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, v. 13/2), 1996 (Reprinted), p. 34.

[6] Citado em Iain H. Murray, A Vida de Martyn Lloyd-Jones 1899-1981: Uma biografia, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2014, p. 334.

[7]John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação, São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 57.

[8] “O pregador é chamado para ser servo da Palavra” (R. Albert Mohler, Jr., A Primazia da Pregação. In: Ligon Duncan, et. al., Apascenta o meu rebanho, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 17). “O pregador deve servir ao texto….” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 20).

[9]“O dever do homem que ocupa o púlpito não é proferir as suas palavras, mas ser bíblico. Cabe-lhe expor esta Palavra porque é a Palavra de Deus, e lhe cabe falar a palavra que o Espírito Santo o habilita a falar” (D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 19). “Não estou aqui para ventilar minhas próprias ideias e teorias, porém para expor a Palavra de Deus” (D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 67).

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