A Pessoa e Obra do Espírito Santo (418)

E) Graça suficiente de Deus fundamentada na obra de Cristo

 “24Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus. (…) 28 Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue. (…)  32 Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (At 20.24,28,32).

          Paulo apresentou de forma consistente a mensagem da graça. Acontece que a graça é um bem que nos incomoda. A salvação é uma declaração de nosso pecado e total incapacidade de resolver o nosso crucial problema. A graça nos alegra e nos humilha. Creio que todos nós já tivemos sentimentos contrastantes referentes à mesma questão.

          Barth (1886-1968) é quem melhor retrata este paradoxo:

Nós não amamos viver pela graça; há sempre em nós alguma coisa que se insurge violentamente contra a graça. Nós não amamos receber a graça, nós amaríamos, no máximo, atribuí-la a nós mesmos. A vida humana é feita desse vai-e-vem entre o orgulho e o desespero, que apenas a fé pode eliminar. Se contar consigo mesmo, o homem não pode chegar a ela, uma vez que não podemos, nós mesmos, nos libertar do orgulho e da angústia. Se formos libertos é graças a uma ação que não depende de nós.[1]

          O anúncio da graça fala de nosso desespero, de nossa incapacidade e, ao mesmo tempo, do amor gracioso e redentivo de Deus. Sem a consciência do pecado não há sentido para a graça.[2]

          Graça é o favor imerecido, manifestado livre, contínua e soberanamente por Deus aos pecadores que se encontravam num estado de depravação e miséria espirituais, merecendo o justo castigo pelos seus pecados (Rm 4.4/11.6; Ef 2.8-9).[3]

          O Evangelho é da graça porque nele encontramos o favor imerecido de Deus para com o homem – para com cada um de nós -, que merecia a condenação eterna. O trágico dessa realidade, é que a condenação à qual todos nós estaríamos fadados, é obra ‒ trabalhamos para isso (Rm 6.23). A salvação, é graça.

O Evangelho é a boa nova que consiste na declaração de Deus, de que há perdão para todos os nossos pecados em Cristo Jesus. O Senhor nos tira da condição de “réus”, e nos transporta “para o reino do Filho do seu amor” (Cl 1.13), tornando-nos seus filhos e herdeiros (Rm 8.12-17/Jo 1.12; Gl 3.26), sendo este privilégio uma gloriosa concessão da graça.

           Conforme já vimos, Jesus Cristo é a personificação da graça. Ele encarna a graça e a verdade. Nele encontramos o fundamento do que é verdadeiro: Ele é a verdade eterna que valida o que é, desmistificando os nossos padrões equivocados e, por isso mesmo, transitórios de verdade e, também, cumpre as promessas de Deus em graça (Jo 1.17; 14.6).

          O Evangelho é a graça verbalizada. Jesus Cristo é a causa, o conteúdo e a manifestação da graça de Deus. Falar de Cristo é falar da graça. É por meio do Evangelho que Deus transmite a sua Palavra de graça (At 14.3; 20.24). “O Evangelho é o divulgador da graça”.[4]  

          A graça de Deus não é barata.[5] Nós muitas vezes nos comportamos como filhos que, amados e agraciados com presentes de seus pais, se esquecem de que se aquilo que ganhamos foi “fácil”, “generoso”, sem mérito algum de nossa parte, custou muitas vezes um alto preço para os pais: privação de adquirir outro bem para si, filas, crediários, juros, economias etc. A graça de Deus tem outro lado, que com frequência nos esquecemos: a obra sacrificial de Cristo.

          A graça de Deus se evidencia nas obras da Trindade. O Pacto da Graça,[6]  por meio do qual somos salvos, foi Pacto de Obras para Cristo.[7] A nossa salvação é muito cara, custou o precioso sangue de Cristo (1Pe 1.18-20/At 20.28; 1Co 6.20).[8] 

O nosso Deus é “O Deus de toda graça”(1Pe 5.10). Bem-aventurados são todos aqueles que vivem como súditos do Reino da Graça de Deus.

“A doçura da graça”[9] de Deus é a tônica da sua relação com o seu povo.[10] Tudo que temos, somos e seremos, é pela graça (1Co 15.10). A riqueza da graça de Deus se manifesta de modo superabundante em nós (2Co 9.14; Ef 1.7; 2.7). 

          O Evangelho é uma mensagem da Graça de Deus (At 20.24). Esta é uma proclamação fundamentalmente distintiva da Igreja.

          Deus confiou à Igreja o privilégio responsabilizador de testemunhar o Evangelho da graça (1Co 9.16; 2Tm 4.2). A graça de Deus age por meio da verdade (Cl 1.6). Deus mesmo confirma a sua Palavra (At 14.3). Deus não nos chamou a pregar as nossas opiniões ou hipóteses, mas sim a sua Palavra visto que, Ele age por intermédio dela (Jo 17.17; Rm 10.17; Cl 1.5,6).

          A Igreja é proclamadora da graça de Deus, tendo em sua existência histórica a concretude da graça: a Igreja, como mencionamos, é o monumento da graça soberana de Deus! (1Pe 2.9,10).

          Paulo tinha perfeita consciência disso. Por isso anunciou intensa e perseverantemente o Evangelho da graça de Deus por meio da Palavra da graça.

Maringá, 26 de fevereiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 23.

[2] “Onde o pecado não é encarado como pecado, a graça não pode ser graça. Que necessidade de expiação poderiam ter homens e mulheres quando lhes é dito que o seu problema mais profundo é algo menos do que aquilo que a Bíblia ensina explicitamente? O ensino fraco sobre o pecado leva à graça barata e não conduz ao evangelho” (Albert Mohler Jr., O Desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 32). O desaparecimento do pecado do nosso vocabulário moral é uma das marcas da Idade Moderna – e da moralidade pós-moderna. Nestes dias, a maioria das pessoas acredita ser imperfeita, com espaços para melhorias – mas não pensam em si mesmas como pecadores necessitados de perdão e de redenção” (Albert Mohler Jr., O Desaparecimento de Deus, p. 31).

[3]“Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida“ (Rm 4.4). “E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rm 11.6). “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9).

[4] A.W. Pink, Os Atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 74.

[5]Posteriormente li MacArthur comentando a respeito da expressão “graça barata” (Veja-se: John MacArthur, O Evangelho Segundo os Apóstolos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2011, p. 68-90). Dentro de uma perspectiva complementar, escreveu Bonhoeffer (1906-1945): “A graça barata é inimiga mortal de nossa igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa. Graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento malbaratado; é graça como inesgotável tesouro da Igreja, distribuído diariamente com mãos prontas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem custo. (…) A graça barata é, por isso, uma negação da Palavra viva de Deus, negação da encarnação do Verbo de Deus. (…) A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus vivo, encarnado” (D. Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 9-10). “A graça de Deus não é graça barata; ela custa tudo que somos e que temos” (Helmut Thielicke, Mosaico de Deus, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1968, p. 72).

[6]“Cristo amou a esta linhagem desde antes da fundação do mundo. É um pensamento nobre e glorioso – o mesmo lirismo da doutrina calvinista, a qual nós ensinamos – que antes que a estrela matutina conhecesse seu lugar, antes que do nada Deus criasse o universo, antes que a asa do anjo agitasse os virgens espaços etéreos, e antes que um solitário cântico perturbasse o silêncio no qual Deus reinava supremamente. Ele já havia entrado em conselho consigo mesmo, com Seu Filho e com Seu Espírito, e havia determinado, proposto e predestinado a salvação de Seu povo” (C.H. Spurgeon,  Sermões no Ano do Avivamento,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 47-48).

[7]“Em última análise a justificação é por obras no sentido que somos justificados pelas obras de Cristo” (R.C. Sproul, O Que é teologia Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 61).

[8]18 Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, 19 mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, 20 conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós”(1Pe 1.18-20).

[9] Cf. João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 6.1), p. 125.

[10] Packer diz que “graça” é “a palavra-chave do cristianismo” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 85).

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